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Emissora Nacional: «antecedente e antítese da rádio de serviço público»

II. Serviço Público de Media

8. Serviço Público de Radiodifusão Sonora: o caso português

8.1. Emissora Nacional: «antecedente e antítese da rádio de serviço público»

Como já foi referido neste relatório, após um período de experiências, a rádio começou a desenvolver-se verdadeiramente em Portugal, já na década de 20. Depois de, inicialmente, ter causado alguma estranheza, o novo meio despertou também a curiosidade dos portugueses. Tornou-se, com isto, evidente a necessidade de o regulamentar (Santos, 2013a). Em 1930, o Estado resolveu, então, «encetar uma intervenção direta na radiodifusão, com a publicação de legislação que passou a regular a atividade» (Ribeiro, 2005:109). Para além disso, surgiu o interesse em criar uma rádio que fosse propriedade do Estado.

A rádio oficial foi criada, então, na década de 30, um pouco mais tarde do que noutros países da Europa, embora o processo tenha sido idêntico, com o meio rádio sob do controlo do Estado (Jeanneney, 1996; Meditsch, 1999; Santos, 2013a). As emissões experimentais da EN tiveram início na primavera de 1933 e, já nessa fase, era notória a atenção que a emissora dedicava à atualidade, bem como a preocupação em acompanhar os momentos mais significativos do regime (Ribeiro, 2005; Santos, 2013a).

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Depois do período experimental – em que, mais do que o conteúdo, importava transmitir o sinal, o mais longe possível e em boas condições de escuta –, a EN foi inaugurada oficialmente a 4 de agosto de 1935. No primeiro ano de emissão da EN, a programação consistia sobretudo em programas infantis, música gravada e executada ao vivo, palestras e noticiários. Nos primeiros anos, contudo, «os espaços informativos estavam longe de constituir uma prioridade» (Ribeiro, 2005:125). Também na década de 1930, nasceu a radiodifusão nas colónias (Gomes, 1999). Em janeiro de 1936, o presidente da EN, Henrique Galvão, demonstrou ao Ministro das Obras Públicas e Comunicações que o serviço de radiodifusão no país estava «bem longe de ser […] um serviço nacional» (cit. em ibidem:117). Isto tem que ver com o não-acesso a todos, com a cobertura no território nacional e nas colónias. Em Portugal, havia, inclusivamente, «regiões onde era praticamente impossível captar a estação de radiodifusão oficial» (Ribeiro, 2005:119). Por influência de Henrique Galvão, foi, nesse ano, reconhecida a «importância das emissões ultramarinas» (Santos, 2013a:33) e a EN passou a chegar, dentro dos possíveis, a todos os que estivessem quer na metrópole, quer nas colónias. Para além disso, verificou-se também uma melhoria na qualidade e um aumento da diversidade dos conteúdos emitidos na rádio oficial (Ribeiro, 2005).

Embora, a partir de 1936, o controlo político já se tivesse acentuado (ibidem), foi com as eleições para a Assembleia Nacional, em outubro de 1938, que se iniciou a subordinação efetiva da EN à ideologia do Estado Novo (Ribeiro, 2005; Santos, 2013a). A emissora era assim apresentada como «o instrumento ideal para fazer chegar a propaganda de Portugal a todos os pontos do Império» (Santos, 2013a:39).

Salazar, na verdade, não pretendia controlar os media tal como os regimes totalitários europeus (Ribeiro, 2005); queria, sim, manter o desconhecimento, manter as massas na ignorância: «pretendia antes que as massas não questionassem o percurso que ele, enquanto Chefe do Governo, havia traçado para o país» (ibidem:112). Salazar pretendia, desta forma, incutir nas pessoas as ideias defendidas pelo regime e evitar a difusão de ideais opostos.

Tal facto explica que não tenha sido aceite, no início de 1935, uma proposta de José Araújo Correia, apresentada na Assembleia Nacional (Gomes, 1999; Santos, 2013a). O deputado pretendia, no fundo, que a rádio difundisse conteúdos formativos e culturais. Queria, por outras palavras, que a rádio funcionasse como «um instrumento eficaz contra o défice de “educação cultural” e o analfabetismo» (cit. em Santos, 2013a:138), mas a sua proposta não foi

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implementada. Era percetível que as forças mais conservadoras do regime preferiam manter as pessoas na ignorância e no analfabetismo:

temiam que a alfabetização se transformasse numa forma de veiculação de ideais contrários aos do Estado Novo. Desta forma, grande parte do potencial que o novo meio de comunicação trazia consigo, como instrumento de desenvolvimento, acabou por ser rejeitado pelo poder político (Ribeiro, 2005:139).

A rádio oficial, «sempre fiel ao Estado» (Santos, 2013a:32), constituiu-se como meio e veículo dos valores pelos quais o regime ditatorial (se) orientava.

Depois de Henrique Galvão ter abandonado a direção da EN, seguiu-se-lhe António Ferro, em maio de 1941, tal como antes fora antevisto, em virtude de uma visível proximidade entre a EN e o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) (Ribeiro, 2005). O novo presidente da direção da EN e ainda diretor do SPN queria que a programação da rádio oficial «fosse, cada vez mais, porta-voz da ideologia do regime» (Santos, 2013a:42), como, de facto, aconteceu. Ferro defendia ainda que a programação da emissora oficial deveria ser «risonha, bem humorada, sistematicamente alegre”, combatendo “impiedosamente o soturno, o retórico, o melancólico, o tom chorão […] a lenga-lenga de certas palestras terrivelmente enfadonhas, soporíferas» (cit. em Ribeiro, 2005:240).

Entretanto, com mais funcionários e, apesar das dificuldades económicas, a EN foi sendo modernizada, ao nível do material (Santos, 2013a). Ainda antes disso, desde 1941, houve melhorias no que à cobertura do país diz respeito (ibidem).

Na década de 50, a EN cresceu e manteve-se ao serviço do governo e não das pessoas. Sílvio Santos lembra que, a par deste crescimento, foi também nos anos 50 que surgiu a televisão. Em Portugal, como nos restantes países, o novo meio despertou o interesse das pessoas e fez-se notar nas páginas dos jornais. A televisão, no caso, a Radiotelevisão de Portugal (RTP), nasceu, de resto, como resultado de estudos realizados pela EN. Sílvio Santos diz mesmo que nasceu «de uma costela da EN» (2013a:54); depois de uma fase experimental, em setembro de 1956, as emissões regulares da RTP tiveram início em 7 de março de 1957.

Nesse mesmo ano, foi promulgada a Lei Orgânica da Emissora Nacional, através da qual, o Estado pretendia dar à rádio oficial «os meios que lhe permitiam o cabal cumprimento das suas funções cultural, informadora, recreativa e estabilizadora» (ibidem:56).

Já na década de 60, marcada pelo «princípio do fim do regime» (ibidem:57), a EN deu grande relevância ao seu papel, enquanto unificadora do Império, mantendo-se, de resto, como arma de

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propaganda política do regime (Santos, 2013a). De facto, louvar a política do governo, bem como amplificá-la, era uma constante, transversal a toda a programação (ibidem).

Sílvio Santos (ibidem) regista também que, em Portugal, a partir da década de 60, houve um série de mudanças tecnológicas e socioculturais (a estereofonia e a FM, melhoras nas técnicas e suportes de gravação, entre outros), que, embora menos avançadas que noutros países, tiveram um impacto significativo na rádio.

Desta década, importa focar a ideia de Jaime Ferreira, recém-chegado à direção da EN, convicto de que «a estação oficial nunca deveria descurar o seu papel na correção do gosto do ouvinte. Para além de o número de horas de emissão para a metrópole ter sido aumentado e o serviço informativo ter sido reforçado, houve também uma tentativa de adequar os conteúdos àquelas que eram as preferências dos ouvintes, reveladas em inquéritos (ibidem). Apesar dessas alterações, «a imagem da EN junto da crítica era, pois, de estagnação e, também, de cinzentismo» (ibidem:76). Enquanto no Rádio Clube Português (RCP) e na Rádio Renascença (RR), havia possibilidade de implementar melhorias, ao nível da linguagem e inovação, na EN essas possibilidades eram significativamente menores, dado, em grande parte, ao controlo e autocontrolo inexistentes. Tal facto explica, em grande medida, que a emissora oficial tardasse em «modernizar o estilo, agarrada à linguagem escrita e aos extensos noticiários» (ibidem:77). Ainda assim, porém, aquando da mudança na governação do regime, de Salazar para Marcelo Caetano, «a leve abertura política permitiu que a Emissora Nacional lançasse programas que fugiam aos cânones habituais de informação» (Serejo cit. em Santos, 2005:139).