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4 O PROBLEMA DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA E SUA

4.1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA TEORIA NO DIREITO

4.1.4 Elementos subjetivos no direito penal estadunidense

No que pertine aos elementos subjetivos, definidos pelo Model Penal Code como requisitos mínimos de culpability,289 são elencados quatro no § 2.02, quais sejam: purpose,

knowledge, recklessness e negligence.290

Nesse particular, faz-se indispensável esclarecer no corpo deste texto, que o termo

culpability, no direito norte Americano, refere-se aos elementos subjetivos do crime. Nao

se sabe ao certo a razão desse emprego ao termo, mas cogita-se em tese cunhada por Guilherme Brenner Luchesi, que se deve ao contato tido entre os autores do Código Modelo com a doutrina alemã, isto é, devido à presença de autores que defendiam as teorias causalistas da ação, a exemplo de Hermann Mannheim291.

A despeito do causalismo, pode‐se invocar a síntese bem definida por Gamil Föppel El Hireche292, in verbis:

[…]o causalismo, vetor de explicação do nexo entre fato e resultado, passava a ceder espaço para a conduta finalisticamente orientada. Dentre outros motivos, o causalismo restou superado por não conseguir explicar adequadamente a figura do dolo específico; pela insatisfatória diferença entre dolo e culpa que proporcionava; pela impossibilidade de separar, adequadamente, erro de tipo de erro de proibição; e pela problemática trazida pela criação de um conceito de tipicidade rigorosamente formal‐objetivo, contrastante com os modernos posicionamentos na seara penal.293

Decerto, com relação ao elemento purpose, definido no § 2.02(2)(a) do Código Penal Modelo, implica dizer que este se refere ao objetivo consciente do autor quando pratica o fato, podendo estar relacionado tanto à natureza da conduta quanto ao resultado esperado que ela produza. 294

Ao passo em que o elemento knowledge, presente no § 2.02(2)(b) do Código Penal Model, pertine à ciência que tem o agente com relação à natureza da conduta praticada e à existência de eventuais circunstâncias concomitantes previstas como indispensáveis à configuração

289 Embora culpability possa ser traduzida para o português como“culpabilidade”, para evitar confusões terminológicas, neste trabalho o termo culpability será mantido no original, uma vez que seu conteúdo difere daquele relacionado na tradição jurídico-penal brasileira contemporânea à culpabilidade..

290 Minimum Requirements of Culpability. Except as provided in Section 2.05, a person is not guilty of an

offense unless he acted purposely, knowingly, recklessly or negligently, as the law may require, with respect to each material element of the offense.” American Law Institute, 1962. § 2.02(1)). Tradução: “Requisitos

mínimos de culpability. Exceto o disposto na Seção 2.05, uma pessoa não é culpada de um delito ao menos que tenha agido com propósito (purposely), com conhecimento (knowingly), com imprudência (recklessly) ou com negligência (negligently), como exigido pela lei, com relação a cada elemento material do delito.” 291 Cujo texto Mens rea in German and English criminal law, no qual apresenta os elementos dolo e culpa não como elementos subjetivos do tipo, mas como elementos da Schuldlehre (teoria da culpabilidade) (MANNHEIM, Hermann. Mens rea in German and English criminal law.

292 HIRECHE, Gamil Föppel El. Da (i) legitimidade da tutela penal da ordem econômica: simbolismo,

ineficiência e desnecessidade do direito penal econômico. 2011. 443 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011. P. 147.

293 Ibdem.

294 LUCHESI, Guilherme Brenner. A punição da culpa a título dolo o problema da chamada “cegueira deliberada”. Dissertação (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba 2017.

do crime. 295

Sucede que, no § 2.02(2)(c), consta o que se entende por recklessness, segundo o qual o autor pode ser considerado reckless, quando sua ação ou omissão desviar gravemente um

padrão de conduta que seria observado por uma pessoa comprometida com a observância das normas legais.

Importante salientar que os autores do Código Penal Model não previram o que seria

recklessness com relação à conduta, pois isso seria incompatível com a exigência de que a ação

ou a omissão seja voluntária.Por isso, o autor deve sempre ter ciência da natureza de sua conduta, ainda que a pratique com recklessness ou negligence.296

Por fim, com relação ao elemento negligence, previsto no § 2.02(5)(d) do Código Modelo é importante registrar que este estabelece um dever de cuidado, e não um dever de conduta, que deve ser observado por uma pessoa razoável, e não uma pessoa cumpridora da lei. A partir de tal informação, já é possível identificar a diferença em si já é reveladora da distinção entre uma conduta reckless e uma conduta negligent. Nesta, é estabelecido um dever geral de cuidado que deve ser observado por todas as pessoas, enquanto naquela aspira-se a um padrão de conduta exigido de pessoas que possam ser consideradas cumpridoras das leis. 297

Feitos os esclarecimentos preliminares de cada um dos elementos subjetivos, insta assinalar que, a análise comparada de tais elementos é complexa e embaraçosa, afim de que não

se reproduza uma hipotética relação de paralelismo entre os elementos da culpability e as categorias de imputação objetiva utilizadas no âmbito da tradição jurídico-penal brasileira, que sofre grande influência germânica.298

Sob esse prisma, é que Luis Jiménez de Asúa, por exemplo, incorreu em equivoco ao indicar uma relação de correspondência entre purpose e dolo direto, entre knowledge e dolo eventual, entre recklessness e culpa consciente e entre negligence e culpa inconsciente conforme leitura atenta e meticulosa de Guilherme Luchesi. 299

Entende-se, portanto, que, com base no que foi exposto, com as devidas licenças, que tais comparações não são possíveis, por duas razões: a primeira porque o conteúdo dessas

categorias de imputação não correspondem umas às outras e, a segunda, porque, para além disso, os sistemas de imputação em apreço são completamente distintos, uma vez que foram desenvolvidos ao longo de processos históricos diferenciados. 300

Percebe‐se, em verdade, que este raciocínio deixa entrever o reconhecimento de que

existe um grande abismo na interpretação dos elementos subjetivos do tipo no direito

295 Ibdem.

296 Ibdem.

297 LUCHESI, Guilherme Brenner. A punição da culpa a título dolo o problema da chamada “cegueira deliberada”. Dissertação (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba 2017.

298 Ibdem. 299 Ibdem. 300 Ibdem

estadunidense,- mas não só a despeito deles- forjado sob a pretensa necessidade de se

aproximar conteúdos jurídicos distintos com se direito comparado fosse, sem qualquer fundamento ou reflexão semântica acerca da origem do instituto, tampouco compreensão hermeneutico- dogmática, o que desencadeia uma série de equivocos sucessivos na interpretaçao e evolução do direito comparado a um patamar eminentemnte cientifico, isto é, o mais esvaziado de apriorismos terminológicos pessoais do intérprete.

4.2 A TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA NO SISTEMA CONTINENTAL E O

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