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A Minha Ultima pergunta: 0 senhor poderia nos falar urn pouco

sobre dona Terezina, essa personagem que tanto 0marcou, em Poc;os

de Caldas, e que the transmitiu sobretudo a afetividade socialista?

AC.- D. Terezina ...Preciso fazer forc;a para falar 0mais sintetico

possive1, porque senao falo ate 0 ano que vem. Dona Terezina era

urna das pessoas a quem mais quis bem na vida. Era urna velhinha, que digo velhinha, tinha sessenta e poucos anos, velhinho sou eu ... Nos a conhecemos em Poc;os de Caldas, em 1936, ela ficou logo amiga de minha mae. Nos moravamos aqui nessa esquina, andavamos cem metros, virava it esquerda, ficava a casa dela. Ela ia todas as quintas- feiras jantar la em casa e minha mae ia todos os dias, depois do almoc;o, na casa dela. Todas as vezes que eu descia it. cidade, passava la, na subida e na descida. Era urna mUlher fantastica, muito inteligente, muito culta, de urna vibrac;ao intelectual, urna capacidade de odio politico, tinha horror it.iniqiiidade. E urna bondade, urna generosidade, urna coisa extraordinana.

AC.- Ela nao se confonnava, por exemplo, que0socialista fosse rico

e fosse socialista. Osocialista IS a pessoa que tem que praticar na sua vida a distribuic;ao dos bens. Ela vivia no limiar da maior pobreza, vivia de dar aulas de italiano, frances, trica e croche. Morava sozinha,

tinha urna casa grande e alugava quarto para rapazes .. Ela dizia: "agora tem urn santo aqui em casa, eu acho ate que ele e meio socialista," 0

maiar elogio dela e que 0rapaz nao era namorador e era socialista.

Alugava para os rapazes, e foi assim que ela sobreviveu. As pessoas em POyos de Caldas ja sabiam: batiam na porta dela, pediam dinheiro, ela dava 0que tinha, se tinha cinco mil reis, dava, se nao tinha, dava pao, comida, coisa que 0valha. No dia seguinte ela ganhava outros

cinco mil reis. Entao, 0socialismo para ela era modo de ser, era

solidariedade, camaradagem, compreensao, senso de igualdade. A minha mae foi urna vez

a

casa dela, na hora do almoyo, e encontrou na cozinha ela almoyando com Tio Pedrinho e D. Darcy Vargas, a mulher do presidente da Republica, do ditador, que ia hi fazer estayao em POyos de Caldas. Dona Darcy ouvira falar nos tricos dela, foi la. Ela disse: -Ah, eu ia almo9ar, a senhora ntio quer almo9ar comigo?

- Ntio, ntio almocei, mas ... - Enttio venha pra cozinha. Entao tinha Tio Pedrinho, Tio Pedrinho era 0preto mais feio que ja vi em minha vida, parecia urn Quasimodo, era rachador de lenha. Tio Pedrinho entrou, ela disse: - Tio Pedrinho, venha, lava a mtio, senta

aqui. Esta

e

a senhora do presidente da Republica, esse

e

meu amigo Pedrinho. -Ah, muito prazer. A D. Darcy Vargas com Tio Pedrinho, 0rachador de lenha ... Para dona Terezinha a igualdade era

urna religiao, nao tinha esse neg6cio de mulher do presidente nao, todos os homens san iguais, e esta acabado. Isso e0que ela chamava

de afetividade socialista. Ela vivia de dentro a igualdade, eu aprendi muito com ela, E depois era urna pessoa que mostrava que0socialista

nao pode ser vaidoso, 0socialista nao pode ser egocentrico, de modo que0que eu aprendi com ela foi muito essa coisa etica. Eu, quando

vejo socialista pavao, fico apavorado

AL.- Bom, Professor, para finalizar, a nossa Semana, como the disse,

discute Literatura, Sociologia e Educayao. 0 que senhor diz para nossos estudantes e colegas da UFPE?

boa, porque para nos, professores, a Literatura e algo que nao pode ser apenas fruido, a Literatura e urn instrumento de educayao e cultura, usamos a literatura para formar os nossos estudantes, ela e urn extraordimirio fator de humanizayao. Evidentemente, para entendermos esse fator de hurnanizayao nos temos que enquadrar a Literatura e a Educayao no contexto social. Portanto, os dados que a Sociologia fomece, quando eu pense em Sociologia e educayao portanto, quando pense na funyao social da Literatura, ai a dimensao sociologica e fundamental. Contanto, todavia, que nos nao queiramos conduir dai que a literatura deva ser entendida apenas atraves da sociologia, e que a literatura so tern valor quando tiver urn valor moral ou didatico. Entao, ate eu diria para terminar 0 seguinte: e preciso

nao esquecer que a grande funyao social da Literatura e 0 grande

efeito hurnanizador que ela exerce, tanto pela forma quanta pela mensagem. Porque, geralmente nos pensamos que 0imp acto da

Literatura

e

a mensagem. Se eu leio urn romance, por exemplo, em que, vamos supor, a bondade e descrita de maneira convincente, aquele romance e urn romance que procura me transmitir urna mensagem: as pessoas devem ser boas. Mas nao e isso que faz 0 efeito fundamental da literatura, issopode ser feito de qualquer maneira, eo modo pelo qual0escritor faz isso. Enrno,0importante e que a literatura

estabelece em nosso espirito urn reflexo da ordem que 0 autor

escreveu. Porque 0mundo, para nos, e urna especie de caos. Literariamente, antes da Literatura 0mundo e urn caos, eu tenho

cavalos pastando, carroyas passando, marido batendo na mulher, :filho tomando a benyao do pai, presidente seudo derrubado, guerras. Isto e urn caos tremendo, eu nao entendo nada. Entao preciso escolher alguma coisa disso e formalizar. Quando eu formalizo, e a formalizayao que hurnaniza. Dou como exemplo, os proverbios: agua mole em pedra dura tanto bate ate que fura. Isso e uma formulayao rigorosamente formal. Sao dois setissilabos com acentuayao e que justamente porque sac setissilabos se gravam no meu espirito e me fazem ver a importancia daquela mensagem. Se eu disser, por exemplo, a pessoa que tiver urna certa tenacidade acaba sempre conseguindo

o que quer, is so tem muito menos efeito do que se eu disser agua mole em pedra dura ..., porque eu criei uma imagem, entre no dominio da metafora e a metafora se torna uma experiencia. Essa e a grande fortyasocial e educativa da Literatura. Por isso e que paradoxalmente, eu0digo em Literatura e Sociedade, 0estudo do social deve ser feito atraves do formal, e nao0contrario, 0estudo formal atraves do social.

Entao eu faria essa Ultima reflexao: depois de ressaltar a importfulcia da combinatyao, dentro da Universidade, e preciso uma precautyao teorica para impedir que nos queiramos dizer que a Literatura tem valor na medida em que ela reflete um aspecto da sociedade ...Ela tem uma grande funtyao educacional na medida em que ela e independente dela.

AL.- Professor muito gratos e mais uma vez apresentamos a homenagem da comunidade academica da Universidade Federal de Pernambuco.

AC.- Eu agradetyo, eu agradetyo. Fico muito satisfeito, inclusive porque, quem conhece 0que escrevo, sobretudo quem conhece um

primeiro livro meu, um livro de ciencia, 0 metodo critico de Silvio Romero, sabe a importancia que teve para mim a Escola do Recife. A minha formatyao foi feita em grande parte lendo Tobias Barreto, Silvio Romero, Clovis Bevilaqua, Arthur Orlando, AraripeJunior, e mais do que isso, lendo os mestres deles. Eu tenho uma formatyao um pouco antiquada, isso e facil de ver, nao gosto de novidades, essa coisa de estruturalismo, nao. Porque eu vivi no interior, numa casa de pais muito cultos, com uma excelente biblioteca. Meu pai, que era medico teve sua formatyao filos6fica nos livros ainda da Escola do Recife. Em casa, aos treze, quatorze anos de idade, eu lia Haeckel, Buchner. A Hist6ria da Cirayao, de Oswald Haeckel foi um dos livros que mais li, era a Biblia de Tobias Barretto, de Silvio Romero. Eu lia os Principios de Biologia, de Spencer, mau pai tinha tudo isso. Por isso, quando fui fazer tese, eu nao sou formado em Letras, eu tinha que escolher um assunto que eu conhecesse bem, tinha que fazer

is so em menos deurnano, escolhi Silvio Romero. E quanto

a

Parailla, eu deiurn curso que me pareceu bem bolado, chamado Realidade e Irrealidade na ficyao: urn semestre para a Realidade, urn semestre para a Irrealidade. Para a Irrealidade, eu estudei A Demanda do

Santo Graal, romance medieval, para mostrar onde

e

que estava a fantasia, aquela coisa de Fantastico. Para a dimensao da realidade estudei Fogo marta, de Jose Lins do Rego, depois publiquei pedayos de sse estudo Nesse Congresso da Paraiba os meus alunos apresentaram tesessobre vanos aspectos de Fogo Morto. Olivio Xavier dizia: 0 senhor Jose Lins do Rego e como 0gigante Anteu. Todas as

vezes que seus pes tocam na terra, ele faz grande literatura, quando saem da terra sai Euridice, Agila Mae, e ai, nao funciona.