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3. ORDEM DO CAPITAL E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

3.2. Reestruturação Produtiva sob a forma da Produção Flexível

3.2.2 A Emergência do padrão de Produção e Acumulação Flexível: o ‘novo’ sol burguês

Inicialmente, gostaríamos de ressaltar que, sob os auspícios do Fordismo, as resistências por parte dos trabalhadores – latentes ou manifestas - à execução de um trabalho parcelarizado, fragmentado, repetitivo, cadenciado e controlado pela “gerência científica”, embora tenha conhecido consideráveis reduções, não deixou de existir. À medida que a novidade produtiva perdia seu ar de “neutralidade científica”, ou os mecanismos ideológicos de compensação objetiva e envolvimento ideológico deixavam de ser novidade, tais resistências diversificavam-se e intensificavam-se. Em seu ensaio “Americanismo e Fordismo”, Gramsci já apontava que a “adaptação psicofísica” ao ritmo de produção ditado pelo “produtivismo” exigia um especial consumo de energias musculares e nervosas, o que ensejava um “novo tipo de fadiga” física e psicológica (GRAMSCI, 1978).

Em 23 de agosto de 1973, o jornal The New York Times publicou um artigo em que denunciava claramente a crise das relações sociais de produção organizadas nos moldes do produtivismo. Só um exemplo: a empresa Fiat Motor Company, situada em Roma, tivera, numa segunda-feira 21.000 trabalhadores ausentes. Em dias “normais” as ausências ficavam em torno de 14.000 operários (SILVA, 1998).

Tal processo não passou despercebido aos olhos dos industriais e de seus técnicos e gestores da produção. O próprio Ford demonstrava grande preocupação com a persistência de “altos índices” de rotatividade da força de trabalho, absenteísmo e recusa. Assim, a rejeição por parte dos trabalhadores ao trabalho esmigalhado precisava ser contida. Além dos estratagemas adotados – analisados no capítulo anterior – a persistência de alguma forma de resistência ensejava o contínuo desenvolvimento de novos instrumentos

destinados a educar os espíritos, expandir e consolidar o americanismo, condicionando os trabalhadores ao máximo de docilidade possível. A “ciência da Administração” procura, continuamente, aprofundar a racionalização do processo produtivo, retirando dos trabalhadores o conhecimento e transferindo-o para a gerência.

Na ponta de lança da construção de novos aparelhos privados de hegemonia, a GM dá origem a uma nova experiência: o movimento de “Relações Humanas”. Trata-se da conhecida “Experiência de Hawthorne”, realizada na “Western Electric” em Chicago, em uma linha de montagem de peças de telefones, nos anos de 1927 a 1932. Aqui a “teoria da administração” ressalta a importância da motivação psicológica para a construção da lealdade dos trabalhadores para com a empresa. O objetivo é alterar a percepção que eles têm do processo produtivo, e por conseguinte da GM, apropriando-se de suas subjetividades e remodelando-as. Acerca dessa experiência, afirma FRIEDMANN (1981, p.268):

O “movimento de relações humanas na indústria” é pioneiro na defesa da utilização dos incentivos simbólicos como forma de estimulação e de condicionamento da conduta operária. Por exemplo, a Sala de Terapia de Tensões Industriais, constituída por uma equipe de psicólogos/conselheiros, tinha como função primordial assegurar uma organização que operasse sem atritos (smooth-working) e com o máximo de rendimento.

(...) Em termos claros, trata-se de passar das preocupações referentes ao trabalho deste operário ou daquela empregada (job factors) a preocupações que se não referem ao trabalho mas sim à personalidade do trabalhador (non-job factors). O operário, em lugar de sentir-se incompreendido e lesado, descobre-se vítima de circunstâncias cuja responsabilidade não é da Companhia.

Mais um passo importante havia sido dado pelo capital no sentido de descobrir novos mecanismos capazes de aprofundar o controle sobre o trabalho. Uma nova frente abria-se: psicologizar a produção, encontrando soluções para os problemas na esfera produtiva em outra realidade que não o chão da fábrica. Descobre-se a possibilidade de individualizar os problemas fabris, ajudando na desconstrução da identificação da empresa

com a exploração. Assim, os eventuais atritos seriam resultados de inadequações pessoais, despreparo emocional – passíveis de tratamento clínico, mas nunca da intensificação da exploração do trabalho pelo capital. Além disso, a permanência de psicólogos dentro da estrutura fabril soaria como preocupação, zelo e cuidado com a saúde dos trabalhadores. Desse modo, buscava-se desconstruir o crescente nexo entre produção capitalista e exploração e injustiça, dando ainda ao capital a certeza de que métodos produtivistas desprovidos de uma receita de integração social não podem atingir sua máxima produtividade. Quanto mais integrado a um grupo, conclui o estudo, maior a disposição do operário para o trabalho, maior a sua motivação e dedicação. Exatamente por isso, os elementos emocionais, não planejados e mesmo irracionais do comportamento humano passam a merecer atenção especial. Assim, tão importante quanto as contrapartidas financeiras seria a necessidade de reconhecimento e aprovação social, cujo impacto sobre a produtividade é sempre positivo. O que há de positivo – sob a ótica do capital – nesse estudo é a percepção de que o “clima organizacional” pode interferir diretamente sobre a produtividade. Contudo, pouca ou nenhuma atenção foi dada à necessidade de se reorganizar a estrutura organizacional, que no geral permaneceu a mesma, sem recriar novos mecanismos de gestão, novas táticas produtivistas.

É assim que, aprofundando as experiências do Fordismo e apropriando-se dos resultados da aplicação da psicologia ao espaço fabril, adequando-os às necessidades e realidades nipônicas, assistiremos ao desenvolvimento e à implantação, ao longo das décadas de 50 e 70 do século XX, de uma “nova” concepção de organização do trabalho. Sob a batuta de Taiichi Ohno, à época vice-presidente da Toyota, redesenhava-se o layout da fábrica, redefinia-se o fluxo dos processos produtivos, alterava-se a estrutura do consumo. Nasciam, condicionadas pelo desenvolvimento das forças produtivas e pela luta de classes;

as respostas à nova crise estrutural (GOUNET,1992; ALVES, 2000; ANTUNES, 1998, 1999) que se abatia sobre o capitalismo. O “velho” mais uma vez vestia-se de “novo”.