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A RDP enquanto rádio de serviço público

II. Serviço Público de Media

8. Serviço Público de Radiodifusão Sonora: o caso português

8.2. A RDP enquanto rádio de serviço público

À semelhança do que acontecera já na década anterior, não havia na EN espaço para experimentação, como acontecia no RCP e na RR. Isso, a par de um constante «afastamento da cultura popular internacional e de valores democráticos, em favor de um cinzentismo cada vez mais gritante» (Santos, 2013a:87), conduzira a uma perda de ouvintes e deixara cada vez mais clara a necessidade de a rádio reinventar-se.

A década de 70 pode ser vista como um período de grandes mudanças quer no país, quer na emissora estatal. A revolução de abril de 1974 pôs fim não só ao regime ditatorial que até então vigorava, mas também, de certo modo, à estagnação da rádio oficial. Da Emissora Nacional, e

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«após a turbulência dos primeiros anos da democracia» (ibidem:82), nasceu a Radiodifusão Portuguesa, ainda que não completamente livre da instrumentalização política.

Embora sem ter tido qualquer papel na revolução, a EN foi ocupada na madrugada do dia 25, sem que, no entanto, se registasse qualquer alteração ao nível da programação. Nesta altura, a emissora oficial estava ainda voltada para o entretenimento e mantinham-se também os espaços com maior carga ideológica, de apologia ao regime (Santos, 2013a).

A rádio estatal só ao início da manhã do dia 25 de abril foi silenciada. Depois, na altura do retorno da emissão, explica Sílvio Santos (2013a:92), «o momento é de algum desnorte interno, mas é também, de uma abertura e liberdade sem precedentes, ao nível do que se transmitia». A EN, bem como a RR, viveu tempos conturbados, de grande instabilidade, entre essa altura e o 25 de novembro de 1975: «foi mais de um ano de permanente crise, em que os ideais de liberdade anunciados pela Revolução dos Cravos ameaçaram dissolver-se numa mera substituição de uma ditadura decadente por uma outra de sinal contrário, mas de contornos mais rígidos» (Serejo, cit. em ibidem:93).

Depois do 25 de abril, impunham-se mudanças nos media, com o fim da censura. O importante, sentia-se na altura, era romper definitivamente com o passado: «Independentemente do caminho a tomar, houve momentos em que o que interessava era vincar a distância relativa ao que estava para trás» (Santos, 2013a:94). Uma forma de mostrar isso foi, talvez, a nova dinâmica que se viveu na EN, durante o PREC, marcada por grande criatividade nos conteúdos e particular destaque à informação, havendo inclusivamente um período de tempo em que a EN foi a única a disponibilizar informação.

Ainda antes de ser RDP, a EN passou «a arma da revolução» (ibidem:99). No fundo, continuava a formar a opinião pública, como qualquer media, mas de acordo com os valores da revolução. Entretanto, em consequência do 25 de novembro de 1975, quase todas as estações de rádio do país foram nacionalizadas. Criou-se, assim, a Empresa Pública de Radiodifusão (EPR), responsável por assegurar o serviço público de rádio e que incluía as rádios EN, os ENR (Emissores do Norte Reunidos), o RCP, a Rádio Alto Douro, a Rádio Ribatejo, o Clube Radiofónico de Portugal, a Rádio Graça, Rádio Peninsular, Rádio Voz de Lisboa e Alfabeta (Santos, 2013a). Fora da nacionalização ficaram apenas a RR e outras pequenas rádios. Após isto, o setor radiofónico em Portugal dividia-se, então, em dois pilares: o Estado e a Igreja (Santos, 2013a). A designação de Radiodifusão Portuguesa (RDP) surgiu meses depois, em fevereiro de 1976, substituindo a EPR. Embora a nova empresa revelasse preocupações que tinham que ver com

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autonomia e independência, mas também com pluralismo, Sílvio Santos atenta que a imagem da RDP se manteve presa à do passado, porque, na verdade, apenas se «misturou as rádios velhas» (Câmara cit. em Santos, 2013a:110), fazendo alguns ajustes – nada de muito significativo – na programação.

Com a nacionalização, a RDP adquiriu uma posição «dominante» (ibidem:116) no mercado. No final da década de 70, para além de quatro canais nacionais, cinco regionais e três locais, a RDP tinha também um canal internacional. Aproveitando este facto, bem como a sua posição no mercado, a RDP definiu algumas linhas de atuação, que eram, de resto, mais evidentes no Programa 1 (atual Antena 1): «reforçar a consciência política e cívica, consolidar a democracia, regionalizar, formar, informar e entreter, dirigindo-se a um público transversal» (ibidem:118). Não havia, contudo, uma linha orientadora ou uma política interna, que definisse exatamente o tipo de programação ou que, por exemplo, equilibrasse géneros.

Em 1979, registaram-se duas alterações que nos parecem importantes: se, por um lado, a informação se autonomizou, deixando de depender da direção de programas e da Comissão Administrativa, por outro, assumiu-se a dimensão comercial de dois dos canais do grupo, que constituíam, desde então, a Rádio Comercial.

Como já foi referido, mesmo após a nacionalização, a RDP não conseguiu livrar-se de imediato da instrumentalização política: «ao terminar a década, era evidente que, apesar de a RDP ter deixado de ser a rádio do regime, não se tinha ainda tornado numa rádio independente» (ibidem:121). Pressionada, tal como outros meios de comunicação, por grupos próximos de diferentes fações ideológicas, que tentavam controlar o grupo mediático, o processo de estabilização a este nível foi «lento» (ibidem:122). Sílvio Santos faz, aliás, uma associação – «As administrações da RDP sucediam-se ao ritmo das mudanças governamentais» (ibidem:123). A partir disso, reforçava-se, naturalmente, a ideia de que as estações públicas estavam subordinadas ao poder político, sendo veículo primordial das suas mensagens.

No início da década de 80, e sobretudo por incluir a Rádio Comercial na RDP, os canais do grupo dividiam-se praticamente em dois polos opostos: de um lado, a missão de serviço público, do outro, a lógica comercial: «entendia-se que o objetivo principal era a prestação de um serviço público de rádio, no entanto, a empresa poderia ter atividades complementares, ligadas à radiodifusão comercial» (ibidem:130). Aprovado em maio de 1984, o estatuto da RDP salvaguardava a autonomia e independência da empresa. Foi definida, ainda, a prestação do serviço público como sendo a principal missão da empresa. Ao nível da programação,

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destacavam-se preocupações que tinham que ver com o pluralismo, promoção da identidade e valores nacionais, bem como o incentivo à participação e debate crítico.

Face a um contexto comercialmente agressivo, a RDP viu-se dividida, de algum modo, entre as obrigações de serviço público e as seduções do mercado. Sílvio Santos, e já depois de algum desinvestimento da RDP na estação comercial, aponta a venda da Rádio Comercial, em setembro de 1992, como «uma das mais importantes mudanças estruturais na história da RDP» (ibidem:162). Depois disso, a RDP assumiu a missão de serviço público como sendo a sua principal atividade. Aliás, «a manutenção de uma rádio comercial dentro da emissora de serviço público nunca foi consensual» (ibidem:163), dado que ambas tinham, claramente, objetivos distintos. No caso da Rádio Comercial (RC), o lucro era o objetivo primordial. Aliás, «a importância das receitas e das audiências da RC» (ibidem:165) foi uma das principais razões a adiar a venda da estação.

No início de 1994, a RDP passou a sociedade anónima, com vista a melhorar a sua atuação, tendo em conta a missão de serviço público que tinha de desempenhar:

É nesse âmbito que são fortalecidos, estatutariamente, pilares do SP, como a independência. O Estado deixa de ter poder diretivo e tutelar, e passa à situação de acionista. Tratou-se do início de

uma mudança relevante. Isto porque o controlo político dos media públicos continuava a ser

denunciado (ibidem:176).

Também por isso, e com a venda da RC, a RDP faz uma alteração da programação, logo no início de 1994 e, já em 1996, aposta na informação: «A administração queria que a informação da rádio pública se tornasse uma referência de isenção» (ibidem:189).

Para além disso, surgiu, em abril de 1994, a Antena 3. O canal jovem da estação pública – dirigido a um público com idades compreendidas entre os 15 e os 40 anos – era uma aposta para reagir ao impacto que a venda da Rádio Comercial teve e para «combater o envelhecimento do auditório da RDP» (ibidem:190). Dois anos depois, em 1996, surgiu a RDP África, «enquanto canal autónomo e com uma programação diferenciada» (ibidem:193).

8.2.1. Política descentralizadora da RDP

O ano de 1984 marcou o «início da regionalização da rádio pública» (ibidem:145). A tendência descentralizadora era um objetivo da empresa e havia começado já, no final da década de 70, com emissões próprias a partir dos estúdios regionais, embora o processo se tenha

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intensificado, então, em 1984, ano em que começou, inclusivamente, a preparar-se a abertura de estações locais. As rádios locais públicas faziam, de facto, parte da tendência descentralizadora da RDP. Estas emissões de proximidade funcionariam como «complemento aos canais principais» (ibidem:151) do grupo, tinham produção própria e publicidade, devendo ser independentes e autossuficientes.

O objetivo da RDP, atenta Santos (ibidem:149), era desenvolver este processo descentralizador, e focar-se localmente»: «Para a rádio pública, a descentralização das suas emissões vinha “responder à necessidade sentida pelas comunidades locais de verem tratados os assuntos que diretamente lhes dizem respeito e de verem ser dada voz aos representantes que escolherem”» (ibidem:150).

Em 1994, porém, a empresa foi encerrando as suas rádios locais, ao mesmo tempo que ia tendo uma rede de correspondentes nas capitais de distrito, como até então não tinha. Os espaços de programação dos centros regionais também foram diminuindo progressivamente. Terminavam assim as emissões de proximidade, praticamente dez anos depois do seu início, por «razões económicas e de estratégia da empresa» (ibidem:153).