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3. Metáforas e metonímias na língua especializada

3.6 Em torno do conceito de domínio

Arriscar separar metáfora e metonímia com base no conceito de domínio, quando a distinção entre domínios e subdomínios é insatisfatória e incerta (Taylor 1995; Barcelona 2003 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 53), é um dilema com que se têm deparado muitos linguistas, ultimamente. Na opinião de Croft (1993: 339 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 53), esta ideia ainda não foi propriamente esmiuçada. O único ponto que, na generalidade, parece persistir é a vaga noção de campo semântico, mas mesmo esse já foi alvo de inúmeras conceções, reforçando a urgência de uma maior especificação. De facto, se confrontarmos as definições de alguns autores, é inegável a multiplicação de perspetivas.

De acordo com Trier (1931 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 53), campo semântico indica uma sucessão de itens lexicais interligados através de relações paradigmáticas e sintagmáticas. Tais ligações semânticas caracterizam cada uma das palavras e diferenciam-nas do resto do grupo. Não obstante, talvez esta seja uma definição demasiado rígida para propor como modelo de domínio, visto o significado sofrer mais nuances do que aqui se imagina. Aliás, raramente, se é que acontece, os seus contornos são claros ou “puros”.

Já para Post (1988 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 53), Nerlich e Clarke (2000: 126 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 54), a língua, ao ser sistematizada, ajuda de certa forma a estruturar o pensamento. Neste sentido, as palavras que se enquadram no mesmo domínio ou esfera conceptuais são organizadas por grupos, representando o mundo aos olhos dos utilizadores de uma língua.

Do ponto de vista de Clausner e Croft (1999: 1 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 54), domínios ou estruturas conceptuais são construções da experiência. Neste plano, a organização interna das categorias comporta modelos e, no mínimo, relações taxonómicas (relativas à nomenclatura das descrições e classificações científicas, conforme o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

Seja como for, em qualquer uma delas a compreensão reclama um inventário pré- estabelecido das categorias conceptuais, bem como um protótipo da estrutura categórica, pois a categorização está na base do entendimento da metáfora e da metonímia, representativas da criatividade linguística. Interpreta-se então o alvo, acedendo a uma categoria conceptual já criada e ativada em contexto. Aliás, a metáfora até enriquece a rede semântica que associa estruturas e domínios conceptuais, base de conhecimento de qualquer falante de uma língua, independentemente da sua vertente, geral ou especializada. Enquanto recurso translinguístico, liga ainda a perceção visual à perceção mental. Deste modo, o entendimento de uma ideia passa pela sua visualização na nossa cabeça (Tercedor Sánchez et al., 2012). Visão, pensamento e discurso estão, por isso, todos encadeados.

Voltando a Croft (1993: 340 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 55), a autora adianta que um conceito pode não só ter várias dimensões ou subdomínios como pertencer a domínios diferentes, matrizes conceptuais independentes do ponto de vista cognitivo. Essa não sujeição a um único campo justifica, precisamente, o caráter pluridimensional da terminologia. Efetivamente, a distribuição dos conceitos na língua especializada por domínio ou dimensão particulares torna-se, por vezes, difícil (Bowker & I. Meyer 1993; I. Meyer & Mackintosh 1996; Bowker 1997 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 55), apesar de a própria linguagem na definição de um conceito ser bastante útil, pois o termo genérico ou nuclear aí contido atribui-lhe, de imediato, uma categoria conceptual, a qual irá integrar um domínio.

Quanto ao significado metafórico, o que tem de especial é o processo de que resulta para construir sentido (Croft & Cruse 2004: 194 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 57). De acordo com Temmerman (2000: 30 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 57), a compreensão da metáfora implica saber decifrar palavras. Tanto esta como a generalização são fruto da codificação, ligada à perceção analógica de novas categorias, por isso, à partida, o novo significado do nome ou termo conferidos ao conceito só pode ser verdadeiramente apreendido, uma vez conhecidos os modelos cognitivos e a sua articulação sociocultural, no fundo, o que está por detrás da designação.

Assim sendo, a metáfora não sobrevive como fenómeno isolado. O que dá coerência à estrutura conceptual é a rede de padrões metafóricos nos domínios especializados, destacando-se, na terminologia, a economia e a criatividade como alavancas das expressões metonímicas e metafóricas. Mas nada funcionaria sem contexto, absolutamente indispensável no que toca a situar o significado e as abstrações, mediante cenários concretos. Além disso, os usos contextualizados de um item lexical particular sempre fornecem pistas quanto à categoria em que se insere o conceito e revelam as especificidades de cada campo (Barsalou 2003 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 57). Por outras palavras, o contexto dá-nos o termo in vivo, ao esgotar todas as suas possibilidades semânticas, numa clara oposição ao termo in vitro (Dubuc & Lauriston 1997 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 57), limitado à análise composicional (Taylor 2006: 63 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 57). De facto, só indo a fundo no estudo linguístico, se poderá aceder ao conhecimento especializado e identificar padrões relevantes do uso metafórico e metonímico no domínio em causa. Sobre o enquadramento contextual, vale a pena salientar, por fim, a existência de espaços comuns entre conceitos pertencentes a domínios aparentemente distintos (Tercedor Sánchez et al., 2012).

É o caso de injetar (em medicina - introduzir líquido sob pressão, em economia - aplicar dinheiro); de capital (geograficamente - cidade sede de governo de um país, em linguagem económica - aquilo que constitui fundo ou valor, suscetível de produzir lucros ou vantagens); de administrar (em gestão - gerir/dirigir, na área médica - dar a tomar) e, num cenário de guerra: de defesa (no campo militar - ato de proteger ou proteger-se, na medicina - processo natural de o organismo resistir a agressões), de invadir (no exército - ocupar pela força, nas ciências médicas - penetrar em), de invasão (no primeiro caso - entrada violenta, propagação - no segundo), de ataque (nas forças armadas - investida/carga de arma de fogo, na saúde - manifestação declarada de doença) e, por último, de batalha (militarmente - combate/conflito armado, na medicina - lutar contra/resistir).

O aspeto conceptual, relativo à estrutura do domínio, dispensa, sem sombra de dúvida, informação vital acerca das unidades lexicais, cujo significado é interdependente, necessitando qualquer categoria lexical de outras para ser entendida, por isso, os domínios são estruturas profundamente organizadas que beneficiam do mapeamento conceptual, isto é, da projeção do

significado de redes conceptuais entre campos diferentes. Este cruzamento de mapeamentos, além de altamente produtivo, aumenta, de forma clara, o número de extensões metafóricas.

Quanto ao alcance da metáfora, abarca toda uma corrente de hipóteses, abrangendo os vários domínios-alvo em que seja possível recorrer a um dado conceito-fonte (Kövecses 2003: 80 apud TERCEDOR SÁNCHEZ et al., 2012: 59). Algumas delas são mais genéricas, outras ocorrem tipicamente em domínios particulares, pelo que aqui a escala da extensão metafórica sempre é menor. Importa ainda ressalvar que, no primeiro caso, a metáfora poderá variar em função da língua, sendo mais ou menos notória (river mouth em inglês, por exemplo, torna-se mais esbatida em espanhol - desembocadura e vem-se a perder no português, com foz), embora isso colida com o seu papel de tornar inteligíveis conceitos, à partida, opacos (Tercedor Sánchez et al., 2012).

Posto isto, podemos concluir que a presença das metáforas conceptuais e imagéticas, da mesclagem e da metonímia nos domínios especializados é um fenómeno comum, na base do qual são cunhados os termos técnicos.