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1. ENSINO DE HISTÓRIA, EMPATIA HISTÓRICA E DITADURA CIVIL-

1.5. Em Síntese

Para sintetizar as ideias apresentadas nesse capítulo, nesse subtítulo serão apresentados os principais conceitos e a minha compreensão desses conceitos para essa pesquisa.

Marc Bloch, em sua obra “Apologia da História ou o Ofício do Historiador”, ensina que é recomendável que expliquemos os conceitos antes de utilizá-los, para evitar imprecisões (2001, p. 136-146). Assim, os principais termos e conceitos utilizados nessa pesquisa são empatia histórica, biografia, ditadura civil-militar, desaparecidos políticos e terrorismo de Estado.

Empatia histórica, entendida aqui conforme apresentado no item 1.1, onde é apresentado esse conceito a partir de Peter Lee, que defende a empatia histórica enquanto um conceito que dá sustentação ao conhecimento histórico. Esse conceito é entendido como um processo mental no qual os jovens buscam compreender os fatos do passado a partir da perspectiva do passado. Para isso acontecer, é fundamental o uso de documentos produzidos na época a ser estudada.

A empatia histórica se conecta à biografia, que segundo Rojas (2000), por ter um caráter descritivo, explicativo do personagem, o biógrafos devem pensa-lo a partir do contexto em que ele viveu, já que esse personagem não é uma marionete do contexto, pois há, ao mesmo tempo, diferentes personalidades. Mas sempre deixando claro que o contexto é sim determinante para a compreensão do indivíduo e de suas escolhas, pois elas são limitadas às disponíveis na época em que viveu.

Sobre isso, Schmidt (2000, 2012) argumenta que a biografia atual, diferente da tradicional, não busca apresentar modelos a serem seguidos ou não, mas sim problematizar o passado, compreender os personagens e o contexto em que viveram, bem como dar voz a personagens subalternos da história.

O recorte temático para a atividade realizada pelos estudantes foi a Ditadura Civil-Militar (entre 1964 e 1985). Por essa denominação, usamos como base René Armand Dreifuss (1981), que afirma que o regime político que se formou após o golpe de Estado de 1964 foi uma Ditadura Civil-Militar, uma vez que o processo golpista foi organizado e executado por grupos sociais civis e militares.

O termo “civil” também deve ser explicado, para não ser confundido com um amplo apoio de não-militares à Ditadura. Nessa pesquisa, de acordo com Campos, “[…] o elemento civil que compôs a ditadura brasileira era preponderantemente empresarial, havendo diversos agentes da burguesia brasileira que fizeram parte do pacto político estabelecido no pós-1964” (2014, p.35).

Os estudantes, a partir do recurso teórico-metodológico da empatia histórica, analisando documentos produzidos durante (ou sobre) a ditadura civil- militar no Brasil, escreveram biografias sobre presos e desaparecidos políticos. A Comissão Nacional da Verdade (2014) define o que seria um desaparecido, que é aqui entendida como aquele indivíduo que foi assassinado sob o poder do Estado, ou por terceiros que agiram com sua conivência, não bastando apenas o reconhecimento público e oficial por parte do Estado para que o mesmo adquira o estatuto de morto.

Essa definição vai ao encontro do que afirma o relatório Brasil Nunca Mais, que sustenta que:

A condição de desaparecido corresponde ao estágio maior do grau de repressão política em um dado país. Isso porque impede, desde logo, a aplicação dos dispositivos legais estabelecidos em defesa da liberdade pessoal, da integridade

física, da dignidade e da própria vida humana, o que constitui um confortável recurso, cada vez mais utilizado pela repressão (1985, p.260).

A Comissão Nacional da Verdade também traz a definição de desaparecimento forçado:

[...] Toda privação de liberdade perpetrada por agentes do Estado – ou por pessoas ou grupos de pessoas que agem com autorização, apoio ou consentimento do Estado –, seguida pela recusa em admitir a privação de liberdade ou informar sobre o destino ou paradeiro da pessoa, impedindo o exercício das garantias processuais pertinentes. O desaparecimento forçado exige a coexistência de três elementos: a) Privação da liberdade da vítima (qualquer que seja sua forma): todo desaparecimento forçado é caracterizado inicialmente pela privação da liberdade da vítima, seja ela legal ou ilegal, mesmo que por um período curto de tempo e realizada fora de um estabelecimento oficial [...].

b) Intervenção direta de agentes do Estado ou de terceiros que atuam com autorização, apoio ou consentimento estatal: caracteriza desaparecimento forçado tanto a conduta praticada diretamente por agentes públicos como a conduta realizada por particular ou grupo de particulares que atuam com autorização, aquiescência ou apoio estatal. Nessa segunda hipótese, levam- se em consideração indícios que permitem comprovar a participação de agentes estatais, por exemplo, na detenção prévia da vítima por membros das forças de segurança, na submissão da vítima a interrogatório em órgãos públicos ou no fato de os particulares utilizarem armas de uso exclusivo das autoridades oficiais.

c) A recusa do Estado em reconhecer a detenção ou revelar a sorte ou o paradeiro da pessoa: a recusa estatal em fornecer informações sobre a detenção e o paradeiro de uma pessoa – seja recusa formal, implícita ou explícita – resulta no elemento fundamental para a configuração do delito de desaparecimento forçado. É precisamente essa característica que diferencia, de maneira mais evidente, o desaparecimento forçado da conduta de execução. Por meio dessa negativa, o Estado consegue atuar clandestinamente, retirando a vítima de esfera da proteção da lei, impedindo que seus familiares e a sociedade como um todo conheçam a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento […]. (2014, CAP. 7, pág. 291).

A escolha por esses referenciais se justifica pelo fato de que, mesmo o Estado reconhecendo as mortes, a questão dos desaparecidos não está

encerrada, pois mesmo esse Estado pagando reparações financeiras, fornecendo ou corrigindo atestados de óbitos, a identificação dos corpos, o direito ao luto e aos rituais fúnebres, o esclarecimento dos crimes e os julgamentos dos responsáveis ainda não foram realizados.

A Ditadura Civil-Militar no Brasil fez parte de toda uma rede de regimes desenvolvidos pautados na Doutrina de Segurança Nacional. Assim, pode-se definir as práticas desses governos como Terrorismo de Estado, que, segundo Bauer (2006), é um conceito mais amplamente utilizado nas análises das ditaduras da América espanhola, sobretudo na Argentina, Uruguai e Chile.

Citando Miguel Bonasso e Gérard Pierre-Charles, Caroline Bauer apresenta a seguinte definição de Terrorismo de Estado:

Os regimes de terrorismo de Estado instaurados pelas ditaduras cívico-militares de segurança nacional do Cone Sul da América Latina podem ser entendidos como “[…] un modelo estatal contemporáneo que se veobligado a transgredir los marcos ideológicos y políticos de larepresión ‘legal’ (la consentida por el marco jurídico tradicional) y debe apelar a ‘métodos no convencionales’, a la vez extensivos e intensivos, para aniquilar a la oposición política y la protesta social, seaésta armada o desarmada.” Esses regimes podem ser considerados resultado direto do conflito ideológico gerado pela Guerra Fria, sendo a forma de terror aplicada correspondendo a “la máxima racionalización de los programas de contra- insurgencia, intervención militar y guerra sicológica […]” (2005, p.4).

Dessa forma, podemos entender o Terrorismo de Estado como um regime de violência, no qual o governo utiliza o terror como instrumento de governabilidade, silenciando as oposições. Um Estado terrorista é aquele que usa violência, mas não só dela, para intimidar ou coagir os cidadãos a aceitar sua ideologia.

Sobre isso, Padrós nos diz que:

A aplicação dos instrumentos da “pedagogia do medo” consolidou a “cultura do medo” e produziu e silenciou o silenciamento e o isolamento dos indivíduos. Nas experiências

de TDE [Terrorismo de Estado], a combinação de violência direta com violência irradiada produziu medo, temor, apatia e anestesiamento (2014, p.20).

As práticas de um Estado terrorista seriam

[…] o controle absoluto do governo e do aparato coercitivo do estado, através da destituição das autoridades e corpos representativos e submissão do Poder Judiciário; a desarticulação da sociedade política e civil, através da supressão das liberdades públicas, dissolução de partidos e organizações políticas; intervenção nos sindicatos e controle absoluto das universidades; controle e manipulação dos meios de comunicação escritos, orais e visuais; e, por último, ataque a grupos profissionais de relevância social, como advogados, jornalistas, psicólogos, professores, escritores e artistas (BAUER, 2006, p.31).

Dessa forma, após apresentar os principais conceitos utilizados para o desenvolvimento dessa pesquisa, bem como feito uma análise de dissertações e artigos de eventos de ensino de história, com temas próximos ao aqui desenvolvido, cabe ressaltar que minha pesquisa dialoga com outras no que se refere ao uso do documento na aprendizagem histórica. Porém, ela se diferencia das pesquisas aqui apresentadas por fazer a combinação entre ensino de história da ditadura civil-militar e biografias, usando como pressuposto teórico-metodológico a empatia histórica, também pelo protagonismo dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem.

A escrita biográfica, segundo o modelo historiográfico defendido aqui, tem a capacidade de se conectar com a empatia histórica no que se refere ao uso e análise de documentos primários. Também estão ligadas sob o âmbito dos personagens escolhidos para serem biografados.

A escolha desses personagens, desaparecidos políticos ligados à resistência à ditadura civil-militar, foi feita pela importância de se trabalhar com essa temática em sala de aula, bem como por oportunizar aos estudantes a construção de conhecimentos históricos sobre mulheres e homens que enfrentaram um Estado terrorista na história recente do país.

A sequência didática que apresenta a combinação de todos esses fatores e as mudanças de percurso até sua aplicação aos estudantes da educação básica serão apresentadas no próximo capítulo.

2. DA INTENÇÃO AO PROCESSO DE ENSINO: EMPATIA HISTÓRICA,