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Relações intergovernamentais e arranjos institucionais no federalismo brasileiro pós Constituição de

TENSÕES FEDERATIVAS NO BRASIL PÓS-

3.2 Relações intergovernamentais e arranjos institucionais no federalismo brasileiro pós Constituição de

As relações intergovernamentais são compreendidas como importante componente da dinâmica federativa na literatura do federalismo, embora não sejam um fenômeno exclusivo das federações, conforme evidenciamos no capítulo anterior. Nesta seção, apresenta-se uma breve análise das relações intergovernamentais que se estabeleceram no cenário federativo brasileiro a partir da CF/1988, com o objetivo de compreender a dinâmica federativa que tomou forma a partir do seu desenho constitucional.

A abordagem conceitual já desenvolvida fornece diversas referências para o estudo das relações intergovernamentais em federações. Watts (2008), oferece três importantes elementos: (1) as dimensões das relações federativas (vertical e horizontal); (2) os processos envolvidos (negociação, cooperação, coordenação); (3) os mecanismos e arenas (formais e informais) para tomadas de decisão conjunta. Com base na literatura sobre o federalismo brasileiro, em especial, nos estudos de Abrucio (1998, 2007), Affonso (1995) Arretche (2012, 2013), Lassance (2012), Monteiro Neto (2014) e Rezende (1995, 2007), esta seção apresenta uma análise da dinâmica que se estabeleceu a partir das relações intergovernamentais pós- Constituição Federal de 1988, tendo os elementos destacados por Watts (2008) como norteadores.

No Brasil, a dinâmica das relações intergovernamentais tem grande influência do debate centralização-descentralização, o que tem, inclusive, levado muitos estudiosos a estabelecer o movimento pendular entre centralização e descentralização como marca do federalismo brasileiro. A literatura especializada mostra também que as relações

intergovernamentais na primeira década pós-CF/1988 foi marcada mais por barganhas e disputas do que por processos de cooperação e coordenação, os quais somente na década de 2000 foram ganhando mais espaço no cenário federativo brasileiro.

Entre o fim dos anos 1980 e durante os anos 1990, as relações intergovernamentais foram amplamente balizadas pelo debate da reforma administrativa e pela guerra fiscal, cuja maior expressão foi a disputa entre os governos em torno dos recursos tributários, em especial, a concorrência entre estados em torno do ICMS e o movimento municipalista por maior participação no bolo tributário. De um modo geral, a disputa se fez, principalmente, em torno dos que defendiam a descentralização de competências e os que defendiam descentralização tributária (REZENDE, 1995). Ambas as defesas foram muitas vezes tomadas como panaceia para os diversos problemas da sociedade brasileira, associadas à autonomia, à democratização, à maior qualidade e eficiência na provisão dos serviços públicos e ao controle social.

Nesse processo, a defesa por um sistema de repartição dos tributos e competências para a correção das assimetrias (vertical e horizontal) entre as regiões se entremeava com os interesses de grupos e partidos políticos, num jogo que envolvia disputas e barganhas entre o poder executivo federal e estadual e o poder legislativo nacional, conforme demonstrou Abrucio (1998). Assim, os interesses da federação nem sempre foram os interesses dos governos, prevalecendo muitas vezes a barganha político-partidária.

A “solução” do conflito se fez pela via do aumento das transferências

intergovernamentais, que se, por um lado, reverteu o desequilíbrio vertical na repartição da receita tributária nacional (a expensas da União), por outro, ampliou em muito os já graves desequilíbrios horizontais, em decorrência das dificuldades encontradas para modificar as regras de partilha dessas transferências, de forma que as assimetrias intra-estaduais e intramunicipais alcançaram índices injustificáveis nos anos de 1990. (REZENDE, 1995).

Ainda de acordo com Rezende (1995), a descentralização fiscal, pela via do aumento das transferências intergovernamentais levadas a cabo a partir da CF/1988, foi um mecanismo substitutivo da necessária mudança estrutural no sistema fiscal brasileiro, antes abdicada pelos constituintes. A autonomia financeira reivindicada tanto por estados, mas principalmente pelos municípios, foi a autonomia para gastar e não para instituir os tributos necessários para o

financiamento do gasto público. “[...] o corolário dessa atitude foi o afrouxamento do vínculo

de co-responsabilidade entre o cidadão-contribuinte e o poder público estadual e municipal,

gerando condições propícias à irresponsabilidade e ao desperdício”. (REZENDE, 1995, p.250).

O modelo adotado foi o de transferências intergovernamentais pulverizadas, movidas mais por acordos político-partidários do que por critérios eficientes de redistribuição, gerando

um grande desequilíbrio entre as demandas e a capacidade de satisfazê-las que, para Rezende (1995), resulta da extrapolação da função de compensação atribuída às transferências intergovernamentais que, neste caso, passaram a se constituir a principal fonte de recursos orçamentários da maioria dos municípios brasileiros, ou seja, na falta de uma reforma tributária consistente na direção da correção das assimetrias regionais, a maior parte dos municípios ficou dependente de transferências intergovernamentais para a provisão dos serviços públicos, o que se constituiu um importante mecanismo para o jogo de barganhas entre governos, que tem sido uma das marcas do federalismo brasileiro.

Affonso (1995), ao fazer uma análise das relações intergovernamentais evidenciadas nesse período, identifica três momentos: (I) o primeiro, ocorre já no final do Governo Sarney, com a tentativa de transferir encargos aos estados e municípios, que não vingou pela força contrária tanto do Congresso quanto de setores do executivo federal; (II) o segundo momento, ocorrido no início dos anos 1990, no contexto da crise fiscal, quando o governo federal iniciou

um processo de “descentralização tutelada” com a transferência de patrimônio e pessoal na área

da saúde (rede INAMPS) para os estados e municípios, mantendo sob seu controle o comando das transferências; (III) o terceiro momento refere-se a meados de 1990, marcado por duas posições em disputa: de um lado, o governo federal que reivindicava a recentralização dos recursos como necessária para assumir sua função coordenadora; de outro, os estados e municípios, exigindo a descentralização acompanhada de transferências automáticas e critérios predefinidos. O autor destaca ainda, neste terceiro momento, a “horizontalização” da disputa evidenciada na posição dos governos municipais, os quais exigiam as transferências diretas,

sem “mediação” dos governos estaduais, de forma a anular as barganhas políticas nesse nível

de governo.

Duas décadas depois da publicação do artigo de Affonso (1995), parece necessário acrescentar um quarto momento das tensões que se estabeleceram nas relações intergovernamentais no federalismo brasileiro após a CF/1988: o processo de recentralização da autoridade fiscal e política nas mãos da União combinado com o protagonismo dos municípios e a diminuição do papel dos estados nas relações federativas, cujo embrião está contido no terceiro momento identificado por Affonso.

De acordo com Lassance (2012), a restrição ou o alargamento das competências institucionais da União são demarcados temporalmente por uma série de conjunturas críticas nas relações entre as esferas governamentais e os poderes sob os quais se assentam a federação. A CF/1988 garantiu prerrogativas presidenciais para a concentração da autoridade decisória no governo federal em diversos campos, as quais estão assentadas em três pilares fundamentais:

“o poder de iniciativa legislativa do presidente; o poder regulamentar; e a estrutura de governança, tendo a Presidência da República como organização central”. (LASSANCE, 2012,

p. 25).

Nessa mesma direção, Arretche (2012), ao analisar as mudanças que ocorreram nesse contexto, afirma que o processo de expansão da autoridade decisória na União não representou uma ruptura com o contrato original de 1988.

Ruptura e continuidade estiveram presentes nas deliberações dos anos 1990. Ruptura em relação à autonomia subnacional sobre gastos, mas continuidade de um modelo de Estado federativo que confere autoridade à União para regular o modo como Estados e Municípios devem executar suas próprias competências sobre impostos, políticas e gastos. (p. 48)

Arretche (2012), ao não encontrar evidências de que teria ocorrido mudanças no padrão de iniciativa legislativa da presidência ou no comportamento dos parlamentares ao votar as matérias legislativas, que continuaram sendo fieis aos líderes de seus partidos e não ao partido dos governadores de seus estados, afirma que foram as condições institucionais garantidas na CF/1988 que possibilitaram a expansão da autoridade da União sobre os governos subnacionais, a saber: o poder conferido à presidência para iniciar legislação; a autorização para a União legislar sobre todas as matérias que dizem respeito à ação dos estados e municípios; poucas oportunidades institucionais de veto às minorias, ou seja, não há exigências de requerimentos especiais para a aprovação de matérias legislativas que afetem os interesses dos governos subnacionais; e a adoção de uma fórmula facilitadora para mudar a Constituição, ou seja, não exigiu supermaiorias para alterar a Constituição.

Portanto, em correspondência à análise de Bednar (2009), tais salvaguardas constitucionais garantiram condições institucionais para novos processos de negociação e

coordenação entre governo federal e governos subnacionais, de forma que “a partir de 1995, as

elites do governo central usaram estrategicamente essas oportunidades institucionais para ampliar a capacidade de regulação da União sobre as políticas de estados e municípios” (ARRETCHE, 2012, p.71)

Assim, entre os anos de 1990 e 2000, conforme observa Arretche (2012), Soares (2012) e Lassance (2012), tem-se uma reação centralizadora promovida pela União, com vistas a recompor sua autoridade decisória e capacidade fiscal, que haviam sido diminuídas com o processo de descentralização fiscal promovido ao longo dos anos 1980, que culminara com a reforma tributária da Constituição de 1988.

Essa reação teve impacto, sobretudo, nas finanças municipais e envolveu: a) aumento da carga tributária, prioritariamente, via contribuições não sujeitas à repartição com estados e

municípios44; b) criação do Fundo Social de Emergência (FSE), em 1994, transformado em 1996 em Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e depois (2000) em Desvinculação da Receita da União (DRU), permitindo ao governo federal usar até 20% dos recursos de determinados impostos e contribuições de forma livre; c) limitação da autonomia de Estados e Municípios para empreenderem gastos e endividamento, a exemplo da Lei Camata e da Lei de Responsabilidade Fiscal45; d) vinculação de receitas com gastos sociais, a exemplo das áreas de educação e saúde e; f) indução de gastos subnacionais com políticas sociais via transferências condicionadas, por meio de fundos especiais, a exemplo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e Fundo Municipal de Saúde (FMS).

Monteiro Neto (2014, p. 14) mostra que a criação de novas contribuições e o aumento da alíquota das já existentes elevaram significativamente a carga tributária total, que se expandiu de um patamar de 25% no início dos anos 1990 para 36% em meados dos 2000. O referido autor mostra ainda que nesse contexto,

A base de arrecadação federal formada pelo IPI e IR, que vem a ser de interesse direto dos estados, pois representa fração a ser transferida a governos subnacionais, perdeu importância relativa no conjunto da arrecadação tributária federal, tendo o conjunto das contribuições – as quais são de uso exclusivo do governo federal, não tendo que ser necessariamente transferidas aos governos subnacionais – adquirido importância maior. No ano de 2000, o IPI e o IR representaram conjuntamente 42,6% (ou 6,4% do PIB) da arrecadação federal (exceto previdência), ao mesmo tempo em que o conjunto das contribuições perfazia 41,7% (ou 6,3% do PIB) da arrecadação.

Em 2005, os impostos chegaram a apenas 39% da arrecadação (7% do PIB) e as contribuições a 47,4% (8% do PIB). Em 2010 já aparece uma reversão da importância das contribuições como geradoras de receitas em função do fim da cobrança de CPMF (em 2007), quando os impostos somaram 43,4% (6,6% do PIB) da arrecadação e as contribuições apenas 40,9% (6,2% do PIB) desta. (MONTEIRO NETO, 2014, p.16) Esse processo de recentralização das receitas nas mãos do governo federal possibilitou à União dispor de um conjunto maior de recursos para transferências voluntárias e discricionárias, levando o governo central a induzir, estimular e coordenar um ciclo de políticas públicas no território nacional. Porém, esse aumento das transferências intergovernamentais não significou necessariamente, pelo menos inicialmente, uma descentralização fiscal, mas a descentralização da gestão das políticas e dos gastos, conforme evidenciam Affonso (1995),

44 Entre as mudanças instituídas nesse sentido, destaca-se a instituição do IPMF e sua posterior transformação em

CPMF; a instituição da CSLL e a progressiva ampliação de sua alíquota e base de cálculo; ampliação da base de cálculo do PIS-Pasep; ampliação da alíquota do Cofins (ARAÚJO, 2005)

45 A Lei Camata (Lei complementar nº 82, de 27 de março de 1995) disciplinou os limites de despesas dos entes

federados com funcionalismo em até 60%. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000) disciplinou os gastos dos entes federados, sobretudo, com relação à despesa de pessoal, e limitou a capacidade de endividamentos das esferas de governo subnacionais.

Souza (2005) e Rezende (1995). Esse movimento de descentralização da gestão das políticas a partir de meados dos anos 1990 não constituiu um caso particular brasileiro, mas uma tendência na América Latina, impulsionada, em grande parte, a partir das orientações do Banco Mundial na perspectiva de uma reforma de cunho neoliberal. No Brasil, esse processo se iniciou no segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso, com a política de ajustes e estabilização macroeconômica, e foi ampliado no governo de Luís Inácio Lula da Silva, mas agora combinado com um maior protagonismo do Município no cenário federativo e o aumento das transferências da União vinculadas a gastos sociais.

Rezende (2007, p.58) resume a direção das relações intergovernamentais a partir de então da seguinte forma:

No tocante às exigências da macroeconomia, o foco das preocupações dirigiu-se para a necessidade de reduzir a rigidez das regras que definem o montante de recursos que o governo nacional deve transferir, a cada ano, para os governos subnacionais. No campo social, o pêndulo oscilou na direção de uma maior ênfase a políticas nacionais voltadas para a redução das disparidades de renda entre as pessoas vis-à-vis as disparidades regionais. [...] O foco no social foi acompanhado de dois movimentos paralelos: a preferência por políticas voltadas para a redução das diferenças de oportunidades de ascensão social e a maior interferência do governo nacional sobre os orçamentos subnacionais.

Portanto, a partir do fim dos anos de 1990, gradativamente, foi mudando a correlação de forças entre governo federal, governos estaduais e governos municipais no federalismo brasileiro. O modelo de retomada do poder político e fiscal pela União se fez combinado com a projeção do município (e a figura do prefeito) e um certo declínio de poder e margem de manobra dos governadores de estado, numa combinação de descentralização política com dependência financeira, indicando que processos de negociação se sobrepuseram aos processos de coordenação.

Nessa mesma direção, Monteiro Neto (2014) analisa que o processo de centralização da década de 2000, ainda que mantendo as bases do modelo de centralização anterior, tomou forma diferente, motivado, desta vez, pela necessidade de a União levar adiante a agenda de

montagem do “sistema de bem-estar brasileiro”. Tal tarefa, mais do que nunca, exigiu uma

combinação da centralização da autoridade fiscal e política nas mãos do governo federal com a descentralização da implementação das políticas. Tal processo não se desenvolveu sem tensões entre os entes federados. Na análise do autor citado, houve reações negativas dos governos subnacionais, principalmente dos estaduais, ao padrão de relações intergovernamentais que descentralizou recursos vinculados a políticas determinadas e concebidas pelo governo federal, deixando pouco espaço para que os governos subnacionais pudessem de maneira autônoma desenhar e implementar suas próprias políticas.

Observa-se, cada vez mais, uma influência de abordagens neoinstitucionalistas, na perspectiva das proposições de Inman (1997) e de Stiglitz e Walsh (2005), nos arranjos institucionais e no quadro das relações intergovernamentais que vão se configurando a partir dos anos 2000. Esses teóricos propuseram, em contraponto às proposições descentralizantes da public choice theory, um governo central mais forte, coordenador, indutor e regulador tanto do setor público quanto do mercado, bem como instituições e políticas desenhadas centralmente com sistemas de incentivos seletivos visando influenciar a agenda de políticas públicas dos governos subnacionais.

Assim, o governo central foi, gradativamente, assumindo a função de regulação e de coordenação federativa, impulsionando um novo quadro de relações intergovenamentais no cenário federativo brasileiro. Ao longo dos anos 2000, os municípios foram expandindo sua atuação no contexto federativo à medida que a União foi ampliando seu poder político e financeiro, amplamente amparado pelo seu papel regulador e formulador da macro-política social. Ao fim da década de 2000, a União já havia retomado plenamente seu poder regulador e de comando das políticas sociais, sendo a educação, a saúde e a assistência social as áreas que mais expressam essa direção. Nesse contexto, gradativamente o estado foi perdendo o seu tradicional papel de esfera mediadora entre União e Municípios no campo das políticas públicas. Porém, como ressalta Lassance (2012, p.28),

O declínio dos estados não foi absoluto. Tratou-se de perda de poder e de margem de manobra, se contrastada a sua situação com a de períodos anteriores. Os estados continuam sendo atores cruciais no arranjo federativo, dadas a sua influência na organização dos partidos, a sua relação com as bancadas estaduais na Câmara e no Senado e a sua importância nas eleições presidenciais

Contudo, em termos de relações intergovernamentais, na arena do poder executivo e no campo das políticas sociais, os estados tiveram sua atuação enfraquecida por conta de um conjunto de arranjos e incentivos seletivos incorporados paulatinamente no desenho das políticas sociais com foco no desenvolvimento local. Novos arranjos político-administrativos foram sendo gestados na perspectiva de uma relação mais direta entre União e Municípios. As transferências legais da União e, principalmente, as voluntárias, passaram a ser organizadas, preferencialmente, em programas com fins e beneficiários específicos, uma maior diversificação no formato e nos critérios de cálculo e de transferência dos recursos. Também passaram a ser acompanhadas de maior regulamentação, combinando maior indução e responsabilização, sobretudo no campo da saúde, da assistência social e da educação. Outra característica desses novos arranjos envolve o aumento das transferências por meio de repasses

automáticos não somente para os governos subnacionais, mas para escolas, universidades e pessoas beneficiadas (bolsa-família, bolsas de extensão, de estudos e pesquisas)46.

Assim como no novo formato de transferência por meio de programas federais, o protagonismo dos municípios também fica evidente na publicação do Catálogo de Programas Federais para os Municípios do Projeto Brasil Municípios do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, cujo objetivo é fortalecer as administrações municipais para o planejamento, a gestão, a avaliação e o monitoramento das políticas públicas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil (BRASIL, 2008d). O catálogo apresenta mais de 200 programas que envolvem transferências para os municípios, distribuídos em todos os ministérios e com orientações básicas de como acessá-los. Embora alguns programas sejam direcionados tanto aos estados quanto aos municípios, o catálogo evidencia o objetivo do governo federal em estreitar os laços com os governos municipais. Por outro lado, o foco nas Regiões Norte e Nordeste evidencia também a priorização dos municípios mais pobres e com menor capacidade de implementação das políticas públicas.

Essa priorização resultou, segundo estudo de Arretche (2015a), em aumento nas taxas de bem-estar – envolvendo renda e serviços essenciais – nos municípios do Norte e Nordeste no período que vai de 2000 a 2010, sobretudo, ao longo do governo Lula. Na avaliação da autora, a melhoria na oferta de serviços e de renda nessas regiões está fortemente associada a mecanismos de indução do governo federal, por meio do desenho de políticas sociais que visaram deliberadamente produzir tais resultados.

A relação mais direta entre União e Município fica evidente também na abordagem territorial, que passou a ser adotada em um conjunto de políticas do governo federal, voltadas principalmente para a diminuição das desigualdades inter e intrarregionais, com foco na valorização dos recursos e das especificidades culturais, sociais, econômicas e ambientais, a exemplo da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, do Plano Nacional de Turismo, do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais e do Programa Territórios da Cidadania47. Embora essas políticas integrem as três esferas de governo em sua gestão, suas ações e recursos incidem diretamente sobre o Município, isoladamente ou,

46 Nesses novos arranjos federativos, um conjunto de políticas sociais, tanto na área de saúde, assistência social,

mas principalmente, no campo da educação, passaram a ser desenvolvidas em parceria com os governos locais e as universidades públicas, em especial as federais, sendo a maior parte dos recursos direcionados para ações de formação, treinamentos e elaboração de material didático, pagas diretamente aos beneficiários em forma de bolsas. São exemplos dessas políticas: Programa Territórios da Cidadania, Escola de gestores, PRADIME, PARFOR. 47Para um conhecimento mais aprofundado das políticas federais organizadas a partir da abordagem territorial ver Silva (2013).

principalmente, em grupos organizados territorialmente, sob a forma de consórcios ou outros arranjos territoriais.

Silva (2013, p.112), ao argumentar em favor da abordagem territorial nas políticas públicas, enfatiza que esta permite: