• Nenhum resultado encontrado

Campo-rê

Campo da pulga. Campo (SC). Erê Campo: pulga; Rê: Campo. Côranbang-rê

Campo do claro grande ou clareira grande.

Campos de

Guarapuava (PR)

Coran: dia ou claro; Bang: grande; Rê: campo. Creie-bang-rê

“Dizem que lhe pozeram este nome porque alli tinha um grande pilão, ou talvez monjolo, feito por um índio chamado –

Nharaburo, Broto de milho.”

Campo do pilão grande.

Campos de

Palmas (PR). Crêiê: pilão; Bang: grande; Rê: campo.

Goioãint

“Quando pela primeira vez os Kainganges quizeram passar o

Uruguai, mandaram seos

exploradores margeal-o: não encontrando vao, disseram á volta: Goioaint, rio ou agoa invadeável. Dahi lhe ficou o nome que os nossos alteraram em: Goioen e Goioene.” Água invadeável. Goioem; rio Uruguai (SC/RS). Goio: água; Aint: invadeável. Xáembetkó

“Pela semelhança que lhes pareceo, (aos Kaingangues) ter as pescarias de cascudos, á noite neste rio com a dos ratos, lhe puzeram este nome, que os

nossos alterarm ou

abreviaram.”

Xapecó; rio

Xapecó (SC). Xá: salto, cachoeira; Embetkó: modo de

caçar ratos á noite com fachos.

Xaxarê

Campo da cascavel. Xanxerê (município/SC);

Campos de

Xanxerê.

Xaxá: cobra, cascavel;

Xongú

“Contam que, os que ian adiante, na sahida deste campo, mataram um tigre,

cortaram-lhe a cabeça,

espetaram-n’a em um pão, e o fincaram no caminho, os que vinham atraz viam a cabela e diziam – Mincriniá – Tigre, cabeça, caminho: Dahi proveio ao campo seo nome que foi substituido pelo de Xongú que alteraram em Xagú.”

Campo da cabeça do tigre no caminho. Xagú ou Campo de Chagú (Laranjeiras/PR). Xongú: nome de pequeno arbusto espinhoso que ocorre nestes campos Mincriniarê Mim: tigre; Crin: cabeça; Iá (abreviação de iaprì): caminho; Rê: campo. Xupin

“Contam os Kaingangues que em uma de suas excursões, os

que iam na vanguarda

vadearam ainda de dia o Xopim e acamparam; os que vinham na retaguarda chegaram á noite, preperaram um facho e principiaram a vadear o rio, cujo vão é ruim, cahindo o que levava o facho, gritou: Xupim!!!

Apagou fogo. Desta

circunstancia lhe ficou o nome.” Apagou fogo.

Xopim; rio

Chopin (SC?). Xu: o ruído que produz fogo ao apagar-se na água;

Pin: fogo.

Mapa 2: Espacialização dos povos indígenas meridionais (SP, PR, SC e RS), com destaque para o povo Kaingang, reelaborado a partir de Mapa Etno- Histórico do Brasil e Regiões Adjacentes de Curt Nimuendajú, 1944

Fonte: Elaborado por Carina S. de Almeida. Acervo LABHIN/UFSC, 2015. ALMEIDA, Carina S. de. Tempo e Narrativa: os Kaingáng na etnografia e etnologia e as relações entre homem e natureza. Contribuições para a etno- história e história indígena. In. NÖTZOLD, A. L. V., ROSA, H. A., e BRINGMANN, S. F. (Org). Etnohistória, história indígena e educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Palotti, 2012. p.319 – 345.

O mapa Etno-Histórico do Brasil e Regiões Adjacentes de Nimuendajú (1944) apresenta a complexidade étnica e a territorialidade dos povos indígenas no Brasil. No caso meridional, o etnólogo destacou a presença dos Kaingang, Botocudos (Xokleng) e Guarani (associados aos Carijó) com a indicação de mobilidade e influência pelo território. A imprecisão dos nomes das populações ameríndias, bem a ausência da presença de povos nas cartas corográficas e mapas históricos produzidos até o século XX não significa a inexistência dos mesmos ou a confirmação do vazio demográfico. As crônicas e tratados descritivos sobre o “gentio” do Brasil colonial e imperial e as cartas e mapas muitas vezes confundiam ou generalizavam povos indígenas, acusam o desconhecimento sobre os espaços de circulação ameríndia e de suas dinâmicas de mobilidade espacial.

O Mapa 2 representa um recorte e reelaboração do mapa Etno- histórico de Nimuendajú. Demonstra a espacialização dos povos indígenas na região sul do Brasil com destaque para o território de abrangência do povo Kaingang, bem como evidencia as áreas de contatos na porção meridional brasileira. Apesar destas fronteiras se apresentarem em certa medida definidas no mapa de Nimuendajú, havia inconstâncias que às delegavam aspectos mutáveis, territórios compartilhados e disputados no tempo e no espaço. Os Kaingang e os Xokleng chegaram a viver próximos ao litoral, em espaços interfluviais e em terras do planalto meridional como apontam os estudos arqueológicos, quando foram expulsos de certas áreas em meio ao processo de conquista territorial dos Guarani. Noelli destaca que os sítios arqueológicos dos Jê meridionais se apresentam, em geral, em locais de topografia mais elevada bem como nas encostas e a certa distância dos cursos d’água. Como os Guarani conquistaram e dominaram as principais bacias de toda a região sul até os séculos XVII e XVIII, foi com certo esvaziamento destes últimos pelo território sul, propiciado pela destruição das reduções e missões jesuíticas, extermínio, escravização e epidemias, que os Kaingang experimentaram a partir do século XVII a descompressão demográfica e a expansão gradativa de suas terras por todo o planalto meridional, tornando-se o grupo predominante nos séculos XVIII e XIX.163

Os povos de tradição Jê foram pensados, sobretudo pelos adeptos da ecologia cultural, como povos marginais, caçadores-coletores de ambientes improdutivos com a utilização de tecnologias simples, ou

seja, enquadrados numa visão reducionista, compreensão essa felizmente superada. As palavras nômade, seminômade e sedentário encobrem explicações e simplificam a complexidade social dos povos. Tommasino esclarece que a mobilidade Kaingang no interior do território com suas características específicas aponta para “um tipo de territorialidade própria dos Kaingang”, questionando a classificação de povo nômade.164

Os Kaingang se espacializavam principalmente por áreas de predominância da Floresta Ombrófila Mista, que também é nominada de Floresta de Araucária ou dos Pinhais ou, ainda, como Floresta Subcaducifólia Subtropical com Araucaria angustifólia, que apresentam campos e incidem nos três Estados sulinos. Os Xokleng também transitavam por esta floresta e, ademais, dividiam e disputaram as áreas de escarpa do planalto meridional, nas calhas e vales de rios com os Guarani. Ao longo dos constantes contatos, conflitos, epidemias, escravizações, reduções e missões jesuíticas, os Guarani foram se mobilizando pela interlândia meridional, ora penetrando, ora recuando, outras vezes disputando e partilhando as áreas de circulação com os Kaingang e os Xokleng, vindo a se situarem sobretudo próximos ao litoral. O Mapa 3 situa territorialmente as atuais TIs Kaingang no Bioma Mata Atlântica e, mais especificamente, no contexto da Mata de Araucária, campos e outros tipos de mata.

Os povos Kaingang, Xokleng e Guarani meridionais circulavam em território caracterizado pelo bioma Mata Atlântica com características fitogeográficas e florestais heterogêneas, que abarca praticamente todo o sul do Brasil, conforme o mapa elaborado a partir do IBGE (Mapa 4). A ação antrópica ameríndia – ao longo das migrações e manejo do solo, alianças, conflitos e disputas por territórios, advindas das relações socioculturais e econômicas estabelecidas pelos vários grupos indígenas que habitavam o Brasil Meridional, – possibilitou alterações nos domínios da paisagem e a dispersão de espécies da flora e da fauna. Contudo, foram os contatos, expedições de conquistas, aldeamentos e a imigração europeia do século XIX e XX, implementados ao longo do povoamento e ocupação civilizatória no Brasil meridional, que impactaram estes domínios alterando drasticamente a paisagem. Da mesma forma que a paisagem foi impactada pela ação antrópica civilizatória, o habitus social e o modus

164

TOMMASINO, Kimiye. Os Kaingáng e a construção do tempo atual. Anais XXª Reunião da ABA, Associação de Antropologia, Salvador/BA, GT Estudos Interdisciplinares dos Jê do Sul, 14 a 18 de abril de 1996. p.10.

vivendi, a cosmologia e a mitologia, bem como as representações

socioculturais que advém da relação com o ecossistema Mata Atlântica foram transformados, tanto para os Kaingang, quanto para os Xokleng e os Guarani.

Mapa 3: Localização das Terras Indígenas Kaingang no bioma Mata Atlântica e no contexto da Floresta de Araucária

Fonte: Elaborado por Carina S. de Almeida a partir de Mapa de Biomas/IBGE (2004) e HUECK, Kurt. As florestas da América do Sul. Ecologia, composição e importância econômica. São Paulo: Ed. Polígono e Ed. UnB, 1972. p.213. Acervo LABHIN/UFSC, 2015.

Mapa 4: Grandes biomas brasileiros

Fonte: Elaborado e adaptado por Carina S. de Almeida a partir de Mapa de Biomas/IBGE (2004). Acervo LABHIN/UFSC, 2015.

A compreensão da paisagem pelos Kaingang é variada e complexa, diferente dos pressupostos ocidentais, os elementos do ecossistema são interdependentes em virtude do manejo ambiental associado à subsistência e à organização social. O antropólogo Anthony Seeger afirma que a cultura e a organização dos povos Jê setentrionais e centrais são “caracterizadas por um dualismo fundamental”, Curt Nimuendajú no início do século XX assinalou o dualismo Kaingang como eixo norteador da organização social bem como dos domínios da mitologia e da cosmologia. Seeger acusa que os domínios opostos da natureza e da cultura que atuam mutuamente um sobre o outro são

características dominantes da cosmologia dos Jê setentrionais.165 Em certa medida, pode-se considerar o mesmo para os Kaingang, seu dualismo é oposto e complementar, as metades Kamé e Kañerú representam o mito fundador da sociedade, os domínios da natureza e da cultura se inserem no contexto do dualismo Kaingang, sendo também opostos e complementares de relações recíprocas e hierárquicas.166

Os estudos antropológicos elaborados a partir da década de 1990 trouxeram elementos circunstancias para a noção da indigeneidade da paisagem e territorialidade Kaingang. Existem intersecções interpretativas e analíticas entre pesquisadores sobre a compreensão do espaço e do tempo no contexto da organização social Kaingang.167 Estas intersecções se referem à existência de planos, mundos, universos ou níveis de relações nos domínios do espaço-tempo entre humanos, não humanos (sobrenatural) e natureza. As cosmologias ameríndias não separam a cultura, grandemente relacionada aos humanos, da natureza, lugar de outros seres que compõe o mundo. A paisagem é mais ampla que a dialética homem e natureza, ainda que exista paralelos comparativos, complementares e até hierárquicos. Por sinal, as paisagens serem encontro de pessoas e lugares, implica no que o antropólogo William Balée chama de “noção especializada de tempo, história e comportamento humano no meio ambiente”.168

165

SEEGER, Anthony. Os índios e nós. Estudos sobre sociedades tribais brasileiras. Rio de Janeiro: Ed. Campis Ltda, 1970. p. 107.

166 VEIGA, 2000, op. cit., p. 123 e 124.

167 Há inúmeros pesquisadores com estudos fundamentais sobre a questão da organização social dos Kaingang. Gostaria de destacar, sobretudo, os estudos de Kimiye Tommasino, Rogério Rosa, Juracilda Veiga e Ricardo Cid Fernandes, sendo que os estudos de Fernandes são mais direcionamos aos contextos sócio-políticos Kaingang.

Quadro 3: Domínios Kaingang no Espaço-Tempo

Fonte: Elaborado por Carina Santos de Almeida a partir de VEIGA, 2000, op. cit.; ROSA, Rogério R. G. da. Os Kujã são diferentes: um estudo etnológico do complexo xamânico dos Kaingang da Terra Indígena Votouro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PPGAS/UFRGS. Porto Alegre, 2005; TOMMASINO, K. Homem e natureza na ecologia dos Kaingang da Bacia do

Tibagi. In: TOMMASINO, Kimiye; MOTA, Lúcio T.; NOELLI, Francisco S.

(Org.). Novas contribuições aos estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina: EDUEL, 2004.

A paisagem Kaingang não separa humanos e ambiente, por outro lado, converge diferentes atores num mesmo cenário, neste sentido, a indigeneidade são maneiras próprias e tradicionais de conhecimento sobre o mundo (Quadro 3). O antropólogo Rogério Rosa distingue três níveis sobrepostos relacionados ao espaço Kaingang no contexto do território xamânico, o nível subterrâneo ou embaixo da terra (domínio “nügme”), o nível terra (domínios “casa”, “espaço limpo” e “floresta virgem”) e o nível mundo do alto (domínio “céu” e “fãg kawã” ou “kaikã”).169

169

ROSA, Rogério R. G. da. Os Kujã são diferentes: um estudo etnológico do complexo xamânico dos Kaingang da Terra Indígena Votouro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-

A antropóloga Juracilda Veiga esclarece que existem dois planos que abarcam as representações simbólicas e a vida Kaingang, o primeiro plano descrito como horizontal, referente ao espaço, articula o mundo dos vivos, mundo dos mortos e mundo dos não humanos com o plano vertical, referente ao tempo. Assim, há neste segundo plano três tempos do mundo Kaingang, o dos mitos e rituais das origens e primórdios, o tempo dos mortos, festas e rituais como do Kiki e o tempo do ritual da purificação em relação à morte.

Para a antropóloga Kimiye Tommasino é impossível discorrer sobre os Kaingang sem considerar a tríade dos universos humano, natural e sobrenatural, estes se interpenetravam e, em conseqüência disso, influenciavam-se reciprocamente. Juracilda Veiga define estes tempos Kaingang na tríade mundo dos vivos, dos mortos e dos não- humanos. Tais concepções sobre os Kaingang foram objeto de estudos em etnologia indígena. Tommasino nomeia as relações nos domínios Kaingang do espaço-tempo entre os universos humano, natural e sobrenatural que não possuem fronteiras definidas, mas se interpenetram e influenciam reciprocamente. Em termos comparativos acerca dos domínios Kaingang no espaço/tempo, no quadro 3, apresenta-se um esquema a partir dos estudos especializados sobre os Kaingang.

As instâncias que regem as relações espaço/tempo na organização social Kaingang circulam entre mundos, planos ou universos distintos. O ambiente é habitado por diferentes seres, sejam humanos, não humanos ou sobrenaturais, suas relações ocorrem do centro da sociabilidade – casa e roça –, em direção à floresta virgem, lugar da ambigüidade do perigo e da cura, conforme pontua Veiga, e do mundo do alto, passando pelo mundo da terra ao mundo subterrâneo, conforme destaca Rosa. Nimuendajú no início do século XX foi o primeiro etnólogo/etnógrafo a descrever a concepção dual de universo pautada nas metades exogâmicas Kañerú e Kamé como lei fundamental para os Kaingang, referindo-se ao mito de origem do povo. Mais que isso, Nimuendajú informa que são estes irmãos ancestrais que povoaram a terra e fizeram todas as plantas e os animais: “[...] Como foram estes dois irmãos que fizeram todas as plantas e animais, e que povoaram a terra com os seus descendentes, não há nada neste mundo fora da terra, dos céus, da água e do fogo, que não pertença ou ao clã Kañerú ou o de Kamé. [...]”170 O princípio dual de universo que rege a organização

Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PPGAS/UFRGS. Porto Alegre, 2005 p. 158 – 169.

social Kaingang, rege também todas as instâncias do conhecimento, da ecologia humana e da indigeneidade da paisagem.

Capítulo II

2 ENCONTROS E DESENCONTROS NO BRASIL

MERIDIONAL: OS KAINGANG E AS DESCRIÇÕES DE