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A Em vanas oportunidades 0 senhor deixou bem claro e patente

a influencia que sofreu de Paulo Emilio Salles Gomes. Chegando, inclusive, a afirmar que "as preocupayoes politicas que me transmitiu na mocidade ainda hoje talvez continuem no centro de minhas reflexoes". Em que circunstancias se deu 0 encontro entre 0senhor

e ele e qual a importancia das reflexoes de sse inte1ectual no panorama geral da cultura brasileira?

AC.- 0 Paulo Emilio Salles Gomes foi para nos urna personalidade

chave. Ele era urn rapaz excitado, filho de urna falll11iaabastada, que eu adorava, e que fazia 0que quisesse., Por exemplo, ele fundou urna

revista de esquerda, em 1935, chamada Movimento, em que ele inventou urn poeta chamada "Waigradham". E fazia poemas pessimos, dizendo que era urn poeta de origem polonesa. Ele entrevistou, nao

YOUdar0 nome, urn eminente escritor brasileiro daque1e tempo, daqui

de Sao Paulo, e perguntou se conhecia e0que achava de Waigradham.

E ele disse eu conheyo, e muito interessante, etc. Fez a mesma pergunta a Manuel Bandeira e Manuel Bandeira disse nao, nunc a vi, nem sei quem, nao foi na onda: pra mostrar 0espirito de mo1ecagem,

o espirito de criatividade. Paulo Emilio foi presQ em 1935, na Intentona. Fugiu da cadeia em comeyos de 1937, com urn bando. Caio Prado Junior estava la nao quis fugir. Eles fugiram. Ai ele foi embora pra Europa, ele era ligado aos comunistas daqui e la ele se ligou com os comunistas dissidentes, se ligou com 0pessoal anti-stalinista, mas

nao trotskista .. Ligou-se a urn grupo interessantissimo e a urnhomem desconhecido, que publicou sete artigos, chamado Andrea Calvi, filho de urna primeira bailarlna do Ballet de Sao Petersburg, do tempo do Imperio, com urn italiano. Foi amigo de Lenin, mas depois ficou horrorizado com a Russia, abandonou 0comunismo e tinha urna teoria

de urn socialismo livre. Pertenceu aquele grupo Giusticia e Libem. Entao 0Paulo foi discipulo dele. Paulo se ligou tambem a urn grande

trotskista, 0Victor Serge, ao PSOP ( Parti socialiste ouvrier paysan),

ele se ligou ao PODM ( Partido obrero de unificaci6n marxista ), dos exilados espanh6is, enfim a toda aesquerda nao conformista, a esquerda nao trotskista. Ele voltou ao Brasil em 1939,0 govemo dera anistia, ai voltou Jorge Amado, voltou todo mlll1do. Paulo Emilio era urn ano e pouco mais velho do que eu, tinha vinte e dois anos. Ele nos revelou urn novo mlll1do que foi 0cinema, e nos revelou urna posiyao de esquerda nao stalinista, nao trotskista, mas sem 0horror do trotskismo, porque naquele tempo trotskismo era sinonimo de delinqiiente e os stalinistas eram muito ignorantes, nao digo os intelectuais, nao sabiam nem falar, falavam troquitista. 0 Paulo Emilio nos levou a militancia, eu tinha entao vinte e quatro anos. Antes eu me considerava socialista, achava bonito, mas era inteiramente inconseqiiente.

AL- Sobre sua formayao, 0senhor fala em Jean Maugiie e de Roger Bastide.

AC. Sou discipulo de Jean Maugiie e de Bastide. 0 Jean Maugiie era urn tipo muito curiosa, porque era urn professor de filosofia que nao acreditava na Univ~rsidade, achava a Universidade uma palhayada, fazia troya dos colegas, nao fez doutorado lllll1Ca. Assim

que pode, largou 0ensino porque se alistou, fez a campanha pela OCUpayaOda Alemanha, foi heroi de guerra, pediu para ser diplomata. Mas foi urn de nossos mestres, mestres de Brasil. Eu gosto muito de contar meu exame de Geografia com 0professor Pierre Monbeig.

Ele tern urn livro sobre 0crescimento da cidade de Sao Paulo, sobre

o cafe. Eu, mocinho, era come yO de 39, sentei, ele perguntou pra mim : como se chama 0 vento que sopra depois das quatro da tarde no litoral suI paulista e que ajuda os pes cadores a pes car?

Eu: -Nao sei. - Como

e

que os caboclos jazem para preparar 0 jumo de rolo? - Nao sei. - A que sistema holograjico pertence

aquele morro que 0 senhor esta vendo pela janela? - Nao sei. -

Me descreva 0 Maci90 central da Fran9a.Ai eu: praaaaaa!... Sabia tudo, era assim que a gente aprendia naquele tempo. Ai ele disse: - 0

senhor niio tem vergonha de ignorarr as coisas mais elementares, mais concretos do seu pais, e saber 0 que niio the interessa absolutamente, que

e

0 relevo da Fran9a?

T.A. -

E

verdade, como 0 ref ere Celso Lafer, nurn ensaio muito

interessante sobre seu trabalho, que 0 senhor percebe a literatura

como a aventura da liberdade, e a politica como a ordem da igualdade?

AC.- Eu acho aquele ensaio do Celso muito percuciente, 0 Celso

percebeu perfeitamente a minha preocupayao dialetica. Ele diz que todo 0 meu personagem esta centrado em tomo da ordem e da

desordem, tese e antitese. Eu acho que ele tern razao, eu discuto muito com ele, ele e urn liberal e eu nao sou. Entao ele me acusa frequentemente, por exemplo de apoiar Cuba. Ele arranjou essa formula, que me parece boa: a minha aspirayao maior de liberdade se encontra na Literatura, enquanto que na politica eu procuro sobretudo a aventura da igualdade.

T.A- Eu acho born aquele artigo. A liberdade como possibilidade da diversidade dentro da igualdade.

AC.-

E.

0 Celso e urn grande talento. Foi meu aluno, ele fez urna parte do Curso de Letras. Foi 0primeiro ana em que ensinei, vim de

Assis e ensinei Teoria da Literatura para urna turma como nunca mais eu tive, nem teria, se recomec;asse. Nessa turma tinha Celso Lafer, Roberto Schwarz, Walnice Nogueira Galvao, Victor Knoll, Mariano Carneiro da Cunha, vosso patricio, que morreu precocemente e era urn orientalista, urn especialista em sanscrito e hebraico. Era urna turma fantastic a, nunca tive coisa igual, os trabalhos que e1es fizeram para mim, publicaram todos.