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Herbert Read é considerado um pensador anarquista e militante libertário dos anos 1930-50. Conhecedor da Eurritimia, proposta de educação musical do músico e educador Dalcroze21, Read escreveu sobre educação estética e a relação de três aspectos do ensino da arte, quais sejam: a autoexpressão, a observação e a apreciação (READ, 1977 apud SANTOS, 2011, p. 172).

Tendo como princípio educar para unir, não para dividir, Read foi defensor da chamada pedagogia do risco, educação que age nos níveis individual e coletivo. Read possui um plano de arte-educação com base libertária, tendo proposto a “redenção do robô”, que segundo ele, se trata da criação de uma sociedade para qual a educação deveria ocorrer de modo a destruir a alienação (SANTOS, 2011). Sobre a proposta pedagógica de Read, Santos (2011, p. 172) esclarece:

Uma educação anarquista, enquanto pedagogia social, concebe a educação como fenômeno politicossocial que, ou se abre para a reprodução da sociedade, ou se abre para um processo radical de transformação da realidade social. A pedagogia anarquista trabalha a autonomia do sujeito e a solidariedade, o que requer da escola o uso de métodos que favoreçam a autodisciplina, a cooperação, o trabalho em grupo, a pulverização do poder por toda parte (no lugar da coerção, do impacto das ordens, conformismo, padronização e competição). Como pedagogia libertária, opõe-se ao ensino tradicional, autoritário e conduzido por fortes relações de poder.

Para Read, a função mais importante da educação pela arte está relacionada com a orientação psicológica, a um ajustamento complexo dos sentimentos e emoções subjetivos ao mundo objetivo, ou seja, desenvolver uma inteligência emocional por parte do estudante que

21Émile Jaques-Dalcroze, compositor austríaco nascido em 1865, foi professor da Escola de Música de Genebra e elaborou sua proposta partindo do movimento como construção do conhecimento musical. Dalcroze utilizava a inter-relação da voz cantada com o movimento corporal.

buscará compreender melhor os sentimentos criando uma visão mais clara do mundo que o rodeia. Assim, a qualidade do pensamento e da compreensão, bem como a personalidade e o caráter do ser humano, dependem em grande medida do êxito deste ajustamento. No conceito de pedagogia libertária proposto por Herbert Read, podemos encontrar condições de estruturação para o exercício da criatividade do estudante, como também do desenvolvimento da autonomia e de todas as suas potencialidades e expressões de singularidade necessárias (SANTOS, 2011).

Read, em sua obra “A Educação pela Arte”, apresenta um objetivo para a educação que se afina com a ideia do ser social – e da necessidade que o ser humano tem de estar em contato com seus pares. Para Read, o objetivo da educação pode se resumir ao desenvolvimento da consciência social do indivíduo.

Como resultado das infinitas permutas da hereditariedade, o indivíduo será inevitavelmente singular, e esta singularidade, dado ser algo que mais ninguém possui, terá valor para a comunidade. Pode ser apenas uma maneira singular de falar ou de sorrir — mas isso contribui para a variedade da vida. Mas pode ser uma maneira singular de ver, de pensar, de inventar, de expressar o pensamento ou a emoção — e, nesse caso, a individualidade de um homem pode ser de valor incalculável para toda a humanidade (READ, 1982, p. 18).

Segundo Read, o indivíduo, por natureza, contribui com a comunidade e com o meio em que está inserido — assim, suas ideias se afinam com as ideias de Vygotsky, pois para este último “[...] o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos da sua espécie.” (REGO, 1995, p. 71).

Do ponto de vista da educação musical, à medida que na sala de aula se estabelece relação de forças contrárias ao individualismo, à competição e à coerção do aluno pelo professor, cria-se a possibilidade para a construção da autonomia do estudante, possibilitando- o, assim, a tomada de decisões, a clareza e a consequente segurança de suas escolhas. Deste modo, o estudante aprende a se construir como sujeito de sua aprendizagem e desenvolve ações musicais mais humanas e menos competitivas. Além disso, o estudante que interage mais com os seus parceiros tem maior capacidade de articulação e estimula o desenvolvimento da energia criadora do protagonismo estudantil – habilidade esta essencial para a criação de grupos de estudos.

Deste modo, a educação segundo Read tem como objetivo o de “[...] encorajar o desenvolvimento daquilo que é individual em cada ser humano, harmonizando simultaneamente a individualidade assim induzida com a unidade orgânica do grupo social a

que o indivíduo pertence.” (READ, 1982, p. 21). Na teoria sociocultural de Vygotsky, a aprendizagem ocorre como um processo distribuído, interativo e contextual, resultado da efetiva participação das pessoas em uma prática social. Assim, o ser humano não é apenas produto apenas do seu ambiente, ele é agente ativo no processo de criação desse ambiente.

A interação entre membros com características e anseios musicais diversos, caracterizada nas relações construídas no âmbito de um grupo de estudo, desencadeia a possibilidade de desenvolvimento das habilidades compartilhadas, estas permeadas por relações humanas e solidárias entre os estudantes.

Alinhado ao pensamento de Read segundo o qual, através da “redenção do robô”, se afirma que a sociedade deve ser educada de modo a sair da alienação, Koellreutter concebe a educação musical funcional como uma proposta de interação entre arte e civilização de modo que os artistas, ao se tornarem conscientes de sua principal função – que é social – devem, portanto, auxiliar o processo de sensibilização e humanização da sociedade de modo a desacelerar essa corrente tecnológica e robotizada da atualidade.

Um tipo específico de sociedade condiciona um tipo específico de arte, porque a função da arte varia de acordo com as intenções e as necessidades da sociedade, porque o sistema social, o sistema de convivência inter-humana é governada pelo esquema de condições econômicas; porque é das necessidades objetivas da sociedade que resulta a função da arte (KOELLREUTTER, 1997, p. 37-44).

Propondo reflexões para uma educação musical no terceiro mundo, acrescentamos a seguir as experiências do educador Koellreutter que se afina com o pensamento de Read e Vygotsky. Koellreutter entende que o ser humano é o principal objetivo da educação musical; além disso, esclarece que a cultura está presente na totalidade dos esforços e empenhos de uma pessoa, de seus objetivos de vida e de suas necessidades e interesses sociais.