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Elementos teóricos para análises das migrações

CAPÍTULO 1 RAÍZES DAS MIGRAÇÕES INTERESTADUAIS

1.4. Elementos teóricos para análises das migrações

Smith (1983) foi um dos primeiros economistas clássicos a trabalhar com a perspectiva de que os maiores rendimentos nas grandes cidades comerciais e industriais europeias, ainda no século XVIII e num contexto de Revolução Industrial, atraíam migrantes: “[...] tanto o capital como a mão de obra procuram naturalmente os empregos mais vantajosos, correndo, portanto, o mais que podem para as cidades e desertando o campo” (SMITH, 1983, p.137).

Mas foi a partir das leis demigração de Ravenstein (1980), publicadas para o Reino Unido em 1882, que se tem o ponto de partida para uma extensa análise dos fatores determinantes das migrações. O autor aponta para a existência de um elo entre os movimentos populacionais e os deslocamentos das atividades econômicas. Assim, com o objetivo de serem inseridos no mercado de trabalho e melhorarem a sua situação financeira, os migrantes sempre estão dispostos a migrarem para as regiões cujo comércio e as indústrias são mais desenvolvidos.

Apesar de Ravenstein (1980) encontrar regularidades nos movimentos migratórios da Inglaterra para vários países da Europa, quase não há consenso sobre o(s) motivo(s) ou sobre o que origina as migrações internas. O ponto comum entre as diversas correntes é que as migrações decorrem em função de desequilíbrios socioespaciais de natureza econômica, causados por diferenças salariais e abundância de mão de obra em algumas localidades e escassez em outras, sendo as migrações um fator equilibrante entre as regiões estagnadas (de expulsão) e as regiões prósperas (de atração).

Lee (1980) foi outro estudioso que se mostrou disposto a universalizar o tema das “regularidades” dos movimentos populacionais proposto por Ravenstein ao ampliar o seu estudo para os países com desenvolvimento capitalista tardio. A teoria sobre a migração é sustentada pela análise de fatores de expulsão (locais de origem) e de atração (locais de destino), que podem ser positivos e negativos, marcados por obstáculos intervenientes (distância) e fatores pessoais que estimulam ou postergam as migrações. Lee (1980) elabora a sua teoria dentro de um marco geral, que inclui o volume das migrações, as correntes e contracorrentes e as características dos migrantes.

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De todas as observações feitas por esse autor (1980, p. 103), a principal ideia a ser extraída é que, em todas as sociedades urbano-industriais, “a decisão de migrar nunca é completamente racional, sendo que para algumas pessoas a fundamentação racional é bem inferior à irracional [...] nem todas as pessoas que migram chegam a tal decisão por si mesma”. Visão contrária à de Sjaastad (1980), que acreditava que todo ato migratório envolvia uma escolha racional por parte do indivíduo, pois “todo” migrante tem informação “perfeita” sobre o local de destino e até sobre o “provável” salário.

Dentre os teóricos da corrente neoclássica, Sjaastad (1980) é quem aborda a migração interna com um enfoque mais econômico. A decisão de migrar é sempre resultado de uma “análise individual” de custos e de retornos (monetários e não monetários). O migrante como ser “racional” somente decide migrar quando a probabilidade dos benefícios da relocalização excede os custos. A migração não é entendida apenas sob a ótica da promoção do equilíbrio entre os mercados de trabalho, mas também como investimento que, apesar de gerar custos, é capaz de propiciar retornos em capital humano.

Todaro (1980) em seu modelo de migração para os países em desenvolvimento chama atenção para a necessidade de o migrante considerar não somente o diferencial salarial entre os locais de origem e de destino, mas o diferencial do valor esperado da renda entre as áreas rural e urbana, dada à probabilidade de ele ficar desempregado no setor urbano moderno. Logo, é o valor “esperado” ou o valor futuro do diferencial de renda que determina a decisão de migrar, e não o ganho imediato. A partir daí, é possível efetuar o cálculo da estimação do equilíbrio do mercado de trabalho moderno, devendo-se levar em consideração os números de migrantes rurais não absorvidos no setor moderno, assim como os custos de oportunidade.

A contribuição do modelo neoclássico de Todaro (1980), que, na verdade, representou uma modificação e extensão dos tradicionais modelos de economia dual (Lewis, 1969; Fei e Ranis, 1964), consiste em destacar a possibilidade de o migrante ficar desempregado nas áreas urbanas, indo “contra” os modelos tradicionais de Sjaastad e de Lewis, que entendiam que o indivíduo, ao migrar do setor agrícola para o industrial, imediatamente seria absorvido pelo mercado de trabalho urbano moderno, não levando em consideração a falta de experiência e o elevado número de trabalhadores desempregados e subempregados.

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Lewis (1969) procurou interpretar o processo migratório a partir dos modelos de economia dual e concluiu que o mecanismo que estimulava os fluxos de trabalhadores dos setores mais arcaicos (zona rural) dos países periféricos, para os ramos de atividades ou regiões com maior desenvolvimento relativo (zona urbana), seria o diferencial entre os salários. Assim, diante da inexistência de oferta de mão de obra no setor urbano em expansão, a agricultura “arcaica” seria capaz de fornecer trabalhadores para as demandas adicionais na indústria.

Todaro (1980, p.151), ao comentar o modelo dual de Lewis, afirma: “[...] Lewis tem feito colocações de natureza, sobretudo, qualitativa, mas ainda não ofereceu um marco teórico suficientemente rigoroso para a análise do mecanismo da migração de mão de obra e do desemprego urbano”.

Para a escola neoclássica, os mercados podem atingir o equilíbrio por meio da livre mobilidade dos serviços dos fatores de produção. A livre interação entre oferta e demanda de trabalho concorre para garantir o ponto de equilíbrio. Como o trabalho é tratado como uma mercadoria qualquer, ele terá um preço que será determinado pela sua oferta e demanda, não havendo possibilidade de desemprego na sociedade. A simples variação do preço e do salário é capaz de garantir o equilíbrio entre oferta e demanda de trabalho, além de diminuir o “gap” entre a região desenvolvida e a não desenvolvida. Essa última região tende a crescer para maiores taxas, o que lhe permite alcançar progressivamente a região mais desenvolvida em termos de renda per capita (CANÇADO, 1999).

Todavia, as interpretações neoclássicas baseadas na ótica do indivíduo racional e no processo migratório capaz de criar equilíbrio geral entre oferta e demanda de mão de obra, tanto na região de origem quanto no destino, levando à equalização interespacial do salário, mostraram-se insuficientes para explicar as causas e os motivos das migrações nas regiões com desenvolvimento econômico tardio, sendo questionadas e/ou negadas pelos estruturalistas. Nessas sociedades era necessário interpretar um conjunto de determinantes estruturais (industrialização tardia, mão de obra abundante, estratificação das classes sociais, herança histórica e cultural, entre outros) que contribuíram para incrementar os diferenciais de salário e de renda entre os locais de origem e de destino.

Por trás das novas formulações teóricas sobre as migrações em países subdesenvolvidos, existe a influência da corrente marxista, que foi adaptada ao contexto

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Latino Americano. Peliano (1990), um dos autores que embasa os seus estudos na corrente estruturalista, critica a visão teórica neoclássica liberal e afirma que o trabalho é o ponto de partida e de chegada da sua análise:

[...] os trabalhadores estão condenados a trabalhar onde, como e quando quer o processo social de produção — em uma palavra: o capital. Quer dizer, na sociedade capitalista, as migrações representam a distribuição espacial da força de trabalho por razões econômicas e, estas são comumente ditadas pela dinâmica da produção e reprodução do capital. Desse modo, percebe-se aqui claramente, a distinção entre a corrente marxista e a corrente neoclássica, visto que aquela entende que são as dificuldades do indivíduo em encontrar trabalho e/ou vender sua força de trabalho, as razões preponderantes para que ocorra a migração, enquanto essa entende que as migrações fazem parte apenas de decisões individuais, feitas de modo consciente pelo migrante, que conhece as reais chances de ser inserido ou não no mercado de trabalho de outros países ou regiões (PELIANO, 1990, p.11).

Ademais, conforme Oliveira (2006, p. 123), “os fluxos migratórios são um dos elementos que determinam a disponibilidade de trabalho. É preciso, portanto, entender quais são os motivos que levam os indivíduos a abandonar seus lugares de origem em direção a novos sítios”.

Singer (2002), ao estudar os fluxos migratórios na América Latina, assemelha as suas interpretações às adotadas por Myrdal (1972) para a dinâmica econômica e migratória, em que as migrações internas têm origem nas desigualdades regionais. Uma das grandes críticas de Myrdal (1972) à teoria neoclássica refere-se ao argumento de que a economia vive em equilíbrio ou, se existe desequilíbrio, esse é passageiro. Para Myrdal não existe mecanismo automático ou “mão invisível” capaz de equilibrar a oferta e a demanda por trabalho e, caso o mercado funcionasse livremente, como prescrevem os neoclássicos, a tendência seria o aumento do “gap” entre as regiões, dado que os residentes nos locais mais pobres sempre tenderiam a migrar no sentido das regiões mais desenvolvidas, empobrecendo ainda mais o local de origem.

O enfoque estruturalista tem como ponto de partida a mobilidade da força de trabalho subjugada aos interesses do sistema capitalista. Os movimentos migratórios, segundo Singer (2002), não devem ser entendidos somente como o deslocamento de grupos sociais de uma região para outra, mas também como o deslocamento entre os modos de produção.

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O trabalhador ao se deslocar, dependendo do país, da época, ou do contexto histórico-estrutural, encontrará diferentes modos de produção e terá que satisfazer as necessidades de acumulação do capital e/ou ao sistema vigente para ser inserido no mercado de trabalho (GAUDEMAR, 1977).

Rossini (1986) afirma:

O modo de produção capitalista exige, para sua manutenção, a existência de excedentes de trabalhadores para a viabilidade da expansão da produção. A mão de obra excedente existe no sentido de favorecer a reprodução do capital. Na realidade a migração se constitui em um movimento “necessário” ao desenvolvimento capitalista (ROSSINI, 1986, p.578).

Os fluxos migratórios são determinados num contexto de mudanças conjunturais e estruturais globais, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, em que as desigualdades regionais estimulam as migrações internas de áreas estagnadas e atrasadas para regiões prósperas e modernas. Assim, o ato de migrar de áreas rurais estagnadas em direção aos centros urbanos em processo de industrialização não envolve qualquer escolha racional, soberana, individual ou subjetiva, mas a sujeição do trabalho ao capital (SINGER, 1973; 2002).

Observa-se que, na perspectiva histórico-estruturalista, os fatores subjetivos e as características dos migrantes não são considerados como os principais determinantes da mobilidade da força de trabalho, ao assumir que os deslocamentos populacionais são determinados num contexto de transformações conjunturais e estruturais submisso ao modo de produção capitalista. É nesse contexto que as migrações na América Latina, em função do seu processo de industrialização tardia subjugado aos interesses do capitalismo, são explicadas como um fenômeno resultante das desigualdades socioespaciais e/ou desequilíbrios socioeconômicos entre as regiões.

Mas, em geral, as interpretações e/ou teorias econômicas convergem para um ponto em comum, ao elucidarem que as migrações, em qualquer época, nação ou modo de produção, frequentemente está associada ao motivo econômico: emprego e renda.

Contudo, para alguns estudiosos elencados a seguir, o enfoque histórico-estrutural que, por cerca de três décadas (1950/1980) foram utilizados para explicar os movimentos

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migratórios internos, desde os anos 1980, com as mudanças experimentadas pela economia e a sociedade brasileira, sozinho não consegue justificar tais processos.

Nas palavras de Barcellos (1995, p. 306-307):

A visão evolucionista de desenvolvimento que encontramos no trabalho de Singer, de um lado, e o quadro econômico dos anos 70, marcado pela modernização agrícola e pelo êxodo rural, de outro, constituíram o suporte para a produção de conhecimento derivada da perspectiva histórico-estrutural.

Brito (2009) também relata a necessidade dos desafios teóricos no entendimento das migrações internas. Para o autor, as teorias econômicas e sociológicas que serviram para explicar o padrão migratório nacional, após os anos 1980, carece incorporar a dimensão política, como um novo paradigma para a compreensão dos movimentos migratórios recentes.

Conforme Baeninger (2011), a partir do final do século XX e primeira década do século XXI, as migrações internas estão mais complexas, com comportamento distinto do observado em décadas passadas. O entendimento das tendências recentes suscita um novo olhar, “sem abandonar a importância das transformações econômicas e suas relações com a dinâmica migratória e regional, consideram abordagens que possam ser complementares e mais voltadas para a sociologia contemporânea” (BAENINGER, 2005, p. 1).

Para tratar dessa problemática sobre a necessidade de novos aportes teóricos capazes de explicar as migrações internas, partiremos de evidências empíricas sobre as migrações interestaduais cearenses, coletadas a partir dos microdados dos Censos Demográficos de 1970 a 2010. Desse modo, o Capítulo 2 averigua se, para o caso do Ceará, permanecem válidas as colocações estruturalistas no tocante aos determinantes das migrações.