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2. DIÁLOGO COM AS REFERÊNCIAS TEÓRICAS

2.4. Empoderamento freireano

De acordo com Baquero (2012), o conceito de empoderamento tem suas raízes fincadas no início da história moderna. E nesse período situa-se no contexto da Reforma Protestante (séc. XVI d.C) na Europa, como identificador de processos emancipatórios frente à concentração dos poderes vinculados ao papado, ou seja, o poder espiritual e o poder temporal. Frente ao poder temporal é que se rebelam muitos na Europa, pois consentir que o papado centralize todas as decisões políticas em suas mãos já não era aceitável, bem como com o advento da tradução das Sagradas Escrituras para dialetos locais, e seu impulso pela invenção de Gutemberg18- a imprensa – cunhou um sentido específico para o termo ―empowerment", qual seja o empoderamento de parte das pessoas no que tange a liberdade de expressão.

Baquero (2012), ao se referir aos usos da categoria empoderamento ao longo dos séculos, pondera que esse conceito, ora é compreendido no nível individual, ora no organizacional, ora no comunitário. Vejamos melhor tais considerações.

O empoderamento, quando aplicado à esfera individual do sujeito, é o mesmo que compreendê-lo no estrito espaço psicológico, espaço onde o indivíduo acrescenta a si mesmo condições – conhecimento, habilidades – de melhoria da própria existência, ou seja, a tomada das ideias de condução do próprio existir, liberdade frente às escolhas pessoais.

Já não é o mesmo quando aplicamos a ideia de empoderamento organizacional, ou seja, quando a organização delega ao coletivo de trabalhadores responsabilidades pela condução assertiva dos processos, que garantam melhor desempenho e ganhos de produtividade, tal como nos adverte Ball (2011), como veremos a seguir.

É nessa perspectiva que Stephen Ball (ibid.) trata da nova roupagem ao fenômeno gerencialista que seria uma alternativa à burocracia controladora da administração pública, vista como ineficaz e obsoleta. Fundamentado nesse

18 Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg, ou simplesmente Johannes Gutenberg

(Mogúncia, ca. 1398 — 3 de fevereiro de 1468) foi um inventor e gráfico alemão. Sua invenção do tipo mecânico móvel para impressão começou a Revolução da Imprensa e é amplamente considerado o evento mais importante do período moderno.1 Teve um papel fundamental no desenvolvimento da Renascença, Reforma e na Revolução Científica e lançou as bases materiais para a moderna economia baseada no conhecimento e a disseminação da aprendizagem em massa. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Johannes_Gutenberg. Acesso em 10/06/2015)

fenômeno, o padrão de organização recai nos indivíduos, limitando-se ao controle repressivo e permitindo que se revelem as potencialidades desses indivíduos motivados, de per si, pela preocupação em produzir com qualidade. Nesta direção, valoriza-se a atenção aos resultados, em detrimento dos princípios das ações.

Ball (ibid.) insiste que a transformação organizacional e cultural é de suma importância, pois o sujeito não exerce suas tarefas na direção do bem comum, mas espera alcançar unicamente o resultado esperado, para a obtenção de recompensas, o que confere à ação um caráter individualista. Aqui se estabelece o cultivo pela performatividade e pelo empoderamento que deslocam estruturas de desigualdade e diversidade social, criando um ambiente de competitividade. E daqui decorre a ideia de responsabilização dos sujeitos, no caso desta pesquisa, dos profissionais da educação.

O presente estudo assume o conceito de empoderamento comunitário, defendido por Freire e Shor (1986) e assumido na presente pesquisa. Ainda cabe ressaltarmos que o empoderamento pensado na esfera individual e ou organizacional colocam os sujeitos em isolamento frente aos outros, não que isso seja ruim, mas não é o que pode transformar a realidade social. Isso porque a conscientização envolvida no processo de empoderamento, defendido por Freire e Shor, e acolhido nessa pesquisa funda-se na atenta leitura de mundo, que afasta a ingenuidade e colabora com a construção de um diálogo crítico com a realidade, para que nela possamos agir e transformá-la. Em suas palavras:

Mudamos nossa compreensão e nossa consciência à medida que estamos iluminados a respeito dos conflitos reais da história. A educação libertadora pode fazer isso – mudar a compreensão da realidade. Mas isto não é a mesma coisa que mudar a realidade em si. Não. Só a ação política na sociedade pode fazer a transformação social, e não o estudo crítico em sala de aula (FREIRE e SHOR, 1986, p. 207).

Pois bem, para que possamos atingir melhor compreensão do real, vale trazer à tona a ideia de que somos, na medida em que o oposto se dá, ou, como diria Heráclito de Éfeso (540 - 470 a.C), filósofo grego, o universo é certamente formado por contrários. Assim, o outro é condição para a percepção do meu existir, do meu eu, do meu ser, ser este em constante transformação, num devir constante.

Não há possibilidade de sermos/existirmos em um individualismo abissal, mas sim sermos/existirmos na relação com outros sujeitos. Nesse movimento, relembro a

palavra de origem sul-africana – UNBUNTU19 – que significa ―eu sou porque nós somos‖. Por isso, corroboramos com a exortação de Freire (1986), quando em diálogo com Ira Shor (1986) suspende o assentimento à ideia de auto-emancipação pessoal como constituinte de empoderamento da classe social.

Mesmo quando você se sente, individualmente, mais livre, se esse sentimento não é um sentimento social, se você não é capaz de usar sua liberdade recente para ajudar os outros a se libertarem através da transformação global da sociedade, então você só está exercitando uma atitude individualista no sentido do empowerment ou da liberdade. (FREIRE e SHOR, 1986, p.135)

Segundo Baquero (2012), na visão freireana não é possível a percepção do empoderamento individual como objetivo a ser conquistado, mas sim como degrau que necessariamente deve abarcar um processo de ação coletiva, na interação entre indivíduos, que vise à transposição da consciência ingênua para a consciência crítica, de modo a desestabilizar as relações de poder na sociedade. Assim resume a autora:

Nessa perspectiva, o empoderamento, como processo e resultado, pode ser concebido como emergindo de um processo de ação social no qual os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a construção da capacidade pessoal e social e possibilitando a transformação de relações sociais de poder. (BAQUERO, 2012, p.181)

Conforme exposto até aqui, podemos notar quão fecundas podem se tornar as ações resultantes do processo de empoderamento freireano. Ações essas, que perpassam a necessidade de que o diálogo seja a ferramenta que incremente a emancipação dos sujeitos, bem como a percepção da intrinsecabilidade entre política e educação: campos esses que muito nos interessam e que já foi apontado em algumas pesquisas, durante a revisão de literatura, como eixos importantíssimos da formação de professores.

Pesce (2013) também refletiu sobre o conceito de empoderamento, assumindo a perspectiva defendida por Paulo Freire e Ira Schor (1986): como condição de processo emancipatório de uma classe social, destituindo o conceito de

19 Não por acaso, o sistema operacional construído em código aberto, fazendo frente ao hegemônico

empoderamento de um sentido que priorize o protagonismo e pró-atividade individuais.

Abarcando essa conotação, Pesce (2013) alinha o conceito de Cibercultura ao campo onde os sujeitos sociais, hoje, interagem e, nessas interações, podem promover transformações substanciais nos modos de ser/existir. Frente a isso, há a necessidade de enfatizarmos as condições, para que os indivíduos, em suas relações sociais, possam tomar consciência da própria existência. Para tanto, Pesce (2013) evidencia o letramento – condição de atuação cidadã – ante a própria historicidade constituinte e seu engajamento nas transformações sociais. Sendo assim, a autora estabelece uma relação entre Cibercultura e letramento. Nesse contexto, o letramento adquire adjetivação de digital e é encarado como condição

sine qua non, para que o empoderamento freireano se estabeleça como propulsor

da emancipação, nos dias atuais. Nas palavras da autora:

[...] não há como deixar de salientar o papel do letramento digital ao empoderamento dos grupos sociais contemporâneos. No âmbito das práticas escolares, se bem mediado pelos professores, o uso das TIC com essa intencionalidade em muito tem a contribuir [...] para que os professores consigam fazer a devida mediação, na integração das TIC às práticas curriculares, é preciso que recebam formação específica a esse fim [...] (PESCE, 2013, p.09)

CAPÍTULO III

A filosofia, apesar de não poder dizer-nos com certeza qual é a resposta verdadeira às dúvidas que levanta, é capaz de sugerir muitas possibilidades que alargam os nossos pensamentos e os libertam da tirania do costume. Assim, apesar de diminuir a nossa sensação de certeza quanto ao que as coisas são, aumenta em muito o nosso conhecimento quanto ao que podem ser; remove o dogmatismo algo arrogante de quem nunca viajou pela região da dúvida libertadora, e mantém vivo o nosso sentido de admiração ao mostrar coisas comuns a uma luz incomum.

3. DIÁLOGO COM O FENÔMENO OBSERVADO: PESQUISA DE CAMPO