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Apêndice I – Questionário aplicado aos professores

4. EM BUSCA DE UM ENCANTAMENTO NO PROCESSO ENSINO-

No capítulo anterior, descobrimos algumas imagens arquetípicas para os professores, os alunos e a própria escola. Agora podemos nos perguntar como essas imagens podem nos ajudar a entender a relação entre professores e alunos no processo ensino-aprendizagem?

Para esclarecermos esta questão, vamos primeiramente, lembrar que 99% das imagens que aparecem na pesquisa foram desenhadas pelos alunos, visto que apenas um professor fez o desenho. Se, no capítulo anterior, pareceu que estivéssemos tentando apenas denegrir a imagem dos professores, gostaria de lembrar que os mesmos tiveram a oportunidade de expressar as suas opiniões no questionário e cerca de 75% deles não o fizeram.

Ainda assim, essa ausência da participação integral dos professores não desqualilifica o objeto da nossa pesquisa, visto que os desenhos feitos pelos alunos atendem ao foco proposto, como na pergunta: “Agora, faça um desenho representando a seguinte questão: o relacionamento entre professor e aluno pode

influenciar no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem? E, em seguida,

escreva um pequeno texto (um parágrafo ou mais) explicando o seu desenho.” (Anexo A)

Com os desenhos dos alunos é que nos foi possível constatar três imagens arquetípicas para os professores durante o processo ensino-aprendizagem: o soberano mago e guerreiro, o espelho, o sacrificador e o alquimista. Mas vem-nos à consciência uma pergunta: que tipo de professor predomina no sistema educacional do nosso país?

Pelos questionários e desenhos dos alunos, notamos que ainda predomina a imagem do sacrificador, que não sendo mera coincidência, é a que mais reflete um professor arcaico, ou seja, tradicionalista, porque mesmo que o professor ministre aulas da melhor maneira possível, ainda não temos um sistema de avaliação adequado à sua realidade, ao contrário, é o aluno que se esforça para se adequar ao modelo de avaliação do sistema. Portanto, enquanto não houver mudanças, a avaliação vai ser sempre um dos vilões da educação.

Mas é preciso lembrar que também aparecem as imagens do alquimista e do soberano mago. De forma alguma, almejamos desmerecer qualquer uma dessas

imagens do professor. Ao contrário, se elas aparecem no imaginário desses alunos é porque de alguma forma reforçam os arquétipos que carregam gerações e gerações de alunos e professores que vivenciaram a mesma relação no processo ensino- aprendizagem.

O que nos interessa agora é discutir em que essas imagens arquetípicas podem nos ajudar a melhorar alguns entraves que ocorrem durante essa relação. Já vimos que ela é mediada por alguma coisa que transcende a simples relação ensinar-aprender.

À medida que mergulhava na análise das imagens, pareceu-me que o ato de ensinar e o ato de aprender são mediados por uma força que se apresenta em diversas tensões, e essas pulsões estabelecem a mediação de como se processa essa relação. Por exemplo, constatamos, no segundo capítulo, a partir das falas dos alunos, que falta aos professores compreensão, preocupação e aproximação com os alunos: “Os professores são muitos ignorantes com os alunos e não sabem

compreender os alunos.” (ARTHEMIS). Quando perguntamos a essa mesma aluna,

“Se você fosse um professor, o que você faria para melhorar as suas aulas?”, ela nos respondeu: “Nós dávamos aula cantando”.

Na primeira fala da aluna, depreendemos que o professor se encaixa no perfil do sacrificador. Todavia, a expectativa da aluna é que ele fosse mais alegre, compreensivo e amigo; e solicita um exercício mágico desse professor: que dê aulas

cantando. Sairíamos assim do perfil do sacrificador para o perfil do soberano mago

e guerreiro e do alquimista.

O papel do soberano mago e guerreiro seria desempenhado quando este professor busca-se compreender melhor o seu papel em sala-de-aula: que ele é um educador, portanto, carrega um papel simbólico (o mestre) e uma responsabilidade muito grande em seu exercício profissional – construir ou destruir vidas com o ministério que lhe compete.

O papel do alquimista seria representado pelo grande esforço do professor em alterar o tempo e a forma das coisas. Todo professor termina sendo um pouco alquimista. Não existe uma fórmula fixa ou pronta para uma aula, o professor é o cientista que a constrói. Nunca se ministra uma mesma aula, da mesma maneira em salas diferentes. A química e a física das relações entre professores e alunos e o tempo administrado para a execução dos conteúdos é sempre diferente (somos todos diferentes – uns perguntam mais, outros menos, uns

aprendem mais, outros menos). A duração da aula em nosso país é geralmente de 50 min. Se o professor for ministrar a mesma aula em cinco horários seguidos, em cinco turmas diferentes, nenhuma aula terá a mesma perfomance33 da outra.

Quando falo em química das relações refiro-me aos diversos temperamentos de professores e alunos. Cada professor tem uma sensação diferente em cada sala-de-aula que freqüenta. Os alunos também têm uma reação diferente com os diversos professores que entram na sala-de-aula. Esta é a pulsão ou tensão a que me referi no início deste capítulo.

Parece-me que é a forma como os alunos aprendem que encanta aos professores, assim como, é a forma como os professores ensinam que encanta aos alunos. Mas não é só isso. Não podemos deixar de associar a essas formas de ensinar e de aprender a questão dos conteúdos. Os conteúdos também influenciam diretamente nesta tensão.

Neste momento, temos um isomorfismo com a imagem da janela. Todo conhecimento na escola entra pela janela, que como já vimos pode ser o quadro branco ou a cabeça do aluno. Quando falamos da janela (item 3.1.2.), comentamos sobre a angústia que a travessia da mesma, tanto para dentro quanto para fora, causa no ser humano em geral. Em se tratando do processo ensino-aprendizagem, o aluno AIACOS viu-se preocupado com os conteúdos ensinados nas diversas matérias, que, para ele, pareciam não fazer sentido com a realidade que ele vivencia.

Aqui o trajeto antropológico pode nos ajudar a entender este problema. Se as imagens são produto das pulsões subjetivas emitidas pelas intimações objetivas de um meio cósmico-social, então, podemos afirmar seguramente, que os conteúdos apreendidos por este aluno se tornam um obstáculo para o seu aprendizado, já que estes revelam um universo novo e estranho para o mesmo.

O assunto que é muito difícil pode contribuir para que o professor desenvolva mais intensamente o seu perfil de sacrificador. Em um dos questionários, uma aluna afirma: “Às vezes, o professor está mais interessado na

carga horária da matéria do que no que está repassando para o aluno.” (MEDÉIA)

Quando perguntamos a essa mesma aluna sobre o que ela faria se fosse

33

Tomei o termo emprestado da literatura. “A perfomance é o momento da execução da ação do personagem de determinada narrativa”. Na estrutura de um texto, chega a ser a parte mais importante, visto que descreve a ação executada por alguém. (FIORIN, 1998, p. 54)

professora, ela nos respondeu: “Eu faria como alguns professores já fazem, eu diria:

se quiser aprender, seremos amigos; se não quiser, a porta está aberta, mas não atrapalhe quem quer aprender.” (MEDÉIA)

Percebemos aqui a preocupação dos alunos com os professores agressivos e intolerantes. Mas ainda assim, a aluna Medeia faria como esses professores, o que nos demonstra que o professor Sacrificador também é aceito por alguns na sala-de-aula. Mas o que mantém, então, essas pulsões que estabelecem a mediação entre professores e alunos?

Há algo de encantador no ato de aprender. Cada um aprende de jeito diferente. A forma de um professor ensinar pode agradar a muitos na turma, mas não a todos e, vice-versa, ele pode não agradar a muitos, mas é apoiado por uma minoria. O ato de aprender se torna um encanto quando é agradável e proveitoso.

A princípio, para melhor compreensão do encantamento, pesquisamos em dicionários da Língua Portuguesa e encontramos as seguintes acepções:

Encantamento, s.m. feitiçaria; magia; coisa maravilhosa; sedução. O

mesmo que encantação. (BUENO, 1995, p. 404)

Encantamento s.m. (Lat. Incantamentum) 1. Ato ou efeito de encantar(-se);

encanto 2. Fórmula mágica empregada para encantar; feitiço, sortilégio. 3. Fig. Encanto, enlevo, sedução. (LAROUSSE, 2001, p. 352)

Encantamento s.m. 1. Ato ou efeito de encantar(-se); feitiço, sortilégio. 2.

Encanto, sedução, magia. (GAMA KURY, 2002, p. 387)

Por estes conceitos superficiais, depreendemos que, de maneira geral, o encantamento se relaciona à “magia” ou à “sedução”. Mas em nossa pesquisa, qual sentido do encantamento é predominante: a “magia” ou a “sedução”?

Para esclarecermos essa dúvida será necessário explicitar o significado destes termos, mas não esqueçamos que encontramos estes conceitos sobre encantamento ao nível da superficialidade. Para discorrer sobre “magia” recorreremos a autores como Lévi-Strauss (1996), Francis King (1997) e Felix Keesing (1961). Para discutir sobre “sedução” utilizaremos autores como Soren Kiekegaard (1953), Johan Huizinga (1996) e Jean Baudrillard (2001).

É importante salientar que não pretendemos aprofundar estes conceitos e tampouco realizar outra pesquisa, conquanto percebemos que não buscar o mínimo de informações sobre como as imagens arquetípicas de nossos alunos - ainda muito

presas ao Regime Noturno - expressam um encantamento, seria deixar um vazio nesta investigação acadêmica.

Por isso, uma primeira preocupação nossa foi definir o conceito de magia. Para Keesing (1961) magia “é um termo que resume uma variedade de métodos pelos quais o homem pretende influir automaticamente, no curso dos acontecimentos, por meio de mecanismos relacionados com o sobrenatural” ( KEESING, 1961, p. 500).

Como podemos ver, segundo Keesing (1961), a magia só se processa quando, por meio sobrenatural, o homem manipula o meio cósmico alterando o curso dos acontecimentos. O autor ainda complementa,

Um ato de magia é um rito desempenhado para alterar a natureza de maneira específica, a fim de satisfazer um desejo humano. Ela atua nas zonas da experiência não dominadas pelo conhecimento. Frazer e outros chamaram a magia de ciência primitiva. Em sua operação técnica, ela supõe uma relação de causa e efeito comparável à experiência cientificamente controlada, em que “as leis da Natureza” são previsíveis. Mas ciência implica o conhecido, enquanto a magia opera dentro do que é definido, numa cultura, como o sobrenatural. Por isso, seu conceito, como ciência primitiva, é desprezado por muitos antropólogos modernos. (KEESING, 1991, p. 500)

Keesing (1991) nos mostra que as práticas mágicas precisam ser operantes se quiserem sobreviver. Dessa forma, a magia se difere da religião porque esta se limita à adoração, enquanto àquele é um exercício de compulsão.

Assim, sempre são submetidas às provações, ou um teste pragmático de ação, e se não se mostrarem aparentemente eficazes, serão postas de lado.

Pelo menos, quando a magia é feita, os animais provavelmente continuarão a se reproduzir, as plantas a crescer, os inimigos a ser conquistados, o amor a ser despertado nos indivíduos do sexo oposto, que até então eram indiferentes. O antropológo assevera que, se a pessoa vive no mesmo mundo de noções e crenças da outra, que está exercendo magia para afetá- la e se efetivamente chega a ouvir que a magia está sendo preparada, então ela terá certos efeitos, pois a pessoa acreditará que sua influência é atuante. A não ser que se ponha em ação alguma contramágica, na realidade ela “pegará”. Não se trata de lenda insignificante, o fato de pessoas saudáveis sendo informadas de que se está fazendo magia, bruxaria ou feitiçaria contra elas, terem entrado em declínio e morrido. (KEESING, 1961, p. 501)

Segundo King (1997, p. 7), “o mago considera o universo como um ser vivo cuja aparência visível oculta a verdadeira natureza dos poderes que o

controlam. E se vê como parte da natureza divina [...]” Isto corrobora com o fato de muitos magos, feiticeiros e bruxos utilizarem o próprio corpo como instrumento onde se manifestam divindades.

As técnicas físicas que utiliza o mago são tão curiosas quanto as suas crenças. Torce o seu corpo em posturas estranhas, se expõe à sufocação com incensos e perfumes estupefacientes e gira como um pião até que o enjôo lhe faz cair inconsciente no chão. Por pobre que seja, gasta dinheiro em jóias e roupas com as quais se veste quando, entre círculos e símbolos misteriosos, entoa invocações bárbaras nas quais não pode alterar uma única sílaba. (KING, 1997, p. 7)

Lévi-Strauss (1996) relata também como certa escola xamanística da costa noroeste do Pacífico faz uso de técnicas físicas durante os seus rituais mágicos:

[...] o uso de um pequeno tufo de penugem que o prático dissimula num canto de sua boca para expetorá-lo todo ensagüentado no momento oportuno, após se haver mordido a língua ou ter feito brotar o sangue das gengivas, e apresentá-lo solenemente ao doente e à assistência, como o corpo patológico expulso em conseqüência de suas sucções e manipulações. (LÉVI-STRAUSS, 1996, 203)

Além das técnicas corporais já citadas, “a magia pode assumir uma grande variedade de formas, mas seus elementos essenciais parecem ser um conjunto de crenças, que a tornam válida” (KEESING, 1961, p.501)

[...] parecem ser [...] um mecanismo de operação através de ritos, objetos mágicos, ou fórmulas verbais e um ou mais participantes, muitas vezes especialistas, tais como os diversamente chamados “magos”, “adivinhos”, “feiticeiros”, “bruxos”. Os ritos e os socorros mágicos freqüentemente fazem parte da prática médica. O método primitivo, curandeiro ou pajé, emprega vários tipos de ritos e, nos países civilizados, as pessoas podem preferir dirigir-se a especialistas em magia, em vez de médicos, ou engolir remédios vários, fisiologicamente mais ou menos inofensivos, mas (graças aos conselhos e outros fatores) psiquicamente atuantes – ou esperam magia da parte de seus médicos. (KEESING, 1961, p. 501)

Por vezes, muitas pessoas usam amuletos, objetos mágicos, que significam uma extensão de seus instrumentos de poder. Sobre isto, afirma King (1997):

As técnicas empregadas pelos antigos para animar as estátuas mágicas se baseavam em símbolos ou amuletos. Estes amuletos eram pedras, ervas, perfumes, flores, animais e seres que se acreditava que correspondiam às

qualidades e atributos do deus ou da deusa cuja imagem pretendia animar. Após inserir estes símbolos na imagem, se entoavam certas palavras secretas de poder, supostamente reveladas à humanidade pelos deuses; e então, se o ritual tivesse sido realizado corretamente, o deus indicava a sua presença de algum modo milagroso: fazendo com que a imagem sorrisse ou chorasse, ou concedendo a iluminação mística aos seus adoradores. (KING, 1997, p. 9)

Keesing (1961, p. 502), afirma que a magia pode ser benéfica (“boa” ou “branca”) ou maléfica (“má” ou “negra”), a primeira, “é pública, orientada em função do grupo, socialmente aprovada, legal” (KEESING, 1961, p. 502); a segunda, “tende a ser particular, secreta, socialmente condenada, subversiva, ilegal” (idem).

A magia divide-se ainda em três tipos: a analógica ou homeopática (mesma influência) a simpática e a de contato. A magia analógica “se baseia na teoria de que o semelhante produz o semelhante, de modo que o ritual reproduz atividade desejada ou o objetivo, ou faz uma analogia (Ex: um caçador erguerá uma efígie do animal que deseja matar e depois a espetará)” (KEESING, 1961, p. 503). Ou a magia poderá ser simpática, “quando for dirigida no sentido de influenciar a pessoa, ou a situação, por meio de uma simpatia secreta, ou do exercício de um poder” (idem). Finalmente, a magia pode ser de contato, “baseada na idéia de contato, de modo que quem faz a magia busca um objeto real pertencente à pessoa afetada, como objeto de adorno ou um cacho de cabelo, ou mesmo excrementos”, e continua o antropólogo, “exerce a magia sobre ele, ou ainda, lança uma imprecação contra o alimento a ser comido pela vítima” (idem).

Por fim, após essas considerações sobre o conceito de magia, seus tipos e suas propriedades, podemos averiguar se há magia na escola ou não. A priori, retomemos uma propriedade muito importante da magia: seus mecanismos se relacionam com o “sobrenatural”. Na escola, não vemos nada de “sobrenatural” no processo ensino-aprendizagem. Este fundamento afasta-nos da hipótese de estarmos trabalhando com magia.

Por outro lado, não podemos deixar de entrever as “práticas mágicas” que ocorrem na escola e na sociedade. Keesing lembra, por exemplo, que “determinada clientela de investidores da Wall Street depende do veredicto dos astrólogos; pilotos de aviões, peritos dos mais recentes trunfos da ciência mecânica, dirigem seus atos pelos signos” (KEESING, 1961, p. 502), ou seja, há na sociedade moderna ”uma quantidade ainda maior e inumerável de crenças sutis que são essencialmente mágicas” (idem).

Na escola, a tecnologia avançada possibilitou ao professor a utilização de recursos “mágicos” durante as aulas: TV, DVD, Vídeo-Cassete, Retroprojetor, Data- show. Esses instrumentos tecnológicos, como tudo que a tecnologia desenvolve, não deixam de ser “práticas mágicas” quando permitem ao professor realizar suas convicções e práticas pedagógicas de uma maneira fantástica (portanto, encantadora). Poderíamos, inclusive, denominá-los objetos encantatórios, pelo poder de atração e encantamento que causam nos alunos, e também, nos professores. Mas nada que possa ser associado à magia propriamente dita como fenômeno sobrenatural.

Esgotando a nossa possibilidade de entender o encantamento nesta pesquisa como magia, pensamos em outra hipótese: porque não pensar na possibilidade desse “encantamento” relacionar-se ao lúdico? Para respondermos a esta pergunta recorremos a autores como Keesing (1961) e Johan Huizinga (1996).

Keesing (1961), em seu capítulo A arte e o jogo, esclarece algumas dúvidas sobre a relação entre a arte e o jogo, quais as suas características comuns, como veículos de diversão e auto-expressão, e quais as diferenças que os distinguem?

O antropólogo afirma que “especialistas em comportamento animal atribuíram aos mamíferos e, até certo ponto, a outros tipos de animais, uma tendência para brincar” (KEESING, 1961, p. 518). Esta atividade é acompanhada, diversamente, por manifestações de “prazer”, “relaxação”, “curiosidade”, “divertimento” e, algumas vezes, raiva ou luta “simulada”. Outra consideração importante é que “arte” e “jogo” possuem “uma forte tendência para dizer as mesmas coisas [...] ambas dão prazer, ambas proporcionam relaxação, ou recriação” (KEESING, 1961, p. 519).

[...] São integrantes na vida do grupo e na vida individual e fomentam a boa disposição moral. Tendem a redirigir os conflitos, as hostilidades, as agressões, as tensões sexuais, as tensões de correr perigo e, deste modo, têm significação terapêutica. Podem ser usadas como meios valiosos para a aprendizagem e para a transmissão cultural, principalmente no caso das crianças, e para a reintegração, quando um modo de vida se altera, por exemplo, uma acentuação da arte como parte da aspiração nacionalista. Freqüentemente, apresentam significação altamente simbólica. Como a magia, podem ter facetas “brancas”, ou publicamente aprovadas, e “negras”, em geral facetas privadas, como acontece na libidinagem, na pornografia e na obscenidade. (KEESING, 1961, p. 519)

Repensando a arte e jogo na escola e a sua relação com o processo ensino-aprendizagem, podemos perceber o quanto o lúdico e o prazeroso contribuem para a aprendizagem e transmissão cultural de nossos alunos.

Muitos professores conseguem encantar os seus alunos com jogos relacionados aos conteúdos trabalhados durante as aulas. Por exemplo, fazer um debate sobre o último assunto, repartindo a turma ao meio sem competição, não os estimula a participarem, mas se o professor comandar “Vamos fazer um passa-ou- repassa valendo um ponto para que vencer”, a história é outra.

Huizinga (1996, p. 7), afirma que “as grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde início, inteiramente marcadas pelo jogo”. Mas que relação o jogo tem com o lúdico e o prazeroso? Para o autor, “a intensidade do jogo e o seu poder de fascinação não podem ser explicados por análises biológicas. E, contudo”, continua o mesmo, “é nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a própria essência e a característica primordial do jogo” (HUIZINGA, 1996, p. 5) .

O estudo de Huizinga sobre o jogo é amplo e bastante complexo. Não pretendemos explanar uma teoria do homo ludens neste capítulo, mas utilizar, em parte, o referencial construído pelo autor para relacionar o lúdico, o prazeroso, o

fascinante, que há no jogo, com o encantamento que há na sala de aula.

O autor faz um estudo do significado da palavra “jogo” nas diversas línguas e analisa os diversos significados que a palavra adquire, mas há um especial que chamou-nos a atenção:

A velha raiz germânica leik, leikan persiste ainda nas palavras alemãs laich e laichen (por ovos, no caso dos peixes), no sueco leka, o acasalamento das aves, e no inglês lechery. Em sânscrito existem idênticas acepções da palavra, como por exemplo o uso freqüente de kridati (jogo) em sentido erótico em termos como kridaratnam (à letra: “a jóia dos jogos”), que significa “copulação”. De acordo com isso, o professor Buytendijk considera o jogo do amor o exemplo mais perfeito do jogo em geral, pois apresenta da forma mais clara possível todos os caracteres essenciais do jogo [...] Aquilo que o espírito da linguagem tende a conceber como jogo não é propriamente o ato sexual enquanto tal, trata-se principalmente do caminho que a ele conduz, o prelúdio e a preparação do amor, que freqüentemente revela numerosas características lúdicas. (HUIZINGA, 1996, p. 49)

Aqui entramos na concepção que consideramos mais próxima do encantamento com o qual trabalhamos na escola: o jogo da sedução. Huizinga (1996) não faz um estudo profundo, pelo menos nesta obra Homo Ludens, sobre o