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O EMPREENDEDORISMO , O AUTOEMPREGO E O EMPREGO PRECÁRIO NA RALÉ BRASILEIRA : EM BUSCA DA

4   A RALÉ BRASILEIRA: DE ONDE VEM, PARA ONDE VAI? 69

4.2   O EMPREENDEDORISMO , O AUTOEMPREGO E O EMPREGO PRECÁRIO NA RALÉ BRASILEIRA : EM BUSCA DA

Atualmente, o principal objetivo da OIT consiste em promover oportunidades para que mulheres e homens possam ter acesso a um trabalho digno e produtivo, em condições de liberdade, equidade e dignidade.

Juan Somavia (Director-Geral da OIT)

O desejo de ter um trabalho digno que proporcione dignidade e qualidade de vida é um desejo compartilhado por indivíduos de todas as classes sociais. No entanto, questões de ordens econômicas, sociais e culturais posicionam a ralé brasileira em uma condição de desfavorabilidade para o atingimento desse objetivo. O fato de a ralé brasileira ser desprestigiada no que se refere à economia dos bens simbólicos, dispondo de recursos escassos de capital

cultural, econômico e social, dificulta a na competição por melhores condições de trabalho e, consequentemente, de vida (BOURDIEU, 2005, 2007, 2010, 2013; SOUZA, 2003, 2006, 2009, 2010). Segundo Cacciamali (2001), os processos históricos e estruturais dos países em desenvolvimento não constituíram um mercado de trabalho devidamente organizado e ativo politicamente para estabelecer uma sociedade salarial. No caso do Brasil, isso implica que não há oportunidades de empregos formais suficientes para abranger toda a demanda social, o que faz com que os indivíduos busquem alternativas laborativas que lhes facultem os rendimentos necessários à sobrevivência. Para a oferta de empregos formais existentes, a ralé brasileira, competindo eventualmente com membros da classe média (nas ocupações mais prestigiadas), enfrentará o problema da carência de recursos simbólicos em relação a essa última, prejudicando sua colocação profissional em tais oportunidades formais de trabalho.

Em razão da carência da oportunidade formal de trabalho, a ralé brasileira atua, profissionalmente, em diferentes frentes, tais como: no empreendedorismo, no autoemprego e no emprego precário. O empreendedorismo tem duas motivações originais: o empreendedorismo por necessidade e o empreendedorismo por oportunidade. Siqueira e Guimarães (2006, p. 2) definem o empreendedorismo por necessidade como aquele gerado “[...] pela ausência de alternativa razoável de ocupação e renda, [enquanto o empreendedorismo por oportunidade é aquele gerado] pela percepção de uma oportunidade ou um nicho de mercado pouco explorado” (SIQUEIRA; GUIMARÃES, 2006, p. 2) . Conforme as autoras, há uma relação inversamente proporcional entre a taxa de empreendedorismo e a renda per capita de uma nação, de forma que, quanto maior a renda per capita, menor a taxa de empreendedorismo e, ainda, que o índice de empreendedorismo por oportunidade é elevado em tais nações. Essa não é a situação do Brasil que, em 2005, ocupou a sétima posição mundial no índice que mede a taxa de empreendedorismo de sua população, sendo que o índice de empreendedorismo por necessidade é significativamente elevado (SIQUEIRA, GUIMARÃES, 2006). Isso demonstra a fragilidade de nossa situação socioeconômica.

O desemprego e as más condições de trabalho são apontados pelas autoras como fatores relevantes de incentivo ao empreendedorismo em pequenos negócios, tais como o de feirantes (em feiras de artesanato e de outros gêneros), camelôs, pequenos lojistas, entre outros (CARRIERI, 2005, 2007; CARRIERI et al. 2011) que, em muitos casos, serão majoritariamente responsáveis pela renda familiar dos empreendedores. Um número significativo desses pequenos

empreendimentos permanecem na informalidade, devido ao peso da carga tributária, da burocracia governamental e dos encargos sociais. “Soma-se ainda o reduzido poder de negociação com fornecedores, clientes, órgãos públicos e lideranças políticas e a baixa capacidade de apropriar-se das economias externas [...]” (SIQUEIRA; GUIMARÃES, 2002, p. 2), contribuindo para a alta mortalidade desses pequenos negócios logo após os primeiros meses de sua abertura.

As diversas dificuldades por que passam os pequenos empreendedores da ralé repercutem em um fenômeno peculiar conforme demonstram Carrieri (2007) e Carrieri et al. (2011). Embora os pequenos empreendimentos da ralé se configurem como um negócio familiar, responsável, muitas vezes, pelo rendimento e ocupação de toda a família, seus fundadores não desejam que seus filhos os sucedam na atividade. Isto ocorre porque “[...] o status é bastante importante para os fundadores dos negócios, assim não desejam que seus filhos tenham as mesmas dificuldades e que sofram com as mesmas formas de violência, morais ou físicas, sofridas por eles” (CARRIERI, 2007, p. 88). A educação assume, nesse contexto, uma relevante oportunidade, aos

olhos da ralé, para que seus filhos trilhem caminhos profissionais diferentes dos seus e, em

especial, em atividades de status reconhecido pela sociedade.

Como nesta pesquisa tenho a ralé brasileira como objeto de estudo, é importante considerar que, para muitos de seus membros, o autoemprego será a sua estratégia ou opção empreendedora de sobrevivência por não terem condições ou interesse em abrir um negócio formal ou informal. Para alguns autores, conforme assevera Pamplona (2001), o autoemprego é uma alternativa promissora que favorece o desenvolvimento socioeconômico, em especial, de países periféricos como o Brasil, reduzindo a pobreza e o desemprego e estimulando a participação social, a autoconfiança, a independência e a liberdade individual. Essa perspectiva otimista é contraposta por outros pesquisadores que encaram o autoemprego como uma alternativa precária, que representa “[...] um sinal claro da deterioração do mercado de trabalho, isto é, do surgimento de formas mais instáveis, inseguras, precárias de emprego” (PAMPLONA, 2001, p. 24). Essa precariedade está associada à baixa remuneração, longas jornadas de trabalho e ausência de proteção social. Para Pamplona (2001), ante a escassez de emprego, muitos trabalhadores preferem se ocupar no autoemprego a permanecer na inatividade ou aguardar por nova ocupação formal de trabalho, afinal, necessitam sobreviver.

[...] uma caracterização mais específica deveria levar em conta que o auto- emprego é uma situação de trabalho na qual o trabalhador independente controla seu processo de trabalho, (atividade em si, matérias-primas, meios de trabalho); fornece a si próprio seu equipamento, o que permite que o proprietário dos meios de produção participe diretamente da atividade produtiva; sua renda não é previamente definida, pois dependerá de seu trabalho, de seu capital e da demanda direta do mercado de bens e serviços; seu objetivo primordial é prover seu próprio emprego (meio de subsistência) e não valorizar seu capital (acumulação de capital).

O autoempregado pode ser, portanto: empregadores, trabalhadores por conta própria, membros de cooperativas de produtores e trabalhadores familiares auxiliares (empregados domésticos). Nota-se que o autoempregado pode ser alguém de qualquer classe social, uma vez que profissionais liberais qualificados (administradores, contadores, médicos, advogados e engenheiros entre outros) podem ser autoempregados. A natureza do trabalho e, consequentemente, seu status social, é primordial na distinção do autoemprego característico das classes baixa, média e alta. Outro importante critério de distinção é o da formalidade/informalidade do autoemprego. “A constatação da forte associação entre subdesenvolvimento e auto-emprego urbano nos remete necessariamente para a discussão da informalidade ou do setor informal” (PAMPLONA, 2001, p. 135). Pamplona (2001) argumenta que um número significativo de autoempregados da classe baixa, ou seja, da ralé, está na informalidade e representa uma parcela considerável da força de trabalho urbana.

Antes de dar prosseguimento a este tópico, devo fazer uma observação a respeito da obra de Pamplona (2001). Este autor concluiu sua pesquisa no ano 2000 e, desde então, não a atualizou. Considero que as mudanças no cenário político, econômico e social, ocorridas após a defesa de sua tese, tornaram alguns de seus dados e constatações inválidas para a época atual. No entanto, no que tange a esta pesquisa, tomei o cuidado de fazer uso apenas dos argumentos não prejudicados pelas mudanças no contexto socioeconomico contemporâneo.

É oportuno distinguir o que trato por emprego precário. Maciel e Grillo (2009) defendem que a maioria dos brasileiros sustentam a visão ocidental de que todo o trabalho é dignificante. No entanto, as atividades profissionais distinguem-se umas das outras no que se refere à sua operacionalização e, substancialmente, no que se refere a seu status social, que diferirá, entre outras coisas, no valor econômico socialmente atribuído a cada trabalho.

Se o trabalho é mesmo central em nossa vida, como assim parece, este texto é um convite para uma reflexão sobre o que ele realmente é para uma parcela significativa dos brasileiros, ou seja, aqueles que possuem ocupações precárias, que chamaremos aqui de “trabalho desqualificado” (MACIEL e GRILLO, 2009, p. 241).

Por emprego precário, ou trabalho desqualificado, refiro-me às atividades profissionais desprestigiadas. Tais atividades são aquelas que a classe média e a alta avaliam como indignas de serem realizadas por elas próprias, incumbindo a ralé brasileira da realização dessas atividades. Entre tais atividades posso citar as de empregados domésticos (de todas as naturezas), feirantes, camelôs, garçons e garis entre tantas outras atividades que não exigem conhecimentos técnicos, escolarização, ou formação específica. Os empregos precários podem ser formais ou informais, no que tange ao respeito à legislação trabalhista. Pois, o que interessa é o valor simbólico atribuído a tais atividades profissionais perante a sociedade.

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