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Elementos que caracterizam o trabalho nas relações de produção capitalista

2. Diálogos com a pesquisa

2.1 Fundamentos metodológicos da pesquisa qualitativa e as escolhas teóricas

2.1.1.1 Elementos que caracterizam o trabalho nas relações de produção capitalista

As discussões acerca do conceito de relações sociais de produção, organizadas na sociedade capitalista, são importantes no sentido de possibilitar a compreensão das relações e organizações da produção a partir do trabalho coletivo nas associações investigadas. A tentativa não é me desdobrar no estudo da obra marxista no espaço desse texto, mesmo porque essa empreitada fugiria totalmente ao objetivo desse trabalho, indo além das minhas possibilidades, mas pretendo explorar alguns elementos centrais acerca dos sentidos atribuídos ao trabalho em Marx que passa necessariamente pelo entendimento do conceito marxista de relações sociais de produção.

Como referência teórica e indo na mesma linha da análise de Marx, procuro a partir dos estudos de Lukcás, em sua obra acerca do potencial do trabalho como elemento necessário para o salto ontológico do homem-animal para o homem-social, auxílio nas discussões, visto que propõe uma análise do trabalho para além de seu potencial negativo, que é ressaltado por Marx, dado a forma como é construído na sociedade capitalista. Lukcás imprime a esse

elemento um potencial humanizador, discutindo-o como categoria essencial na construção do Ser Social.

As categorias apresentadas em Lukcás nas discussões acerca do potencial do trabalho na socialização do indivíduo entendem que o trabalho, enquanto produtor de valores de uso se apresenta como elemento mediador entre as necessidades e a concretização de sua satisfação, ou seja, é um processo consciente e configura-se como “referencial ontológico fundante da práxis social”. Portanto, atribui ao trabalho um potencial educativo, como espaço de aprendizagem, como capital social. Para Jara o conceito de capital social está intimamente relacionado com os saberes produzidos nas relações sociais e com os impactos frutos desses conteúdos...

[...] o conceito de capital social refere-se à qualidade dos relacionamentos sociais e também aos impactos produzidos por esses relacionamentos na vida social e política de uma determinada sociedade [...] Representa o conteúdo, a energia coletiva, a substância, ou seja, o ingrediente básico que marca o sentido dos relacionamentos sociais entre indivíduos, organizações, grupos e atores sociais (2001, p.106-107).

Marx apresenta o trabalho como atividade do homem e em sua obra o aborda no sentido antropológico e teórico-gnosiológico14, ou seja, no primeiro vemos a dependência do homem

ao meio natural como é dito explicitamente: “O homem é imediatamente ser natural [...] e como ser natural vivo, está, em parte, dotado de forças naturais, de forças vitais [...] estas forças existem nele como disposição e capacidade, como instintos [...] é um ser que padece, condicionado e limitado...” (MARX, 1974, p.40). No caso do homem é o trabalho que vem mediatizar sua relação como o meio natural, pois é através da atividade, da ação plena sobre o meio que exterioriza sua vida através dos objetos que produz, objetos que compõem o universo de significados que constrói a sua volta.

Na perspectiva teórico-gnosiológica a atividade do homem, ou seja, seu trabalho aparece como categoria social, em que a relação sujeito-objeto não é mais abstrata, mas concreta. O trabalho possibilita ao homem deslocar-se da esfera animal e humanizar-se a partir da realidade exterior e de sua ação sobre a mesma, permite a transformação da esfera condicionante e a construção da liberdade. Por meio do trabalho o indivíduo se apropria das forças da natureza e a transforma a partir de seus interesses e necessidades. Marx descreve:

O animal identifica-se prontamente com a sua atividade vital. Não se diferencia dela. É a sua própria atividade. Mas o homem faz da atividade vital o objeto da vontade e da consciência. Possui uma atividade vital lúcida. Ela não é uma deliberação com a qual ele imediatamente coincide. A atividade

14

Com base no texto “O conceito de trabalho” de Machado de Oliveira e Cristina G. Obtido no site: http://www.filosofiavirtual.pro.br/trabalhomarx.htm.

vital lúcida diferencia o homem da atividade vital dos animais. Só por este motivo é que ele é um ser genérico. Ou então, só é um ser lúcido, ou melhor, a sua vida é para ele um objeto, porque é um ser genérico. Exclusivamente por este motivo é que a sua atividade surge como atividade livre (2003, p.116).

Entretanto, ao estudar o modo de trabalho impresso pelo sistema capitalista, Marx apresenta o trabalho como uma atividade historicamente determinada e, nas condições da economia política, essa atividade deixa de ser livre e consciente para degradar-se a “simples meio de sua existência” (MARX, 2003, p.116). Além de descrevê-lo como atividade alienante a partir das relações que desenha no sistema capitalista Marx apresenta sua dimensão positiva ao descrevê-lo para além do capitalismo como “vida produtiva” ou “atividade vital humana”, indicando que enquanto “atividade livre e consciente é o caráter específico do homem” (MANACORDA, 1996, p.45).

Ao estudar os fundamentos da sociedade capitalista Marx identifica dois elementos essenciais presentes em qualquer processo de trabalho, mas que assumem roupagem diferente no capitalismo: força de trabalho e meios de produção. No capitalismo esses elementos tomam a forma de capital. Assim, Marx apresenta o trabalho, enquanto princípio da economia política, como atividade consciente usurpada dos homens, constituindo-se em propriedade alheia ao trabalhador, estranha e, portanto, nocivo a sua humanidade. O trabalho produzido no capitalismo aparece como atividade alienada, pois é a partir das desigualdades inscritas nas relações produtivas que o homem é identificado enquanto classe social e apresenta-se como essência subjetiva da propriedade privada, garantindo à organização social a divisão de classes.

Entretanto, como aspecto contraditório, o trabalho também aparece em Marx como a única forma possível de manifestação pessoal, desde que abolido da forma como é expresso pelo capitalismo: “para afirmarem-se pessoalmente (ou como pessoas), devem abolir a própria condição de existência tal como têm se apresentado até hoje, que é, ao mesmo tempo, a condição de existência de toda a sociedade até hoje – o trabalho. Abolir o trabalho, isto é, atividade” (MANACORDA, 1996, p.45-46).

Um dos pontos importantes para a compreensão do sistema capitalista e sua organização centra-se no entendimento das formas como são realizadas as trocas de mercadorias e por quê sob o capitalismo a produção é de mercadorias para o mercado e não para o uso direto como acontecia nas sociedades anteriores.

Marx vai buscar compreender e explicar essa questão partindo da premissa de que o trabalho possui um caráter dual, ou seja, por um lado o trabalho é “dispêndio de força de

trabalho do homem no sentido fisiológico”, portanto, é trabalho humano abstrato e gera o valor da mercadoria. Por outro lado o trabalho é também “dispêndio da força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim”, é trabalho humano concreto e produz valores de uso. Nesses termos o trabalho é uma atividade social e cooperativa ao contribuir para suprir as necessidades da sociedade e, portanto, o trabalho de cada indivíduo ou grupo de indivíduos torna-se trabalho social. Essas necessidades exigem todo tipo de diferentes produtos – alimentos, vestuários, instrumentos necessários na produção, entre outros. Por seu turno, são necessários diferentes tipos de trabalho útil para organizar a vida coletiva (Marx, 2003, p. 53).

O trabalho possui o caráter “cooperativo” no sentido de que os produtores são interdependentes, ou seja, eles precisam uns dos outros como compradores e vendedores e, ainda, precisam um dos produtos dos outros. O sistema garante esse tipo de “cooperação” a partir do desenvolvimento da divisão do trabalho, especializando a produção e fragmentando o trabalho. Assim, um produtor de parafusos precisa vender seu produto para poder comprar outros produtos necessários a sua sobrevivência. Esse sistema Marx chamou de produção generalizada de mercadorias, onde os produtores estão ligados entre si por meio de seus produtos.

Essa interligação de produtores e produção no sistema capitalista gera um processo de interdependência forte que é mediatizado pelo regime de mercado. Então, mesmo considerando que formas eminentemente contrárias ao processo de produção organizado pelo capital, como propõem as organizações econômicas solidárias, sejam reações importantes contrárias a esse regime de exploração não se coloca como um processo aquém do mercado ou livre de seus mecanismos reguladores.

O interesse aqui é tecer um conjunto de análises que possam iluminar a realidade estudada que é composta pelo tecido social, cheio de saberes, pressupostos e ações. Os indivíduos fazem a sua realidade, mas não a fazem sozinhos, a fazem a partir das relações que estabelecem com os outros indivíduos e com o meio. Essa realidade, condicionada e historicamente desenhada pelos homens é também reinventada pela capacidade desses sujeitos de agir sobre seu espaço, sobre seu tempo, sobre si mesmo.