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3 MÚSICA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

3.4 Elvis Matos e os processos de formação através dos corais

Prosseguindo esta trajetória de contribuição e comprometimento com o fazer musical, destacaremos as ações desenvolvidas por Elvis Matos – arte-educador e regente que atualmente está à frente da Secretaria de Cultura Artística – que, mesmo “sem saber de nada” (MATOS, 2008), foi se destacando na medida em que empreendia esforços para a propagação do saber musical. A vontade por transformar a história da música no estado do Ceará fez com que Elvis Matos trilhasse caminhos que posteriormente abririam espaços para uma nova geração de músicos profissionais da educação comprometidos com a importante missão de dar continuidade ao trabalho de (re)inserção da música nas escolas de ensino básico.

Aos 17 anos, assistindo a uma apresentação no Teatro Universitário do recital “Os Três Tempos do Homem”, sob a regência de Izaíra Silvino, Elvis Matos decidiu tornar-se coralista. A partir deste episódio, prestou seleção para o Coral da UFC e conseguiu, “mesmo não estando devidamente pronto – de acordo com o que avaliou a banca –, uma vaga no naipe de tenores” (MATOS, 2008, p. 49).

Podemos inferir que, naquele período, a “oportunidade” de cantar em coro que Elvis Matos obteve ao entrar no Coral da UFC foi um importante marco que inaugurou sua trajetória de formação humana e musical dentro da Universidade. Aos 18 anos, após concluir o ensino médio em 1984, Elvis Matos prestou vestibular para o Curso Superior de Música da Universidade Estadual do Ceará (UECE), iniciando suas atividades acadêmicas em 1985.2.

Durante seu percurso formativo no Coral da UFC, Elvis Matos também participou de outros corais. A partir do segundo semestre de 1984, no Coloral, coro criado por dois integrantes do Coral da UFC – o estudante de letras Nelson Barros e o violonista Marcus Fonseca –, Elvis já estava pondo em prática suas primeiras aulas de técnica vocal, além de reger o referido grupo ocasionalmente. Do Coral Coloral passou para o Coral Zoada, momento este em que o jovem e inquieto acadêmico ainda cursava o primeiro ano do Curso Superior de Música da UECE. No Zoada18, Elvis (re)descobriu e exercitou todas as suas possibilidades de preparador vocal, regente e arranjador.

Compondo e arranjando coisas para reger no Zoada, fui me tornando visível na cena musical de Fortaleza e acabei sendo convidado pela Companhia de Eletricidade do Ceará (Coelce) para lá formar um coral. Esse convite era resultado do que ficou conhecido como “o grande boom do canto coral em Fortaleza”, provocado por Izaíra Silvino Moraes e pelo Coral da UFC que, através de um repertório eminentemente brasileiro, realizou uma difusão da atividade vocal coletiva por toda cidade, incutindo nas pessoas o desejo de ser de um coral como aquele (MATOS, 2008, p. 58).

Acreditamos haver uma característica em comum nas ações exercidas pelos profissionais que trabalharam para a implantação da música na Universidade. A regência coral, desempenhada por Orlando Leite, Katie Lagie, Izaíra Silvino e Elvis Matos, é uma atividade que demanda, além de outras habilidades técnicas, saber liderar um grupo, resolver conflitos, dentre outras funções. Segundo Zander (2003, p. 147),

O regente de coros, como músico, é responsável pela vida coral e pelo ambiente humano. Quanto melhor souber formar e conservar seu grupo, tanto mais prazer seus componentes terão. E o prazer será tanto maior, se a formação não se limitar

18Elvis Matos batizou o Coral Zoada de “escola de ruidosa aprendizagem”, posto este ter sido o local onde ele pode colocar em prática todas as suas possibilidades de preparador vocal, regente, compositor e arranjador (MATOS, 2008, p. 55).

somente à música, mas estender-se à formação sob o ponto de vista humano, de grupo e, naturalmente, de cultura geral.

Assim como Orlando Leite, Katie Lage, Izaíra Silvino e Elvis Matos, outros coralistas que passaram pelo Coral da UFC também se tornaram músicos regentes profissionais da educação. Entretanto, o Coral da UFC não foi o único grupo coral que permitiu a formação de novos líderes e regentes da cidade. O Coral da Faculdade de Educação (FACED), criado pela professora Izaíra Silvino, também fez surgir profissionais que atuam no campo da educação musical.

[...] Izaíra radicalizou a proposta de multiplicação de corais, pois sendo aquele um coral de uma Faculdade de Educação, integrado em sua maioria por alunos do curso de pedagogia, fez a maestrina que alguns dos coralistas regessem juntamente com ela as récitas do espetáculo que fora concebido para ser apresentado nas escolas públicas da cidade (MATOS, 2008, p. 172).

Destes regentes que atuaram no Coral da FACED, muitos estão professores que atualmente lecionam no Curso de Música da UFC. É o caso do professor Erwin Schrader, que também participou do Coral Zoada, e que desde o ano 2000 divide a regência do Coral da UFC com o professor Elvis Matos.

Em 1994, Elvis Matos prestou concurso público para uma vaga de professor da carreira de primeiro e segundo graus da Universidade Federal do Ceará, passando a lecionar a disciplina “música e ritmo” no Curso de Arte Dramática. No ano seguinte, em 1995, professor Elvis apresentou à Pró-Reitoria de Extensão o projeto de criação do Curso de Extensão em Música, abrindo campo de trabalho para outros professores de música (MATOS, 2008, p. 73). Segundo Schrader (2002, p. 212-213):

A criação do Curso de Extensão em Música fundamentou-se basicamente na necessidade urgente de resgatar as conquistas no campo do fazer musical na UFC, fazendo-se um trabalho no sentido de criar um espaço para a música e que este sobrevivesse independente de esforços ou interesses puramente pessoais. O curso foi subdividido em duas áreas: aptidão em música vocal e aptidão em música instrumental (Flauta Doce e Violão).

O Curso de Extensão em Música, além de incentivar a formação de novos grupos musicais, buscava auxiliar grupos musicais existentes no sentido de contribuir para um maior embasamento teórico. Com duração de dois anos e aberto para a comunidade, passados dez anos de sua criação, mais especificamente em 2005, o Curso de Extensão tornou-se graduação — e agora temos o atual Curso de Licenciatura em Música.

A experiência bem-sucedida do Projeto de Canto Coral da UFC é, portanto, a “espinha dorsal” para a elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de Educação Musical que começaram a ser implantados na instituição. O espírito colaborativo vivido no âmbito do Coral sugere práticas musicais coletivas, solidárias, para o cotidiano formativo dos cursos de graduação implantados (MORAES; MATOS, 2012, p. 37).

Como podemos perceber, as discussões acerca da proposta pedagógica do curso de Licenciatura em Música da UFC remontam ao percurso formativo dos sujeitos que deram início ao Curso de Extensão em Música na Universidade – e que, num sentido inverso, culminaram na criação do referido curso de Licenciatura em Música, Campus de Fortaleza (SILVA, 2009). Através das histórias de trajetórias e formações ocorridas no âmbito acadêmico foram se configurando alguns pilares para a formação de coralistas, instrumentistas, regentes, professores e, posteriormente, de uma obra maior e não menos importante: a criação de espaços públicos de democratização do saber musical.

De acordo com Elvis Matos, o mesmo passou “vinte e três anos lidando com grupos de coralistas. Nesses grupos aprendi música e, principalmente, aprendi que viver é um ato coletivo-educativo” (MATOS, 2008, p. 179). O embasamento filosófico de Elvis Matos nos faz perceber que sua perspectiva formativa humana e musical coletiva foi pautada em valores solidários de envolvimento e compromisso ético e estético, herdados pelas ações musicais de Orlando Leite, Katie Lage e Izaíra Silvino.