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EM CASA: Inglaterra pré e pós Segunda Guerra

No documento O tempo presente na obra de Eric Hobsbawm (páginas 32-40)

CAPÍTULO I: O HOMEM, O TEMPO E A OBRA

3. EM CASA: Inglaterra pré e pós Segunda Guerra

A partir de 1933, é possível identificar uma terceira fase na vida de Hobsbawm, por ser o momento em que ele se torna um cidadão inglês de fato, vivendo e estudando na Inglaterra, terra natal de seu pai onde reside até hoje.27 Nesse ano, Hobsbawm entra para o Partido Comunista Inglês, afastando-se da Federação Socialista de Estudantes, uma associação comunista de estudantes secundaristas na Alemanha.

Aos dezesseis anos de idade, Hobsbawm "retoma" seus estudos no St. Marylebone Grammar School28, em Londres, e, em um ou dois anos, acaba entrando para o King's College, em Cambridge, onde concluirá o curso de história. Além dos estudos, Hobsbawm começa a se relacionar mais proximamente com estudantes marxistas.29 Foi no St. Marylebone que o autor fez a pergunta que moldou sua obra de historiador ao tentar dar uma historicidade às obras literárias da biblioteca. “Ainda estou tentando”, afirma Hobsbawm, “‘analisar’ as influências (sociais) que determinaram a forma e o conteúdo da poesia [e, mais geralmente, das idéias] em diferentes épocas” (2002, p. 117).

Em Cambridge30, sob a influência de Michael Postan, o curso de graduação em história de Hobsbawm parece ter transcorrido normalmente, enquanto os Estados derrotados

27 A não ser para o autor e sua tia Mimi, essa nova mudança se revelou um novo fracasso para os Hobsbaum-

Grün. “Em 1939, após alguns anos de altos e baixos, Sidney, então com cinqüenta anos, abandonou a luta pelo pão de cada dia na Inglaterra e emigrou para o Chile, levando consigo Nancy [irmã do autor] e Peter [primo- irmão de Hobsbawm]” (HOBSBAWM, 2002, p. 97)

28 Ao falar da escola, Hobsbawm afirma que: “Obtive nela a melhor educação possível na Inglaterra da década

de 1930 e tenho com seus professores uma incalculável dívida de gratidão”. (2002, p. 111) Esta mesma instituição, continua o autor, “não sabia bem o que fazer com o recém-chegado da Europa Central, incompletamente disciplinado, que ignorava as regras tanto do críquete como do rúgbi e que não se interessava nem um pouco por esses jogos, porem demasiado adiantado para que não se tornasse logo monitor, e demasiadamente intelectual para que não fosse redator da revista da escola, The Philologian”. (ibid, p. 112).

29 Ver KAYE,1984, p. 132. Há uma certa contradição entre as datas de ingresso de Hobsbawm no Partido

Comunista Inglês. Segundo Kaye, ele teria entrado aos 17/18 anos de idade quando iniciou seus estudos em Cambridge; já para o próprio autor, em entrevista publicada na Folha de São Paulo (ver nota mais acima), ele entrou no PCI com 16/17, assim que se mudou para Londres. Segundo Tempos Interessantes, o autor se tornou comunista do partido em 1936, aos 18 anos o que corrobora a idéia de Kaye.

30 Antes de entrar para Cambridge em 1936, o autor faz um balanço de seu “eu”. Aos dezoito anos, ele se via

assim: “Eric John Ernest Hobsbaum, sujeito alto, anguloso, vacilante, feio, de cabelos claros e dezoito anos e meio de idade, que ‘pesca’ rápido as coisas, dono de consideráveis conhecimentos gerais, ainda que superficiais,

na Primeira Guerra Mundial ressentiam-se com o status quo imposto pelos tratados alhures destacados. Mesmo vencedores, como o Japão e a Itália, possuíam suas queixas. “Os japoneses com um realismo de certa forma maior que os italianos, cujos apetites imperiais excediam muitíssimo o poder de seu estado independente para satisfazê-los” (HOBSBAWM, 1995, p. 44). Mesmo sendo reconhecido como uma força militar e naval e como a mais formidável potência no Extremo Oriente, detentor de uma industrialização de crescimento rápido, o Japão achava que merecia uma fatia maior do bolo, primordialmente dentro do Pacífico.

Segundo Hobsbawm foi a não-reação britânica e francesa o efetivo estopim da Segunda Guerra Mundial. Estes países viram os japoneses invadirem a Manchúria em 1931; os italianos, a Etiópia em 1935; viram a intervenção alemã e italiana na Guerra Civil Espanhola, em 1936-9; a invasão alemã da Áustria, no início de 1938; a expropriação posterior da Tchecoslováquia, em 1938 e a sua ocupação em 1939. Estes atos de guerra compõem um contexto ao mesmo tempo de tensão e de contenção por parte dos aliados.

Os franceses e os ingleses se viam fracos para defender o status quo estabelecido em 1919. Também sabiam ou supunham que esse status quo era instável e impossível de ser mantido. “Nenhum tinha nada a ganhar com outra guerra, e muito a perder” (HOBSBAWM, 1995, p. 155), por isso, optaram por sentarem numa mesa de negociações com uma Alemanha cuja política objetivava uma ideologia nacional-socialista irracional e ilimitada. Temerosos de mais um conflito de proporções catastróficas, como o de outrora, os franceses e ingleses não reagiram. Essa omissão causaria o avanço inimigo que os levou, mais uma vez, à guerra.

e de muitas idéias originais, gerais e teóricas. Incorrigível tomador de atitudes, o que é mais perigoso e às vezes eficaz, porque se convence a si mesmo a nelas acreditar. Não está apaixonado e aparentemente consegue com êxito sublimar suas paixões, as quais – quase nunca – encontram expressão na apreciação extática da natureza e da arte. Não possui sentido de moralidade; completamente egoísta. Algumas pessoas o acham extremamente desagradável, outras gostam dele, e outras ainda (a maioria) simplesmente rídiculo. Deseja ser escritor, porém lhe falta energia e capacidade para dar forma ao material. Não possui a fé que moverá as necessárias montanhas, apenas esperança. É vaidoso e convencido. É covarde. Ama profundamente a natureza. E esquece a língua alemã”. (HOBSBAWM, 2002, p. 118).

A expansão e a agressão faziam parte da ideologia fascista e, “a menos que se aceitasse de antemão a dominação alemã, ou seja, se preferisse não resistir ao avanço nazista, a guerra era inevitável” (ibid, p. 155), mesmo para aqueles países que reconheciam a impossibilidade de um acordo com Hitler, como os franceses e ingleses o fizeram, por puro pragmatismo.

A própria esquerda achou-se num dilema. Se, por um lado, a força antifascista estava em mobilizar os que temiam a guerra, por outro, sem armas, resistir ao fascismo seria, no mínimo complicado. Assim, a guerra inicia-se com a invasão da Polônia, em 1939, pela Alemanha. Na primavera de 1940, caem sob o jugo alemão Noruega, Dinamarca, Países Baixos, Bélgica e França, restando, em termos teóricos, apenas a guerra contra a Grã- Bretanha. É só nesse instante de consolidação do poder alemão que a Itália sai do impasse, entrincheirando-se do lado alemão.

Mesmo Hitler estando impossibilitado de invadir a Inglaterra pelo duplo obstáculo do mar e da Real Força Aérea, a guerra parecia finda na Europa. No entanto, ela foi revivida “pela invasão da URSS por Hitler em 22 de junho de 1941” (ibid, pp. 46-47), colocando a Alemanha em um conflito em duas frentes.

Para Hitler, a conquista da URSS parecia um passo lógico, já que a guerra se prolongava mais do que o previsto, comprometendo as reservas do país. Conquistar a União Soviética significaria controlar um território rico em recursos minerais e mão-de-obra escrava. Segundo Hobsbawm, o grande mistério seria saber porque Hitler, já inteiramente esgotado por causa da frente oriental, acabou declarando guerra aos EUA, dando a oportunidade necessária a Roosevelt para entrar no conflito com toda a máquina industrial e tecnológica.

Hobsbawm, comunista e antifascista, acaba entrando no exército britânico durante o segundo conflito mundial.31 Para tanto, ele interrompe seu curso de história, retomando-o no pós-guerra.32

Em 1945, foi imposta à Alemanha e ao Japão a derrota final, com a invasão das forças aliadas. Desta vez, não houve acordo, o mais próximo que se chegou de alguma negociação “foi à série de conferências entre 1943 e 1945, em que as principais potências aliadas – EUA, URSS e Grã-Bretanha – decidiram a divisão dos despojos da vitória e (sem muito sucesso) tentaram determinar suas relações umas com as outras depois da guerra” (HOBSBAWM, 1995, p. 49): em Teerã (1943), em Moscou (outono de 1944), em Ialta, na Criméia (1945) e em Potsdam, na Alemanha (1945). A Segunda Grande Guerra tinha como estratégia levar o inimigo ao esgotamento total. Mesmo não sendo indispensável para a vitória, mas como um meio de salvar vidas de soldados americanos, o Pentágono decidiu lançar um ataque atômico sobre Hiroxima e Nagasaki, demonstrando o extremismo do período.

Os 45 anos que se seguem à imposição aliada, após a rendição incondicional do Japão, são marcados pelo confronto entre os EUA e a URSS. Este período é comumente denominado Guerra Fria, onde “gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares que se acreditava firmemente, poderiam estourar a qualquer momento, e devastar a humanidade” (ibid, p. 224). O personagem mais conhecido desse período é James Bond, o espião secreto inglês, que, mesmo sem capa esvoaçante, enfrentava secretamente todos os inimigos da democracia e da Coroa britânica. É neste contexto que o autor iniciará sua carreira profissional a passo de tartaruga, isso graças as suas convicções políticas.

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Sobre a guerra, Hobsbawn diz: “A melhor maneira de resumir minha experiência pessoal da Segunda Guerra Mundial é dizer que ela roubou seis anos e meio de minha vida, seis dos quais no exército britânico. Para mim não foi nem uma “boa guerra’, nem uma “guerra ruim”, e sim uma guerra vazia” (2002, p. 176).

32 Ao se engajar ao exército inglês, o autor abandona o tema proposto para estudo, que seria a África do Norte

A grande peculiaridade deste conflito é que, apesar do discurso apocalíptico proferido por ambos os lados, os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças, feita no final da Segunda Guerra Mundial, mesmo cientes que esta divisão equivalia a um equilíbrio de poder desigual, em sua essência.

À URSS coube o controle de uma ínfima parte do globo, ocupado pelo exército Vermelho durante o processo final da guerra, enquanto aos EUA foi destinado controlar o resto do mundo capitalista. O primeiro se preocupava com um poder de fato e o outro, com um poder, no mínimo, fictício. Um respeitava a zona de influência do outro, excetuando-se o continente asiático, uma terra de ninguém. É por causa desse continente que a ficção atômica quase se tornova realidade, a partir dos conflitos regionais, sob o financiamento de uma das potências.

Hobsbawm destaca que a Guerra Fria acaba ultrapassando o reino da razão para o da emoção. Ela acaba representando a luta entre uma ideologia comunista, com uma economia arrasada pela guerra, e uma capitalista, detentora de 60% da produção mundial. Segundo o autor, a ideologia capitalista representaria o maior perigo para o mundo livre, já que os seus governantes tinham que se preocupar com a opinião pública, detentora dos votos necessários nas eleições; os governantes comunistas, não.

Apesar da constante ameaça nuclear causada pelo desenvolvimento da indústria bélica, o maior impacto da Guerra Fria foi político, pois não foi necessário utilizar nenhuma das bombas contra o inimigo. No âmbito internacional, acabou florescendo a Comunidade Européia, o que, na década de 1980, mudou as formas de relação ainda arcaicas entre os Estados europeus.

Além disso, a Guerra Fria modificou o panorama internacional em outros três aspectos. Primeiramente, eliminou todas as rivalidades e conflitos do pós-guerra. Segundo, congelou a situação internacional com a divisão do mundo entre dois pólos de poder, por um

período relativamente longo. E, terceiro, acabou enchendo o mundo com armas num grau que desafia a própria razão iluminista.

Segundo Hobsbawm, a Guerra Fria também provoca e estimula o desenvolvimento econômico, entre as décadas de 1950-1970, “com sua demanda de alta tecnologia”, preparando “vários processos revolucionários para posterior uso civil” (HOBSBAWM, 1995, p. 260), gerando uma "era de ouro". Tal avanço tecnológico acabou criando capital, contribuindo positivamente para a vida cotidiana, e criando uma nova divisão do trabalho.

Os benefícios materiais desse crescimento levaram algum tempo para se fazerem sentir. No caso europeu, os resultados só apareceram na década de 1960. Na visão de Hobsbawm, essa "era" pertenceu essencialmente aos países capitalistas desenvolvidos, que representaram cerca de três quartos da produção do mundo nesse período e mais de 80% de suas exportações manufaturadas. “Apesar disso, a Era de Ouro foi um fenômeno mundial, embora a riqueza geral jamais chegasse à vista da maioria da população do mundo” (ibid, p. 255). Os países comerciavam uns com os outros em proporção cada vez maiores, a partir de suas empresas transnacionais ou multinacionais.

Essa internacionalização, travestida pelo crescimento econômico mundial, gerou mudanças ainda mais radicais no seio da sociedade civil, além do problemático aumento da fabricação de armas e a disseminação da violência urbana. De todas as revoluções sociais, a mais dramática foi a morte do campesinato, que isolou o mundo contemporâneo das guerras nucleares ao mundo do passado. “Pois desde a era neolítica a maioria dos seres humanos vivia da terra e seu gado ou recorria ao mar para a pesca” (ibid, p. 284). Segundo Hobsbawm, apenas três regiões do globo continuaram dominadas por aldeias e campos: a África, o sul da Ásia e a China. Mesmo com acentuado declínio do campesinato, essas regiões de predomínio agrário ainda representavam, reconhecidamente, metade da raça humana, em termos demográficos.

O estranho é que o abandono do campo não é fruto do progresso agrícola, mas das oportunidades geradas pelas grandes cidades como, por exemplo, uma maior possibilidade de acesso à educação para estas populações. As famílias corriam a pôr os filhos na educação superior sempre que tinham a opção e a oportunidade porque esta era de longe, a melhor chance de conquistar para eles uma renda melhor e, acima de tudo, um status social superior, sobretudo nas antigas colônias, carentes de um serviço burocrático de instrução adequada.

É nesta realidade histórica que Hobsbawm deve inserir-se no mercado de trabalho, ampliando os seus horizontes acadêmicos e políticos. Já em 1946, Hobsbawm e seus colegas do Partido Comunista Inglês, como Christopher Hill, Maurice Dobb, Edward P. Thompson, Rodney Hilton, entre outros, criaram um grupo de debate dentro do Partido Comunista Inglês, que acabará gerando uma nova perspectiva historiográfica, que passou a ser conhecida no meio acadêmico como História Social Inglesa.

Além da nacionalidade, do (des)interesse pelo econômico – suas obras não se pautam por um economicismo exacerbado – e pelo rigor científico, esse grupo vai se caracterizar por serem todos os seus membros marxistas (ou marxianos) ou membros do Partido Comunista Inglês. Preocuparam-se com a história social ou história vista de baixo, produzindo uma história que não exclui o operário de fábrica, a lavadeira de roupa, o servo feudal. Preocupam-se em desenvolver o marxismo como teoria para a determinação de classe, recolocando a luta de classe como importante para o processo histórico.

Segundo Hobsbawm, é no âmbito desse grupo que sua geração vai aprender história, a partir de discussões coletivas (2000, p. 12). Este grupo acaba fundando a revista

Past and Present, um dos mais importantes periódicos de História na Europa. Para Dea

Ribeiro Fenelon, as grandes questões discutidas pelo grupo giravam em torno de seu comprometimento com as definições e teorizações de uma política cultural nacional-popular, valorizando o povo, a nação e sua luta histórica pela democracia (FENELON, 1981). Em seus

escritos, busca romper com o reducionismo economicista, considerando-o uma vulgarização do marxismo.

Segundo Kaye, em 1947, Hobsbawm foi apontado como conferencista no Birbeck College da Universidade de Londres. Em 1959, ele acaba sendo promovido a professor de História Econômica e Social na mesma instituição, cargo que ocupou até 1982, quando se aposentou. Kaye acrescenta, ainda, que “From 1949 to 1955, he was a fellow of King's College, Cambridge. He is currently a visiting teacher at the new School for Social Research in New York” (Kaye, 1995, p.133).33

Ao contrário de seus colegas, que abandonaram o Partido Comunista em 1956, graças aos escândalos da era Stalin divulgados na União Soviética, Hobsbawm e Dobb permaneceram filiados ao partido até a sua extinção, na década de 1980. Segundo Kaye, esta permanência no PCI vai influenciar a obra de Hobsbawm de várias maneiras. Em primeiro lugar, pelo fato de boa parte de sua obra e da de seus colegas acabarem apresentando reservas quanto à história inicial do século XX por ser confusa e complicada, uma das orientações do partido. Em segundo lugar, como membro do PCI, suas análises de história do trabalho acabaram se tornando análises pessimistas do movimento como um todo. Em terceiro lugar, foi graças ao partido que suas análises continuaram tomando o modelo da base e da superestrutura, o único autor do grupo a mantê-lo na opinião de Kaye e, por fim, o PC lhe possibilitou uma gama de contatos internacionais, experiências e oportunidades de pesquisa, que ampliaram ou consolidaram a sua erudição.

Segundo Kaye, podemos dividir a produção de Hobsbawm em três campos de estudo. Um campo que se dedica aos problemas da história do trabalho, outro que busca analisar a história dos movimentos camponeses – e neste se incluem os movimentos ditos

33 Tradução livre: “De 1949 a 1955, foi um membro do King’s College, Cambridge. Atualmente é professor

primitivos; e um terceiro campo, que se preocupa com uma historiografia mais globalizada, para usarmos um termo contemporâneo.

Já é hora de apresentarmos esta produção.

No documento O tempo presente na obra de Eric Hobsbawm (páginas 32-40)

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