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A emergência da inovação como foco da política de ciência e tecnologia no Brasil

A nova política brasileira de ciência e tecnologia: da promoção do conhecimento científico ao incentivo à inovação tecnológica

2.2. A emergência da inovação como foco da política de ciência e tecnologia no Brasil

2.2.1. A Nova Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – a “inovação” no governo Fernando Henrique Cardoso

Partindo do diagnóstico sobre as relações positivas entre os processos de capacitação tecnológica e o desenvolvimento econômico nos países centrais, o processo de reconfiguração da política brasileira de ciência e tecnologia, a partir de 2001, incorporou, praticamente sem mediação, o “modelo” de política de inovação desses países. Nesse sentido, a Nova Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação confere um caráter prioritário à consolidação do Sistema Nacional de Inovação, ao aumento da eficiência da inovação e à reforma do regime disciplinar/estatal de produção e reprodução do conhecimento, com especial ênfase ao incentivo à propriedade intelectual.

A construção desse sistema busca, por um lado, construir um “ambiente” favorável para que as empresas nacionais invistam em pesquisa, desenvolvimento e inovação e, por outro, aumentar a “eficiência” do investimento público/estatal em ciência e tecnologia, garantindo que ele tenha uma taxa maior de retorno econômico, sobretudo sob a forma de inovações.

O processo de formulação da nova política ganhou força, no âmbito do governo federal, durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando Ronaldo Mota Sardenberg era Ministro de Ciência e Tecnologia. Nesse período – 1999 a 2002 – o Ministério de Ciência e Tecnologia [MCT] criou um projeto denominado Diretrizes Estratégicas para a Ciência, a Tecnologia e a Inovação, cujo objetivo era, justamente, estabelecer novos objetivos para a ciência, a tecnologia e a inovação – essa última, recém incorporada como pauta56 – que

56 É interessante notar que em entrevista a mim no dia 11 de fevereiro de 2008, Cylon Gonçalves da Silva, diretor do projeto Diretrizes estratégicas para a ciência, a Tecnologia e a inovação do MCT afirmou que, até onde ele sabia, foi no Livro Verde de Ciência e Tecnologia, de 2001, que a palavra inovação apareceu, pela primeira vez, como centro de um documento oficial do Governo Federal. De fato, antes de 2001, falava-se muito em capacitação tecnológica, em transferência de tecnologia, em novas tecnologias, em modernização do parque industrial, em progresso técnico mas não se usava especificamente o termo inovação, pelo menos não sistematicamente. Assim, por exemplo, no Livro Verde da Sociedade da Informação, publicado no ano 2000, pelo

orientariam o seu desenvolvimento até 2010. Segundo documento do próprio MCT:

O processo de formulação de Diretrizes Estratégicas busca estabelecer o papel da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) frente às questões suscitadas pelas transformações econômicas e sociais do mundo contemporâneo e aos desafios que se colocam para o futuro, em particular a plena inserção da CT&I na agenda política e econômica brasileira, a otimização do esforço nacional nesse campo e o fortalecimento da posição do País na ordem internacional emergente. (BRASIL, 2002b; grifo meu)

A justificativa oficial do MCT para o projeto Diretrizes Estratégicas era a necessidade de inserir a ciência e tecnologia na agenda política brasileira, otimizando os esforços – sobretudo estatais – nessa área para, com isso, fortalecer a posição do Brasil na ordem econômica mundial. Podemos entender, portanto, que a política busca diminuir a distância que separa o país do centro do sistema econômico mundial conduzindo-o a uma posição “menos periférica”57.

O projeto se organizava da seguinte forma: as novas diretrizes estratégicas seriam formalmente definidas na Primeira Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada em setembro de 2001. O conteúdo das discussões da Primeira Conferência Nacional foi definido, em grande medida, pelo Livro Verde: Ciência, Tecnologia e Inovação, desafio para a sociedade brasileira (BRASIL, 2001), documento produzido pelo próprio MCT e lançado em julho de 2001, portanto três meses antes da Conferência, com o objetivo de “organizar” a discussão da conferência. O resultado desse processo foi apresentado no Livro Branco de Ciência, Tecnologia e Inovação lançado finalmente em 2002 (BRASIL, 2002a). A cronologia resumida do projeto Diretrizes Estratégicas para a ciência, a tecnologia e a inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia aparece descrita na tabela 2.2.

Da forma como o projeto foi estruturado, o Livro Branco de C&T&I (BRASIL, 2002)

MCT, a palavra inovação aparece apenas 10 vezes ao longo das mais de 230 páginas do documento. No Livro Verde de Ciência e Tecnologia, do ano seguinte, a palavra “inovação” já aparece 39 vezes só nas 15 páginas de introdução do documento. Já no Livro Branco, de 2002, a mesma palavra aparece mais de 220 vezes ao longo das 80 páginas de texto; o que mostra, em parte, a evolução do “consenso”.

57 Não deixa de ser surpreendente que esse projeto – que tem uma concepção explicita de desenvolvimento nacional – tenha emergido, inicialmente, no Ministério de Ciência e Tecnologia.

constitui o documento síntese da nova política de ciência e tecnologia a ser implementada pelo MCT não mais até 2010, como estava inicialmente previsto, mas até 2012 (BRASIL, 2002, p. 33). O “tom” do Livro Branco era, em linhas gerais, o seguinte: os exemplos dos países economicamente bem sucedidos mostram a necessidade de se investir não só em ciência e tecnologia mas, também, na sua transformação em produtos e serviços de valor econômico, ou seja, em inovação; nesse contexto, as políticas de “promoção da competitividade” são obrigatórias para sustentar o “crescimento e o desenvolvimento sustentado”; o Brasil tem uma grande capacidade científica, mas uma enorme dificuldade para transformar conhecimento em “fonte efetiva de desenvolvimento” ou seja, em inovação materializada em “bens e serviços” e é sobre essa dificuldade que deve incidir a ação do Estado, via política científica e tecnológica.

Tabela 2.2. Cronologia do projeto Diretrizes Estratégicas para a Ciência, a Tecnologia e a Inovação do MCT

Principais momentos do processo de elaboração da nova política de C&T Janeiro de 2001

Lançado o programa Diretrizes Estratégicas para a Ciência, a Tecnologia e a Inovação . O programa pretendia redefinir as metas e objetivos da nova política de ciência e tecnologia, incorporando a inovação como questão central.

Julho de 2001

Lançado o Livro Verde: Ciência, Tecnologia e Inovação, desafio para a sociedade brasileira. O documento incorporava debates realizados com a comunidade científica e com a sociedade civil e, sobretudo, incorporava a proposta do MCT para subsidiar a 1ª Conferência Nacional de C&T

Setembro de 2001

Realizada a [Primeira] Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. Foi o espaço de apresentação e discussão da proposta do MCT para a sociedade civil brasileira; incorporação de críticas e sugestões

Junho de 2002

Lançado o Livro Branco de Ciência, Tecnologia e Inovação. Documento síntese da nova política e suas diretrizes estratégicas (BRASIL, 2002a)

Fonte: BRASIL, 2001, 2002a, 2002b. Elaboração: própria

É importante frisar que esse diagnóstico – de que o país precisa, urgentemente, passar a transformar ciência em inovação – orientará a definição dos seis grandes objetivos da Política Brasileira de Ciência, Tecnologia e Inovação até 2012, apresentados na tabela 2.3.

Tabela 2.3. Os seis objetivos da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação até 2012, segundo o Ministério de Ciência e Tecnologia

Principais Objetivos da nova política de C&T

I) Criar um ambiente favorável à inovação que contribua para a competitividade das empresas e para o melhor aproveitamento da capacidade instalada em Ciência e Tecnologia de forma a acelerar os processos de transformação do conhecimento em serviços e produtos para a sociedade;

II) Ampliar a capacidade de inovação e expandir a base científica e tecnológica;

III) Aperfeiçoar, consolidar e modernizar o aparato institucional de CT&I. É preciso construir pontes para uma maior integração da política de C&T com as demais políticas setoriais, com o setor privado, terceiro setor, assim como a cooperação internacional;

IV) Promover a integração de todas as regiões brasileiras em tal esforço, fortalecendo-se suas oportunidades e possibilidades de usufruir dos resultados alcançados;

V) A conquistar uma base ampla de apoio para esta Política;

VI) Incorporar [a ciência, a tecnologia e a inovação] como elemento estratégico da política nacional de desenvolvimento;

Fonte: Livro Branco de C,T&I (BRASIL, 2002, p.49) Elaboração: Própria

O ponto central que sustentou a formulação da nova política foi o reconhecimento de que a construção de um Sistema Nacional de Inovação efetivo – o termo usado pela própria política era exatamente esse – deveria passar, necessariamente, pela tentativa de superar o “fosso” que separa o sistema nacional de ciência e tecnologia – o “pólo” produtor de conhecimento – e o setor industrial do país – o “pólo” consumidor desse conhecimento. Assim, a forte ênfase dada, pela nova política, à reforma institucional do sistema brasileiro de ciência e tecnologia deriva do reconhecimento de que a aproximação entre o regime disciplinar/estatal – ou seja, as universidades e institutos públicos de pesquisa – e o setor produtivo precisa ser incentivada de

alguma forma, sendo a reestruturação das instituições de ciência e tecnologia o âmbito privilegiado de ação do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Essa reforma apontou no sentido de incorporar o regime disciplinar/estatal a um sistema eficiente de inovação, ou seja, no sentido de incluir o momento da comercialização do conhecimento – o seu consumo efetivamente produtivo – como uma das funções das instituições estatais de pesquisa. Essa ênfase aparece em vários momento no Livro Branco de C,T&I de 2002, por exemplo:

A eficácia e a eficiência da Política Nacional de CT&I dependerão da existência de instituições – organizações, normas e práticas – adequadas tanto para o novo papel e a maior relevância que Ciência, Tecnologia e Inovação assumem para o desenvolvimento nacional, como para as novas direções em que essas estão evoluindo no mundo atual. (...) Quer-se acelerar um processo de transformação institucional, na área de CT&I, com base em um modelo de gestão sistêmica, para construir um arcabouço compatível com as exigências de um processo de CT&I capaz de dar respostas às necessidades do País. (BRASIL, 2002a, p. 33)

A partir de 2002, portanto, inicia-se todo um esforço no sentido de criar um novo aparato jurídico-institucional que promovendo a inovação, elevaria o país a uma posição mais privilegiada no sistema internacional. Esse aparato era pensando, justamente, como a consolidação do Sistema Nacional de Inovação. Não por acaso, dentre as nove diretrizes estratégicas estabelecidas pela Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – realizada pelo MCT em setembro de 2001 – a primeira e mais importante era a criação desse sistema, como mostra a tabela 2.4., que apresenta, em destaque, as três principais diretrizes da Nova Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação: consolidar um Sistema Nacional de Inovação efetivo; aumentar a competitividade das empresas nacionais, por meio da inovação e; ampliar o financiamento à ciência e tecnologia no país.

Tabela 2.4. As diretrizes estratégicas para a Ciência, a Tecnologia e a Inovação (2002-2012)

As DIRETRIZES ESTRATÉGICAS da nova política de C&T

I. Implantar um Efetivo Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

II. Promover a inovação para aumentar a competitividade e a inserção internacional das empresas brasileiras. III. Ampliar de forma sustentada os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação.

IV. Expandir e modernizar o sistema de formação de pessoal para Ciência, Tecnologia e Inovação. V. Ampliar, diversificar e consolidar a capacidade de pesquisa básica no País.

VI. Modernizar e consolidar instituições e procedimentos de gestão da política de Ciência, Tecnologia e Inovação e os mecanismos de articulação com as demais políticas públicas.

VII. Educar para a sociedade do conhecimento.

VIII. Intensificar e explorar novas oportunidades da cooperação internacional em Ciência, Tecnologia e Inovação.

IX. Ampliar a dimensão estratégica das atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação. Fonte: Livro Branco de C,T&I (BRASIL, 2002, p.49);

Elaboração: Própria

É interessante notar que foge ao âmbito de ação do MCT atuar diretamente sobre a promoção da competitividade das empresas nacionais mas, ainda assim, isso aparece como um dos objetivo da nova política científica. Para que esse objetivo se realize minimamente, o Ministério de Ciência e Tecnologia, ou melhor, aqueles que no e por meio do Ministério atuavam para promover a nova política terão que enveredar por dois caminhos: por um lado, empenhar-se para transformar tanto a inovação quanto o aumento da competitividade das empresas em pautas – nem que sejam pautas formais – de outros setores do governo; por outro lado, agir ativamente no âmbito que lhe cabe, ou seja, reformar o sistema nacional de ciência e tecnologia para que ele atue no sentido de aumentar essa competitividade. A tabela abaixo apresenta o conjunto das ações previstas pelo MCT para a construção do sistema nacional de inovação no Brasil:

Tabela 2.5. Detalhamento das ações para a construção do Sistema Nacional de Inovação segundo o Programa de Diretrizes Estratégicas para C,T&I do MCT

AÇÕES DETALHADAS para a construção do Sistema Nacional de Inovação

· Assegurar a disponibilidade de meios materiais e humanos compatíveis com as necessidades e a dinâmica dos processos de inovação

· Induzir e ampliar de forma significativa as parcerias entre o setor público e privado nos esforços de ciência, tecnologia e inovação

· Fortalecer mecanismos de interação, articulação e cooperação entre os elementos constituintes do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em especial a academia e a universidade

· Ampliar e otimizar a infra-estrutura de pesquisa, serviços e tecnologia industrial básica · Estimular o desenvolvimento de atividades de pesquisa nas empresas

· Criar novos mecanismos para facilitar a mobilidade dos pesquisadores entre empresas e instituições de pesquisa

· Estimular a adoção de redes de pesquisa e de serviços tecnológicos de âmbito nacional e regional, incorporando sempre que possível a dimensão virtual

· Promover iniciativas e ampliar a oferta de informação e serviços tecnológicos em apoio às pequenas e médias empresas

· Apoiar a criação e o fortalecimento de entidades tecnológicas setoriais

· Aprimorar o marco regulatório relativo à propriedade intelectual e o que regula as condições e incentivos à inovação, a exemplo da Lei da Inovação

Fonte: Livro Branco de C,T&I (BRASIL, 2002a, p. 50)

A primeira ação específica ligada à implantação de um sistema nacional – Assegurar a disponibilidade de meios materiais e humanos compatíveis com as necessidades e a dinâmica dos processos de inovação – já aponta, claramente, para o quanto a ênfase da política nacional passaria a ser, a partir de agora, “as necessidades do processo de inovação” .

A construção desse “sistema compatível com as necessidades do processo de inovação” passa pela reforma do sistema disciplinar/estatal. Não é por acaso que a maioria das ações aponta no sentido de alterar o marco jurídico-institucional da ciência no país, promovendo programas e iniciativas capazes de facilitar a articulação entre os diferentes atores do sistema de

inovação e, particularmente, aproximar a universidade da empresa. Dentre essas ações, destacam-se aquelas que visam aumentar as parcerias, como, por exemplo, a que propõem Induzir e ampliar de forma significativa as parcerias entre o setor público e privado nos esforços de ciência, tecnologia e inovação; e a que procura Fortalecer mecanismos de interação, articulação e cooperação entre os elementos constituintes do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em especial a academia e a universidade. Por outro lado, além do incentivo às parcerias, a reforma do sistema científico nacional – sobretudo do regime disciplinar/estatal – enfatiza o incentivo ao patenteamento dos resultados de pesquisa, e propõem: Aprimorar o marco regulatório relativo à propriedade intelectual e o que regula as condições e incentivos à inovação, a exemplo da Lei da Inovação.

A Lei de Inovação – aprovada em dezembro de 2004 – já era vista, em 2002, como um elemento essencial da nova política de inovação. Nesse sentido, afirma o Livro Branco de Ciência, Tecnologia e Inovação:

A proposta de Lei da Inovação, apresentada na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e colocada em consulta pública pelo MCT, representa avanço significativo na direção do estímulo à inovação. Trata da gestão das instituições científicas e tecnológicas, em particular a gestão de pessoal envolvido em pesquisa. A proposta contempla novas formas de contratação que favorecem a mobilidade de pesquisadores das instituições públicas de modo a permitir sua atuação em projetos de pesquisa de empresas ou para constituir empresas de base tecnológica. Estabelece, também, regras claras para a comercialização de inovações geradas com a participação de universidades ou instituições públicas de pesquisa, assim como para o respectivo compartilhamento dos direitos de propriedade intelectual entre pesquisadores, instituições de pesquisa e empresas. Propõe, ainda, novas formas de parcerias entre o setor público e privado, como a contratação ou encomendas ao setor privado de projetos de desenvolvimento tecnológico. Esse mecanismo, utilizado com grande êxito em países avançados, merece particular atenção pelo potencial de promoção de novos mercados, com menores custos e riscos de desenvolvimento para as empresas. (BRASIL, 2002a, p. 42; grifo meu)

2.2.2. A Lei de Inovação e a Política, Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – a inovação no Governo Lula

A Lei de Inovação pode ser considerada – pelo menos até agora – como a peça mais importante da reforma jurídico-institucional do sistema científico nacional em curso no país. Apesar de ter sido eleita uma das prioridades da Nova Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação durante o segundo governo Fernando Henrique Cardoso, a Lei só foi realmente aprovada em dezembro de 2004, ou seja, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva. É possível dizer, portanto, que o “discurso da inovação” é um dos pontos de continuidade entre os dois governos – ligados a partidos com programas políticos não só distintos, mas em muitos pontos, opostos – o que torna a compreensão da sua produção ainda mais importante.

Em termos gerais, o objetivo da Lei de Inovação é criar condições legais para diminuir a enorme distância que separa o sistema estatal de ciência e tecnologia e o setor produtivo. Para tanto, a lei age não só no sentido de facilitar a relação entre instituições públicas de pesquisa e empresas58 como, também, de incentivar que essas mesmas instituições públicas envolvam-se

diretamente no processo de comercialização de conhecimento – por meio do patenteamento e do licenciamento de novas tecnologias59.

A compreensão do conteúdo da Lei de Inovação é absolutamente central para a presente pesquisa porque ela altera aspectos importantes do funcionamento do sistema científico nacional – incluído, nele, o regime disciplinar/estatal – incorporando, assim, o projeto de reforma formulado pelo MCT até 2002 e implementado, partir de 2003, pelo governo Lula. Nesse sentido, o segundo capítulo da Lei, chamado Do estímulo à construção de ambientes especializados de cooperativos de inovação, regulamenta as parcerias e contratos de pesquisa da seguinte forma:

Art. 3o A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas 58 Capítulo II: Do estímulo à construção de ambientes especializados e cooperativos de inovação. (BRASIL, 2004a)

59 Capítulo III: Do estímulo à participação das instituições científicas e tecnológicas no processo de inovação (BRASIL, 2004a)

agências de fomento poderão estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo empresas nacionais, ICT e organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos e processos inovadores.

[...]

Art. 4o As ICT poderão, mediante remuneração e por prazo determinado, nos termos de contrato ou convênio: I- compartilhar seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações com microempresas e empresas de pequeno porte em atividades voltadas à inovação tecnológica, para a consecução de atividades de incubação, sem prejuízo de sua atividade finalística; II - permitir a utilização de seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes em suas próprias dependências por empresas nacionais e organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, desde que tal permissão não interfira diretamente na sua atividade-fim, nem com ela conflite.

[...]

Art. 5o Ficam a União e suas entidades autorizadas a participar minoritariamente do capital de empresa privada de propósito específico que vise ao desenvolvimento de projetos científicos ou tecnológicos para obtenção de produto ou processo inovadores. (BRASIL,2004a)

No mesmo espírito – de incentivo às parcerias com o setor privado e à transferência de tecnologia – o Capítulo III da lei, intitulado Do estímulo à participação das Instituições de Ciência e Tecnologia60 no processo de inovação, regulamenta a atuação das instituições

científicas estatais nos seguintes termos:

Art. 6o É facultado à ICT celebrar contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação por ela desenvolvida.

[...]

Art. 7o A ICT poderá obter o direito de uso ou de exploração de criação protegida. [...]

Art. 8o É facultado à ICT prestar a instituições públicas ou privadas serviços compatíveis com os objetivos desta Lei, nas atividades voltadas à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo.

[...]

Art. 9o É facultado à ICT celebrar acordos de parceria para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e desenvolvimento de tecnologia,

60 A lei de inovação define Instituição de Ciência e Tecnologia [ICT] nos seguintes termos:” órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico” (BRASIL, 2004a)