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CAPÍTULO II: MUSEU, MEMÓRIAS, IDENTIDADE, ENSINO DE HISTÓRIA

1. Construção de identidades e a consciência histórica no ensino de História

1.1. Empatia histórica no ensino da História

Em convergência com os estudos de Rüsen sobre consciência histórica no ensino da História, destacam-se os trabalhos de Peter Lee no Reino Unido, sobre consciência histórica e entendimento das ideias dos jovens sobre o passado. O pressuposto deste autor é de que os alunos precisam de compreender por que motivos as pessoas actuaram no passado de uma determinada forma e o que pensavam sobre a forma como o fizeram, mesmo que não entendam isto tão bem quanto os historiadores, sendo esta uma actividade mental que os alunos necessitam de exercitar para tornar inteligível o passado, a base para a construção da consciência histórica. Lee (2003), no seu estudo intitulado “Nós Fabricamos carros e eles tinham que andar a pé: compreensão das pessoas do passado”, salienta que “a consequência directa de os alunos não compreenderem o passado é que este se torna numa espécie de casa de gente desconhecida a fazer coisas ininteligíveis, ou então uma casa com pessoas como nós mas absurdamente tontas. É nesta perspectiva que surge o termo Empatia em História” (p.19). No artigo citado, o autor define empatia histórica – no âmbito da educação histórica - como a capacidade que os alunos têm ou devem ter em compreender as acções e práticas sociais através das ligações entre intenções, circunstâncias e acções.

“Não se trata somente de os alunos saberem que os agentes ou grupos históricos tinham uma determinada perspectiva acerca do seu mundo; eles devem ser capazes de ver como é que essa perspectiva terá afectado determinadas acções em circunstâncias específicas. Isto exige o uso da evidência para estabelecerem conexões entre as situações que as pessoas se encontravam, crenças e valores e as ideias sobre o seu mundo” (p. 20).

O conceito de Lee sobre Empatia histórica está assente no debate de Collingwood (1981) sobre a reconstrução mental do passado pelo historiador. Este, em virtude da reivindicação da História como disciplina autónoma com métodos e categorias próprias desenhou a sua própria imagem da actividade do historiador e substituiu a noção positivista por uma outra que considera pensamento, o conceito fundamental da investigação histórica. Assim, defende que, para que o historiador compreenda a verdadeira natureza dos acontecimentos históricos particulares é necessário penetrar no interior desses eventos e discernir os pensamentos dos agentes históricos em causa. O historiador tem de repensar em seu espírito estes pensamentos, o que acarreta uma reconstrução pessoal da situação em que os agentes se encontravam e o modo como a encararam. “A História do pensamento, e portanto toda a

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História, é a reconstituição, na mente do historiador, do pensamento passado. Não se trata de uma sujeição passiva aos encantos do pensamento de outrem; é um trabalho de pensamento activo e, portanto, crítico” (p. 68).

Lee (2003) concorda com o autor supracitado que a partilha dos sentimentos não faz parte da empatia histórica, embora possam aparecer de forma desvigorada. Isto porque a História é condicionada pelo conhecimento do passado reconstruído, não podendo ela recapturar a totalidade do momento do passado como ele foi vivido. Assim sendo, não se pode reviver o verdadeiro sentir das pessoas do passado. A compreensão histórica a esse respeito vem da forma como imaginamos o que os agentes históricos sentiram, sem nós próprios sentirmos. Portanto, o autor defende que a empatia não é sinónimo de simpatia.

O autor apresenta duas perspectivas para melhor entender a empatia: como realização e como disposição. Como realização - a empatia é a capacidade de saber o que o agente histórico pensou, quais os seus objectivos, como entendeu a situação e o poder de conectar esse pensamento as suas acções. E, como disposição, a empatia é a capacidade ou vontade de ter em consideração outros pontos de vista, o que implica reconhecer os motivos porque os agentes históricos agiram de determinada forma. Lee, no estudo referenciado, mostra-nos a imagem que os alunos têm sobre as pessoas do passado e as posições deficitárias que alguns alunos tendem a assumir em relação aos comportamentos e práticas do passado como remotas, de incapacidade ou idiotice.

O mesmo autor, na sua abordagem sobre literacia histórica, refere que enquanto os alunos continuarem com estas ideias deficitárias do passado intocadas, a História estará a falhar na sua principal missão e dificilmente se poderá dizer que os alunos começaram a compreender História. “Os estudantes possuem características mínimas da literacia histórica se construírem (…) uma imagem do passado que lhes permita orientarem-se no tempo” (Lee, 2008, p. 11).

Assim, para que o ensino desta disciplina tenha claramente utilidade e que os alunos possam afirmar-se historicamente letrados, Lee sugere que o ensino da História e a sua aprendizagem pelos alunos demonstrem sinais de respeito/honestidade pelas pessoas no passado - “empatia histórica” - ou preocupações para basear, fundamentar as afirmações históricas; e, principalmente, que os conhecimentos em História os apoie nas exigências da vida prática em termos de sentidos de identidade. Para isso, sugere que no ensino de História deve se evitar falar sobre o passado simplesmente como carências das coisas do presente:

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“A História é frequentemente tratada como conhecimento de senso comum: pensada como sendo apenas um tipo de conhecimento do quotidiano como o que temos acerca do presente, aplicado ao passado. Claro que nós podemos pensar o passado desta forma, mas se o fizermos assim, não estamos a pensar historicamente” (Lee, 2008, p.12).

O autor em referência desenvolveu a partir das suas investigações sobre a compreensão das pessoas no passado, desde a década de 1970, um modelo de progressão das ideias dos alunos em Empatia histórica (ou explicação intencional). A conceptualização dos alunos transita de ideias menos poderosas que podem conduzir a História a um impasse para as ideias mais poderosas que permitem a História continuar:

Nível 1- Tarefa explicativa não alcançada - a um pedido de explicação, a resposta é obtida através de descrições tautológicas ou reforçadas.

Nível 2- Confusão - há o reconhecimento de que as questões necessitam de uma explicação, mas não há forma de as acções, instituições ou práticas do passado fazerem sentido.

Nível 3- Explicação através de assimilação e deficit - quando confrontados com práticas complexas e perturbadoras que têm dificuldades em converter em algo reconhecidamente moderno, os alunos refugiam-se em explicações deficitárias. As pessoas no passado pensavam como nós, mas faltava-lhes a nossa esperteza e sensibilidade moral, e não podiam fazer o que nós podemos fazer hoje em dia.

Nível 4- Explicação através de papeis e/ou estereótipos – os alunos explicam o comportamento das pessoas do passado através de papéis estereotipados, geralmente estereótipos disponíveis. Nível 5- Explicação em termos da lógica da situação vista à luz do quotidiano/ presente – os alunos continuam a acreditar que as pessoas no passado deveriam pensar como nós e, embora não lhes reconheçam formas diferentes de pensar, não se contentam com as asserções estereotipadas, eles procuram detalhes da situação na qual as pessoas se encontraram para explicarem a acção dessas pessoas, ou seja, circunstâncias particulares da situação em que tiveram que intervir.

Nível 6 - Explicação em termos do que as pessoas naquele tempo pensavam: Empatia histórica - muitos alunos compreendem que as pessoas no passado tinham as mesmas capacidades para pensar e sentir como nós, mas não viam o mundo como nós o vemos hoje.

Nível 7- Explicação em termos de um contexto material e de ideias mais amplo - as ideias e valores das pessoas estão relacionadas com o tipo de vida que têm, e não são apenas opções individuais. Compreender isto envolve pensar sobre as condições materiais nas quais viviam,

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considerando o impacto que este facto tinha nos padrões de comportamento diários na sua forma de pensar e de sentir.

Segundo o autor, não se pretende com este modelo estabelecer uma espécie de “patamares”, no qual é suposto que as crianças se movam subindo de um degrau para o seguinte; as crianças podem oscilar de um nível para o outro dependendo do desenvolvimento das suas ideias, o contexto da situação de aprendizagem e do seu ambiente cultural. Portanto empatizar historicamente implica compreender os agentes históricos no passado, pressuposto fundamental para a formação da consciência histórica e, consequentemente, da construção de identidades.