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Empobrecimento da experiência como um problema atual a ser enfrentado pelo

CAPÍTULO 4 Os limites da experiência na contemporaneidade e as suas implicações para a

4.1 Empobrecimento da experiência como um problema atual a ser enfrentado pelo

O significado de experiência e a sua possibilidade, na atualidade, se tornaram um problema candente das discussões contemporâneas em filosofia ou filosofia da educação. Horkheimer, ao afirmar que a razão instrumental substitui a relação entre a razão objetiva e a razão subjetiva, realçou a impossibilidade de uma experiência completa e profunda ocorrer em uma sociedade administrada pelo capitalismo tardio. Horkheimer faz parte, da forma como entendemos, de uma tradição filosófica que entende não ser mais possível a experiência, no mundo contemporâneo49. Podemos observar um apanhado dessa noção em Larossa (2004), que assinala haver três importantes nomes do pensamento contemporâneo que fazem a defesa dessa corrente. O primeiro é o escritor húngaro Imre Kertész, para quem a experiência foi destruída e temos, em seu lugar, uma experiência falsa; sua referência é o nazismo e o estalinismo. O segundo é o filósofo alemão Walter Benjamin, para quem há um empobrecimento da experiência; ele se refere à volta dos soldados mudos, sem histórias para contar, na I Guerra Mundial. E, por final, o filósofo italiano Giorgio Agamben, para quem a impossibilidade de sermos alguém nos faz ser alguém fabricado por forças externas a nós; ele se refere à vida nos grandes centros urbanos, uma vez que a impossibilidade de narrar uma experiência significativa ultrapassou o campo de batalha, a guerra de trincheira, e alcançou as grandes metrópoles.

Por outro lado, vimos principalmente no primeiro e segundo capítulos, que Dewey fundamenta sua filosofia da educação na constante re-elaboração da experiência. Com o terceiro capítulo, argumentamos, em resposta à crítica ao pragmatista, no século XX, que

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Por tradição filosófica poderíamos dizer que se trata da “teoria crítica”, principalmente devido ao fato de o conceito de empobrecimento da razão ter sido desenvolvido por Walter Benjamin (1994). Todavia, nosso intento é demonstrar que alguns filósofos estão trabalhando com a possibilidade de uma impossibilidade ou um empobrecimento da experiência, independente da corrente filosófica, já que tentamos demonstrar que o próprio pragmatismo de Dewey, ao analisar o impacto da cultura industrial e do capitalismo monopolista, na sociedade norte-americana, indicou dualismos contemporâneos que desfavorecem a unidade da experiência, que empobrecem a experiência.

Dewey sustenta sua filosofia na experiência, não podendo ser confundido com um procedimento empírico, que o colocaria próximo do positivismo. Vemos que Dewey situa seu pensamento muito mais próximo de uma crítica contra o instrumentalismo da razão, que empobrece ou impossibilita a própria experiência e a realização de uma utopia democrática (CUNHA, 2001). Assim, o objetivo deste trabalho tem sido, ao longo de três capítulos, o de interpretar o conceito de experiência em Dewey e mostrar que a principal crítica feita a ele, no século XX, não se sustenta logicamente, porque, de acordo com Cunha (2001, p.111),

[...] a filosofia política deweyana abrange formulações que buscam transcender a ordenação social de sua época ao denunciar os males do capitalismo, ao desvendar o equívoco das concepções liberais de seu tempo e ao propor uma nova sociedade, a sociedade democrática.

Assim, a afirmação de que Dewey corroboraria a concepção da impossibilidade de se fazer experiência estaria muito mais em sua crítica ao dualismo social entre indivíduo e sociedade do que em um dualismo filosófico, ainda que eles sejam historicamente produtos um do outro. Contudo, a importância do dualismo social, para Dewey, repousa no fato de que a filosofia platônica, na qualidade de primeiro grande sistema dualista da filosofia, representou uma “muralha” social já presente na sociedade ateniense (ver Figura 1).

Nesse sentido, a pergunta que nos interessa debater, neste capítulo, é a seguinte: há alguma possibilidade de uma filosofia deweyana da educação, mesmo diante da denúncia de importantes referências da filosofia contemporânea sobre a impossibilidade da experiência e de sua narração, no presente?

A resposta a essa pergunta se justifica não como um avanço, uma antítese ou uma negação da impossibilidade da experiência. A impossibilidade da experiência, nos termos propostos nesta Dissertação, é o verdadeiro problema a ser posto à filosofia da educação de John Dewey, nos dias de hoje. É uma tensão atual em relação à racionalidade instrumental autoconservadora a ser debatida. O que justifica estabelecer o empobrecimento da experiência para tencionar com a filosofia da experiência de Dewey é a esperança; esperança de, uma vez já apresentadas as bases da filosofia da experiência e a pedagogia deweyanas, possamos tomá- las como uma alternativa, um convite a re-pensar, re-construir nossa própria experiência reflexiva, na contemporaneidade. A justificativa é também técnica, porquanto precisamos, dentro da estrutura prevista para o trabalho, explicitar o que é essa inteireza inclusiva da experiência, em John Dewey.

Segundo os estudos mais recentes sobre esse pensador, pode-se observar que a idéia de unidade da experiência, em dois casos que serão demonstrados, confere à experiência posta em crise um sentido menos absoluto, no presente. É a partir dos estudos atuais sobre Dewey que nos referimos a uma re-construção de nossas experiências, em termos de uma unidade da experiência. Estamos aludindo aos estudos desenvolvidos por Jim Garrison (2006a, 2006b), o qual interpreta o conceito da unidade da experiência em seu âmbito filosófico geral, e David Hansen (2005, 2006a), que a interpreta pela sua qualidade estética presente na poética, no âmbito do ensino. A inteireza inclusiva da experiência tem como morada a junção de aspectos de arte ou criatividade, de lógica ou investigação e de moral ou ação, na prática social, reconstruídos por Dewey. Eles constituem a chamada inteireza inclusiva da experiência, em um sentido menos absoluto do que aqueles desenvolvidos nas filosofias dualistas.

Portanto, ainda que, tanto na linha que segue o pragmatismo, quanto na linha que segue os teóricos críticos, haja um diagnóstico do empobrecimento da experiência, essas duas linhas filosóficas se diferenciam na questão da unidade. Há aqueles, como Dewey e seus intérpretes contemporâneos, no âmbito da filosofia da educação, que defendem a unidade da experiência com a razão, enquanto há aqueles que não vêem possibilidade dessa unidade, na prática estética, política, moral e escolar, como Larossa a descreveu, seguindo as indicações de Benjamin e Agamben. Dessa forma, mantemo-nos em tensão com o propósito deweyano a respeito da negação de todo e qualquer dualismo filosófico, em relação à “inteireza inclusiva” da experiência, e trataremos de duas interpretações da filosofia da experiência deweyana para a contemporaneidade.

Nesse plano geral do capítulo, veremos a influência de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) sobre o pensamento deweyano, na questão da unidade da experiência. Para tal, lançaremos mão dos trabalhos realizados por Jim Garrison. São eles: A teoria do

raciocínio prático de John Dewey (2006a) e The Permanent Deposit of Hegelian Thought in Dewey’s Theory of Inquiry (2006b)50. A respeito do trabalho de Garrison, afirmamos que é uma continuação do projeto deweyano, o qual atualiza o pensamento desse autor para os problemas do nosso tempo. No outro caso, veremos em quais termos David Hansen trata da poética no ensino, nos trabalhos: Uma Poética no Ensino (2005) e O Conhecimento Moral

como uma Meta da Educação: John Dewey (2006b).

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A tradução livre do título desse artigo é: “O depósito permanente do pensamento hegeliano na teoria da investigação de Dewey”.