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Apêndice I – Questionário aplicado aos professores

2. DOS INTRUMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

2.3. Imagens e arquétipos

A teoria do Imaginário, de Durand (1997), é uma das propostas metodológicas mais complexas e inovadoras no final do século passado, visto que resgata o conceito de imagens e símbolos. Os símbolos constelam porque são variações de um mesmo tema arquetipal, ou seja, partem do mesmo arquétipo.

É justamente essa noção de arquétipo a partir dos símbolos e das imagens, e as relações destes entre si, que precisamos compreender para apreender as imagens arquetípicas que permeiam a relação entre professores e alunos na escola.

A necessidade de compreender o sentido do arquétipo surgiu a partir da leitura de As Estruturas Antropológicas do Imaginário, em que Durand (1997) cita: “o arquétipo é uma forma dinâmica, uma estrutura que organiza as imagens, mas sempre ultrapassa as concretudes individuais, biográficas, regionais e sociais da formação das imagens”.

Quando comecei a estudar a obra de Durand, este conceito de alguma forma já explicava a preocupação que tivemos em entender o problema com o qual

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Para melhor explicar este antagonismo, ou seja, a capacidade que os símbolos tem de constelar com outros, até mesmo de regimes diferentes, recomendamos a leitura do artigo LENDAS DE SÃO

LUÍS DO MARANHÃO: imagens e constelações (2007), uma pesquisa já realizada com os regimes

de imagens de Durand, pelo G-SACI (Grupo de Estudos de Arte, Cultura e Imaginário na Educação), um dos grupos de pesquisa do Mestrado em Educação da UFMA, iniciado desde 2000, pelo Prof. Dr. João de Deus Vieira Barros. (Consultar referências bibliográficas)

estávamos trabalhando: que imagens arquetípicas permeiam a relação entre professores e alunos na escola? Se o arquétipo é uma forma dinâmica, uma estrutura que organiza as imagens, por conseguinte, possivelmente poderíamos encontrar, na captação das imagens da pesquisa, algumas imagens arquetipais.

O conceito de arquétipo, com o qual trabalha Durand, provêm dos estudos do grande psicólogo suíço Carl G. Jung. Para Jung (apud DURAND, 1997) a imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições interiores da vida do espírito e da vida em geral.

A partir desta concepção de arquétipo é que Durand (1997) afirma que o arquétipo é uma forma dinâmica. Portanto, o arquétipo pode passar por uma constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Essa repetição marca aspectos estruturais que os fazem representar sistemas dinâmicos autônomos. Assim, funcionam como centros autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências. Eles se encontram isolados uns dos outros, embora possam se interpenetrar e se misturar.

Para Jung (1996, p. 67), “arquétipos” ou “imagens primordiais” se referem aos “resíduos arcaicos” (termo criado por Freud) formas mentais cuja presença não encontra explicação alguma na vida do indivíduo e que parecem, antes, formas primitivas e inatas, representando uma herança do espírito humano.

Os arquétipos são, portanto, expressões da mente primitiva, suas "imagens coletivas" e seus motivos mitológicos que permanecem com força ainda arraigados no homem moderno. O arquétipo é, na realidade, uma tendência instintiva tão marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho ou o das formigas para se organizarem em colônias (JUNG, 1996, p. 69).

Quando Jung (1996) fala de “instintos” remete-nos “aos impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos”, que muitas vezes só podem ser notados através de “imagens simbólicas”. A estas o psicólogo também chama de “arquétipos”. A sua origem não é conhecida; e eles se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo — mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta ou por "fecundações cruzadas" resultantes da migração (JUNG, 1996, p. 69).

Pode-se equivocadamente atribuir uma concepção histórica aos conceitos de arquétipos de Jung (1996) visto que são sempre primitivos e “se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo”. Mas a concepção de “história” a que se refere Jung é outra,

Por "história" não estou querendo me referir àquela que a mente constrói através de referências conscientes ao passado, por meio da linguagem e de outras tradições culturais; refiro-me ao desenvolvimento biológico, pré- histórico e inconsciente da mente no homem primitivo, cuja psique estava muito próxima à dos animais. Esta psique, infinitamente antiga, é a base da nossa mente, assim como a estrutura do nosso corpo se fundamenta no molde anatômico dos mamíferos em geral. O olho treinado do anatomista ou do biólogo encontra nos nossos corpos muitos traços deste molde original. (JUNG, 1996, p. 67)

Na verdade, fundamenta -se num “sistema instintivo pré-formado e sempre ativo, característico do homem. Formas de pensamento, gestos de compreensão universal e inúmeras atitudes seguem um esquema estabelecido muito antes de o homem ter desenvolvido uma consciência reflexiva” (JUNG, 1996, p. 76). A partir dessas experiências compreendemos que as estruturas arquetípicas não são apenas formas estáticas, mas fatores dinâmicos que se manifestam por meio de impulsos, tão espontâneos quanto os instintos.

É por isso que certos sonhos, visões ou pensamentos que aparecem de repente, não se descobre o que os motivou, por mais cuidadosamente que se os investigue. Jung (1996) afirma que não quer dizer que não exista uma causa; certamente há, mas tão remota e obscura que não se consegue distingui-la.

Pode-se perceber a energia específica dos arquétipos quando se tem ocasião de observar o fascínio que exercem. Parecem quase dotados de um feitiço especial. Qualidade idêntica caracteriza os complexos pessoais; e assim como os complexos pessoais têm a sua história individual, também os complexos sociais de caráter arquetípico têm a sua. Mas enquanto os complexos individuais não produzem mais do que singularidades pessoais, os arquétipos criam mitos, religiões e filosofias que influenciam e caracterizam nações e épocas inteiras. (JUNG, 1996, p. 78)

Jung em sua obra A Vida Simbólica (1998) coloca que diversas vezes o seu conceito de arquétipo foi mal compreendido como se designasse idéias hereditárias ou uma espécie de especulação filosófica. Na verdade, para ele os arquétipos pertencem ao âmbito da atividade instintiva e neste sentido são padrões

hereditários de comportamento psíquico e, como tais, revestem-se de certas qualidades dinâmicas a que o autor chama de “autonomia” e “numinosidade”.

Os arquétipos não são de forma alguma indícios ou resíduos inúteis e arcaicos de um mundo primitivo. São entidades vivas que causam a preformação de idéias numinosas ou de imagens dominantes. Uma compreensão inadequada aceita essas imagens primitivas em sua forma arcaica, pois elas exercem sobre a mente subdesenvolvida um fascínio numinoso. O comunismo, por exemplo, é um estilo de vida arcaico altamente ilusório, que caracterizava os grupos sociais primitivos. Ele traz em si um comando sem lei como compensação vital necessária, um fato que só pode ser desconsiderado por um preconceito racionalista – prerrogativa de uma mente bárbara. (JUNG, 1998, p. 110)

A compreensão da expressão “entidades vivas”, empregada por Jung (1998), porque traz em sua essência uma característica fundamental dos arquétipos: estes formam imagens dominantes a partir de suas formas mais primitivas, mas de forma alguma podem ser considerados como resquícios de um mundo arcaico ou primitivo. Daí que o arquétipo do “puro” pode ser representado pela imagem da luz ou do sol e a partir destas imagens constelam muitas outras que adquirem o status de símbolos e não mais imagens.

Ao relembrar o mito do herói, por exemplo, Jung (1996, p. 80) refere-se sempre a um homem ou um homem deus poderoso e possante que vence o mal, apresentado na forma de dragões, serpentes, monstros, demônios, etc. e que sempre livra seu povo da destruição e da morte. Jung (1996) demonstra um aspecto muito importante dos arquétipos: eles exercem um fascínio, uma espécie de feitiço especial ou efeito “mágico” sobre o ser humano.

A narração ou recitação ritual de cerimônias e de textos sagrados e o culto da figura do herói, compreendendo danças, música, hinos, orações e sacrifícios, prendem a audiência num clima de emoções numinosas (como se fora um encantamento mágico), exaltando o indivíduo até sua identificação com o herói (JUNG, 1996, p. 80).

Por isso, faz-se necessário diferenciar o arquétipo do símbolo. Há uma ligação entre a imagem e a idéia (ou pensamento), por isso o arquétipo está no caminho da idéia e da substantivação, ao contrário do símbolo, que está simplesmente no caminho do substantivo, do nome.

[...] esquemas da ascensão a que correspondem imutavelmente os arquétipos do cume, do chefe, da luminária, enquanto os esquemas

diairéticos se substantificam em constantes arquetipais, tais como o gládio, o ritual batismal, etc; o esquema da descida dará o arquétipo do oco, da noite, do “Gulliver”, etc.; e o esquema do acocoramento provocará todos os arquétipos do colo e da intimidade. O que diferencia precisamente o arquétipo do simples símbolo é geralmente a sua falta de ambivalência, a sua universalidade constante e a sua adequação ao esquema [...] (DURAND, 1997, p. 62)

É importante notar que à medida que pesquisamos as origens de uma “imagem coletiva” mais vamos descobrindo “uma teia de esquemas de arquétipos aparentemente interminável que, antes dos tempos modernos, nunca haviam sido objeto de qualquer reflexão mais séria”. É por isso que, paradoxalmente, conhecemos mais sobre símbolos mitológicos que qualquer outra das gerações que nos antecederam. Eles viviam seus símbolos inconscientemente, estimulados pelos seus significados.

Quando nos esforçamos para compreender os símbolos, confrontamo-nos não só com o próprio símbolo como com a totalidade do indivíduo que o produziu. Nesta totalidade inclui–se um estudo do seu universo cultural, processo em que se acaba por preencher muitas das lacunas da nossa própria educação (JUNG, 1996, p. 92).

É essa capacidade de apreender o universo cultural do indivíduo que nos interessa no estudo dos símbolos. Nesta pesquisa aparecem muitas imagens, algumas arquetipais, outras não, embora todas sejam simbólicas (DURAND, 1998).

O fato é que os símbolos são bem mais genéricos que os arquétipos, que são primitivos. “Um símbolo sugere ou deduz um aspecto da vida que permanece inesgotavelmente sujeito a interpretações e que finalmente ilude todos os esforços do intelecto para firmar ou conter” (PRINCÍPIOS JUNGUIANOS, 2007, p. 4).

Como já vimos, o arquétipo é “uma forma dinâmica, uma estrutura que organiza as imagens, mas sempre ultrapassa as concretudes individuais, biográficas, regionais e sociais da formação das imagens”. Aqui não nos referimos “à imagem no seu sentido mais arbitrário, mas enquanto um elemento de representação humana intrinsecamente motivado, o que significa que sempre símbolo de uma variação de uma gama variada de arquétipos” (DURAND, 1998, p. 43).

A expressão “imagem arquetípica” não foi criada exatamente por Carl G. Jung, mas aparece em obras de Mircea Eliade e Gilbert Durand, como podemos ver nessas passagens: “[...] a destruição de uma ordem estabelecida, a abolição de uma

imagem arquetípica equivalia a uma regressão ao caos, ao pré-formal, ao estado

não diferenciado que precedia a cosmogonia [...]” (ELIADE, 2002, p. 34) ou “[...] no

Regime Noturno, e especialmente nas suas estruturas sintéticas, as imagens

arquetípicas ou simbólicas já não bastam a si próprias em seu simbolismo intrínseco, mas, por um dinamismo extrínseco, ligam-se umas às outras sob a forma de narrativa (DURAND, 1997, 355)”.

Nesta pesquisa, apreendemos muitas imagens a partir das heurísticas aplicadas aos nossos alunos e professores. Dada a complexidade destas imagens, buscamos analisar basicamente as imagens arquetípicas que afloram18 dessas relações entre discentes e docentes, porque a análise profunda daquelas nos possibilitará apreender um conjunto de imagens predominantes na escola.

O homem moderno com o seu excesso de “racionalização” perdeu seus valores espirituais em escala alarmante. “Suas tradições morais e espirituais desintegraram -se e, por isto, paga agora um alto preço em termos de desorientação e dissociação universais” (JUNG, 1996, p. 94).

Jung (1996) demonstra o que acontece claramente a uma sociedade primitiva quando seus valores espirituais sofrem o impacto da civilização moderna. “Sua gente perde o sentido da vida, sua organização social se desintegra e os próprios indivíduos entram em decadência moral”.

Na minha opinião, a fé não exclui a reflexão (a arma mais forte do homem); mas, infortunadamente, numerosas pessoas religiosas parecem ter tamanho medo da ciência (e, incidentalmente, da psicologia) que se conservam cegas a estas forças psíquicas numinosas que regem, desde sempre, os

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Grifo nosso. O verbo “aflorar” é um termo que compreendemos encaixar-se bem com o trajeto metodológico da nossa pesquisa. Pensei-o a partir de um dos desenhos dos alunos entrevistados: “a relação do professor com os alunos tem que ser como um mar de rosas” (FREYA). Houve uma certa recorrência da imagem da flor, às vezes, flores, e até mesmo, o “mar de rosas”, representando superficialmente, a necessidade da relação entre professores e alunos ser regada, como se regam as flores, a fim de que sobreviva e prospere. Outra hipótese para fundamentar o termo foi a noção de trajetividade entre pólos de Paula Carvalho (1991). (PAULA CARVALHO, 1991, p. 86). Para Bueno (1995), aflorar é “v.t., nivelar (uma superfície) com outra; nivelar; rel. assomar, emergir à superfície”. Esta última acepção do verbo (emergir à superfície) é o sentido que empregamos para as imagens arquetípicas que captamos. Este é o primeiro pólo, da cultura patente (conjunto de extrema importância para a nossa culturanálise de grupos), que nos fornece o lado das representações dessas imagens como aparecem na narrativa, no desenho livre e na simples observação do objeto de estudo. Ao mergulharmos na profundidade dessas imagens, buscando as suas representações mais primitivas (temas arquetipais), buscamos o segundo pólo dessas representações, a cultura latente (aspecto residual-afetivo-imagético; imaginária e fantasmatizações), e assim, neste trajeto entre o primeiro e segundo pólos temos revelado o imaginário que se configura “como um universo de imagens simbólicas numa perlaboração de mediação simbólica entre o pólo idiográfico-figural e o pólo morfogenético-arquetipal” (PAULA CARVALHO, 1991, p. 88), portanto, é dessa forma que as imagens afloram.

destinos do homem. Despojamos todas as coisas do seu mistério e da sua numinosidade; e nada mais é sagrado. (JUNG, 1996, p. 94)

Em pleno século XXI, vivemos os mesmos fatores, nossos líderes espirituais tanto mais se preocupam em proliferar e proteger suas instituições quanto perdem em entender o mistério que os símbolos, transmitidos desde antepassados remotos, representam na contemporaneidade.

Neste aspecto, objetivamos resgatar os valores simbólicos das imagens captadas na relação professor-aluno no processo ensino-aprendizagem na escola. Convém lembrar também que em nenhum momento dessa pesquisa é nossa pretensão classificar como ocorre o “processo de ensino-aprendizagem”, menos ainda, estipular uma classificação piagetiana ou vigostskiana, ou de qualquer outro tipo, para o mesmo. Todavia, é nesse interregno de convivência do professor e do aluno que investigamos as imagens arquetípicas que afloraram com maior freqüência, possibilitando a construção, ainda que específica, de um imaginário entre ambos (professor e aluno) no processo ensino-aprendizagem.