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TENSÕES FEDERATIVAS NO BRASIL PÓS-

3.4 Em síntese: tensões federativas no contexto brasileiro

Os novos arranjos institucionais que se estabeleceram no cenário federativo brasileiro pós-Constituição de 1988 tiveram influência tanto do desenho constitucional quanto da dinâmica das relações intergovernamentais. O desenho adotado pela CF/1988 impulsionou iniciativas do legislativo nacional no que se refere às diretrizes nacionais das políticas sociais, a exemplo da saúde, educação e assistência social. Estas, por sua vez, conduziram a iniciativas de coordenação federativa da União, combinadas com maior protagonismo dos governos municipais no contexto de tomadas de decisão federal.

O percurso analítico feito neste capítulo possibilitou observar que o federalismo brasileiro é resultante da dinâmica complexa de princípios constitucionais, arranjos institucionais e relações intergovernamentais, que se estabelecem entre o desenho federativo adotado pela Constituição e sua prática pelos governos e demais instituições federativas, que envolvem entre outros, um sistema de representação política desigual e pouco representativo dos interesses dos cidadãos; divisão de competências nem sempre compatível com as capacidades administrativas e financeiras dos entes; políticas sociais desenhadas nacionalmente e implementadas localmente; distribuição dos recursos por meio de mecanismos diversos que muitas vezes dificultam a coordenação federativa e geram tensões entre os governos, tanto na estrutura vertical quanto horizontal.

Tais mecanismos e processos são permanentemente tensionados e, ao mesmo tempo, determinam e são determinados pela dinâmica federativa, que envolve tanto a distribuição do poder e dos tributos entre os entes federativos quanto a negociação e a distribuição do poder entre as elites políticas do país. Em determinados contextos e situações, essa dinâmica pode garantir maior equidade, em outros, pode produzir novas desigualdades e dependências, pois fazem parte do movimento contraditório próprio das políticas públicas na sociedade capitalista. No caso brasileiro, as tensões próprias do federalismo têm se mostrado mais evidentes em virtude dos arranjos federativos que vêm se desenvolvendo na direção de maior equidade, vertical e horizontal, entre os entes da federação, uma vez que estes afetam estruturas de poder historicamente enraizadas, a exemplo do papel tradicional dos governos estaduais como mediadores das políticas locais e a concentração dos serviços públicos em determinadas regiões. Consequentemente, impõem desafios no desenho das políticas públicas direcionadas a impulsionar dinâmicas de oferta dos serviços públicos em localidades onde estes historicamente foram ausentes.

Se, por um lado, o desenho federativo adotado inicialmente pela CF/1988 mostrou-se limitado em determinados aspectos, a exemplo da divisão dos tributos, para a correção das desigualdades territoriais, por outro, a forma de distribuição das responsabilidades intergovernamentais e a descentralização de políticas sociais fundamentais, como saúde, educação e assistência social, conduziram a mudanças no próprio desenho constitucional, influenciando positivamente nas desigualdades. Como mostra Franzese (2010), o desenho federativo adotado pela CF/1988 e os princípios e diretrizes estabelecidas para algumas políticas públicas necessariamente exigiram a cooperação intergovernamental. Tais diretrizes conduziram, gradativamente, a novos arranjos político-administrativos no federalismo brasileiro, tais como o Fundef, a nacionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) e a expansão da atenção básica de assistência social com a implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que aumentaram a cooperação entre os governos e impactaram nas desigualdades territoriais.

Essa dinâmica expressa claramente que, no federalismo brasileiro, as políticas sociais têm exercido um papel fundamental não somente na ordem social e econômica vigente, mas também no padrão de relações intergovernamentais, conforme explicita Arretche (2015b), uma vez que estas foram as principais condutoras de maior regulação federal e uma maior participação dos municípios no cenário federativo. A descentralização da provisão dos serviços básicos, tais como a saúde e a educação, fez dos municípios espaço por excelência de construção de arranjos inovadores nessas políticas. Os mecanismos de accountability

incorporados em muitas das políticas sociais universais possibilitaram também maior participação dos cidadãos, expandindo os processos de coordenação federativa, ainda que limitados a políticas específicas.

O modelo de distribuição de recursos e responsabilidades entre os entes federados, as formas de divisão e de organização dos poderes de legislar, decidir e executar e o sistema de garantia de direitos sociais geram tensões próprias dos sistemas federais, que têm se expressado mais claramente no processo de formulação e implementação das políticas públicas nas duas

últimas décadas. Isto é evidente no uso reiterado do termo “tensões” por vários estudiosos do

federalismo brasileiro para se referir a situações ou contextos envolvendo questões complexas que desafiam e geram intensos debates entre atores e instituições sociais no processo de formulação e implementação das políticas públicas no Brasil.

O campo do financiamento da educação básica, desde a Constituição de 1988, mas principalmente, na última década, tem expressado largamente as tensões geradas pela dinâmica federativa, seja pela tensão entre o desenho constitucional e as relações intergovernamentais, seja pela tensão entre estes aspectos e as desigualdades entre as regiões, entre os estados dentro de uma mesma região ou entre os municípios dentro de um mesmo estado. No capítulo seguinte, apresentaremos essa dinâmica no campo das políticas públicas de educação, como requisito de contexto para a análise do objeto específico de nossa investigação – as tensões federativas na assistência técnica e financeira da União aos entes federados subnacionais.

CAPÍTULO 4

A DINÂMICA FEDERATIVA NO FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA E