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EM DIREÇÃO A UMA SÍNTESE: AS RELAÇÕES ENTRE RS E PRÁTICAS

COMER Mulheres (x² = 33,89)

7.6. EM DIREÇÃO A UMA SÍNTESE: AS RELAÇÕES ENTRE RS E PRÁTICAS

Um dos objetivos centrais dessa pesquisa é o de relacionar as RS com o engajamento das pessoas nas práticas de controle de peso, seguindo assim uma tradição de pesquisas em TRS no Brasil, onde o emprego desse paradigma teórico foi em grande parte motivado pelo interesse em compreender a adesão de práticas preventivas ou terapêuticas na área da saúde (Camargo & Bousfield, 2014), o que já ocorrera na França alguns anos antes (Galand & Salès-Wuillemin, 2009). Conforme Sá (1994) o estudo de RS deve envolver produto e processo ligados às práticas sociais, garantindo que o aspecto cognitivo da RS emerja efetivamente na vida social cotidiana. O corpo, enquanto um objeto cotidiano, que está na interface entre o individual e o social (Jodelet, 1994) e que engloba um sistema de normas presentes no sistema social, envolvendo tanto questões de apresentação e imagem, quanto de saúde, mostra-se então um objeto propício para buscar essas relações.

Tal qual apresentado em sessões anteriores, a mídia impressa apresentou uma alusão direta do excesso de peso com a difusão de recursos para controlar o peso e, mais especificamente emagrecer. O emagrecimento tem ocupado importante espaço na agenda midiática, que ganhou força principalmente a partir dos anos 2000. Mas em que medida

tais representações difundidas refletem nas representações e nas práticas da população? De que maneira tais representações sustentam o ganho de peso da população brasileira nas últimas décadas?

Verificou-se que as RS dos participantes desse estudo carregam fortes relações com aquelas que circulam na mídia. Os resultados evidenciaram representações hegemônicas, coesas e fortemente partilhadas, legitimando as normas sociais identificadas no estudo documental. A gordura é associada com a falta de saúde, o que justifica a necessidade de se ter um corpo magro (e consequentemente, saudável). As práticas de controle de peso passam a ser valorizadas e dentre elas a alimentação é considerada a de maior importância.

Uma proposta do presente estudo foi a de sugerir um modelo explicativo para as práticas de controle de peso. Partiu-se da teoria do comportamento planejado, a qual tem sido amplamente utilizada para explicar as práticas de saúde. Porém, sabe-se que essa teoria privilegia os aspectos controlados e racionalizados envolvidos no processamento de informação e adesão a um comportamento. Ao utilizar-se da racionalidade envolvida nas crenças normativas e de controle, são deixados em segundo plano alguns componentes menos racionais e mais afetivos, os quais podem ser importantes. Ademais, considera-se que os modelos de intenção comportamental seriam um tanto limitados por pouco articular o sistema apreendido no nível individual com a sua inserção em sistemas sociais (Camargo & Bousfield, 2014; Doise, 1989). Ajzen (2011) afirma que estes aspectos ficariam como plano de fundo das influências ao comportamento e às crenças normativas e de controle. Afetos e emoções, assim como demais aspectos psicossociais envolvidos teriam então um efeito indireto nas crenças e normas que são ativadas. Visando avançar em relação a este modelo, buscou-se abarcar alguns destes efeitos a partir da proposição de modelos preditivos advindos dos itens de RS em relação às variáveis envolvidas no modelo do comportamento planejado.

Buscou-se relacionar diferentes dimensões das RS de sobrepeso e de controle de peso com os constructos previstos na teoria do comportamento planejado, de modo a ampliar e complexificar este modelo preditivo, no que se refere ao engajamento em práticas de controle de peso. Em hipótese, essa prática cotidiana seria dependente das RS sobre ela, as quais, por sua vez, teriam relação com as representações acerca de um fenômeno mais amplo: o sobrepeso. Entretanto, as medidas das RS de sobrepeso e controle de peso utilizadas no estudo quantitativo não permitiram a identificação de uma predição direta entre RS e intenção

comportamental ou entre RS e comportamento. Acredita-se, todavia, que a ausência de correlação entre essas variáveis não reflete a real ausência de relação entre os fenômenos. Sabe-se da função orientadora das RS às práticas (Abric, 1998; Álvaro & Garrido, 2006; Coutinho et al., 2004; Jodelet, 2001; Lheureux et al, 2011; Wachelke & Camargo, 2007), a qual não pode ser questionada a partir dos resultados deste estudo.

Uma primeira indicação da fragilidade do modelo foi a de que as representações identificadas nos itens – tanto ligadas ao sobrepeso quanto ao controle de peso, foram demasiado homogêneas. Um possível fator interveniente nessa uniformidade é que o controle de peso se trata de um fenômeno com alta desejabilidade social, sendo que tal fator pode ter interferido nas respostas, as quais se distanciaram de uma distribuição normal. Embora a distribuição dos dados demasiado homogênea tenha trazido alguns prejuízos à utilização dos testes estatísticos paramétricos, ela é uma característica reveladora do fenômeno estudado, na qual a pouca variabilidade na distribuição das respostas revela o caráter hegemônico (Moscovici, 1988; Vala & Castro, 2013) dos pensamentos e normas compartilhados sobre os fenômenos estudados.

Se por um lado, o consenso nas RS encontradas revela a normatividade da temática estudada, também não podem ser desconsideradas as limitações metodológicas que contribuíram para não encontrarmos as relações previstas nas hipóteses do estudo. Pondera-se que a quantificação das dimensões representacionais implicou em uma simplificação excessiva, a qual não foi capaz de captar a complexidade envolvida na orientação das práticas sociais.

Sabe-se que o estudo das RS não se pode fazer a partir de um único método e que estudar o conhecimento dos indivíduos e sua organização implica, inevitavelmente, no uso de estratégias pluri-metodológicas (Apostolidis, 2006). Nesse sentido, acredita-se que algumas das fragilidades encontradas na abordagem quantitativa podem ser superadas a partir de uma ampliação do quadro de análise, sob um enfoque qualitativo. Jodelet (2003) aponta que a riqueza da abordagem qualitativa é a sua abertura para uma realidade diferente daquela já conhecida pelos pesquisadores, dando espaço ao desconhecido e ou inesperado. Ao estudar os fenômenos humanos em uma abordagem mais próxima do seu ambiente natural, torna-se possível abranger outras de suas dimensões reguladoras, incluindo as mais experienciais e afetivas, que teriam sido encobertas no estudo quantitativo.

Assim, ao discutir as relações entre RS e comportamentos dentro de uma perspectiva mais processual e dinâmica (Jodelet, 2001),