• Nenhum resultado encontrado

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS RELATIVAS AO CORPO HUMANO

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS RELATIVAS AO CORPO HUMANO

O corpo humano pode ser definido como um organismo natural, um conjunto de órgãos que permite as funções necessárias à vida (Durozoi, 1996) e para além do seu caráter orgânico, caracteriza-se pelas representações individuais e sociais a ele associadas. O corpo configura- se então como uma matéria que se desenvolve segundo um programa genético predeterminado, em função de sua maior ou menor plasticidade biocultural. Resultado da interação de sua matéria genética com o ambiente sociocultural, o corpo é vivido como uma realidade simbólica, que é social e historicamente localizada e construída, envolvendo um conjunto de valores e representações, normas, preconceitos, convenções, tabus, tradições e rituais. Ele constitui-se de hábitos que são impressos em sua matéria por códigos, símbolos e linguagens culturais compartilhados no meio em que vivem (Andrieu, 2006).

Uma vez que se compõe a partir da interação de sua matéria biológica com o ambiente social, observa-se que há diversas representações do corpo, que passam pela medicina, biologia, arte, economia e pelo social (Andrade, 2003). Em cada uma dessas instâncias, como evidencia Ory (2006), o corpo normalmente é submetido à influência do movimento das sociedades, refletindo um determinado momento histórico do grupo social em que está inserido. Jodelet (1994) afirma que desde a Antiguidade o saber do senso comum, as concepções psicológicas enfatizadas nos textos médicos ou literários, os provérbios e os ditados populares; conferem um lugar importante ao corpo na percepção social. Desde os tempos mais remotos, a observação do corpo físico permitia a inferência de características da personalidade, traços de caráter e qualidades morais.

Ao mesmo tempo em que se trata de um dos objetos mais privados que possuímos, o corpo é o meio pelo qual se torna possível nossa interação social (Alferes, 1987). Nessa relação dialética, são construídas as RS ligadas ao corpo por meio de processos que consideram ao mesmo tempo experiências individuais e sociais (Jodelet, 1994), afetadas por papeis e valores sociais. Segundo a autora, RS podem ser manifestas pelo que é dito e pelas ações relativas ao corpo, por seus movimentos, suas expressões, bem como pelo papel atribuído à aparência nas relações sociais. Embora a interferência do corpo nas relações sociais permaneça perene, todas essas características são dinâmicas, tornando-o um objeto privilegiado ao estudo da psicologia social.

Além de mediar os processos de comunicação, envolvendo múltiplas formas de comunicação não verbal, o corpo é também uma superfície de projeção, com papel central nas trocas sociais. Ao explorar um objeto que traz juntos elementos naturais e simbólicos, privados e sociais e que ainda está imerso em um forte contexto normativo, pensamos que tal complexidade pode ser um terreno fértil para a expressão do pensamento natural, terreno de representações.

A partir de representações individuais e sociais, o corpo se configura como uma unidade somatopsíquica, que pode se construir e reconstruir. Não é inteiramente individual, nem estritamente social, mas resultado de uma construção simbólica e de uma invenção subjetiva segundo as percepções e as representações individuais e coletivas (Andrieu, 2006). O corpo é ao mesmo tempo objeto privado e social, sendo, em parte, elemento de uma experiência pessoal imediata. Por outro lado, ele é componente de um pensamento social, regido por sistemas prescritivos, evidenciadas nas cenas sociais (Jodelet, Ohana, Bessis- Moñino & Dannenmuller, 1982). Assim, o corpo torna-se um objeto privilegiado para se estudar a interação dos processos individuais e coletivos relativos às RS.

Na dimensão individual, salienta-se a relação que o sujeito estabelece com o próprio corpo. Esta se dá por meio da experiência corporal, referente a sensações dolorosas e prazerosas, exercícios e atividades diárias em geral. Essa dimensão vai ao encontro da noção de experiência vivida, proposta pela mesma autora (Jodelet, 2006). A experiência vivida do seu próprio corpo é modelada por representações que circulam no espaço social e afetada pelo pertencimento de gênero, que passa pela noção de papel social, sendo que todos estes elementos influenciam no conhecimento que as pessoas terão a respeito de seus corpos. A noção de experiência vivida, permite que se passe do coletivo ao singular, do social ao individual, sem perder de vista o lugar das RS nem suas diferentes formas de funcionamento (Jodelet, 2006). Insere-se também nessa dimensão a relação do indivíduo com seu ambiente, e o “papel” que o sujeito designa ao seu corpo, o que inclui imagem dele que é refletida nos outros (Jodelet, 1994).

As imagens construídas, bem como avaliações feitas, tanto em relação a si, quanto às outras pessoas, refletem um papel exercido pela aparência corporal. O corpo media as relações sociais, e ao mesmo tempo pode ser considerado como mediador do conhecimento que se tem de si mesmo e do outro. No estudo realizado por Jodelet (1994) constatou-se que três quartos das pessoas entrevistadas reconheciam uma manipulação

utilitária da apresentação física, que tem um papel no sucesso social, e é um modo de se relacionar e de se fazer aceito.

Novaes (2006) identifica as demandas contemporâneas do corpo como um status culturalmente definido, adquirido através da jovialidade, beleza, aparência de felicidade, e poder de atração sexual. Essas definições sociais, RS do corpo, difundidas por meio dos processos de comunicação, orientam as práticas sociais, moldam e definem os padrões corporais. O corpo pode então ser entendido como uma estrutura psico- socio-cultural, e funciona como um veículo simbólico, permitindo interação social (Piedras, 2012). As RS assumem um papel importante na elaboração de maneiras coletivas de ver e viver o corpo, difundindo modelos de pensamento e de comportamento a ele relacionados (Jodelet, 1994).

Observa-se nas últimas décadas a crescente valorização da estética do corpo e a utilização desta como meio de inserção social (Camargo, Justo & Alves, 2011). Esse processo potencializa-se pela mídia, que passa a ocupar um importante papel na disseminação de valores e padrões estéticos (Iriart, Chaves & Orleans, 2009; Novaes & Vilhena, 2003; Andrade, 2003). O “discurso da saúde” permeia também o corpo atual, que perpassa diferentes camadas sociais e acentua as consequências positivas do cuidado com este, ao mesmo tempo em que revela a aparência corporal como indicador de boa saúde (Iriart, et al., 2009). Em diferentes instâncias sociais evidencia-se a cultura do corpo magro, seja por questões de estéticas ou de saúde. E concomitantemente, também em diferentes culturas observa-se um aumento considerável da proporção de pessoas obesas ou com sobrepeso (Helman, 2009).

A temática do corpo, e mais especificamente dos fenômenos ligados ao aumento de peso da população, tem ganhado espaço nas políticas de saúde e nos discursos públicos. Ao considerar-se a complexidade e a multideterminação envolvida nesse objeto, considera- se relevante um aprofundamento a partir de uma interface da psicologia da saúde e da psicologia social.

3.4. SOBREPESO E OBESIDADE: QUESTÕES DE SAÚDE E