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CAPÍTULO II FORMAÇÃO FORMAL E EXPERIENCIAL

6. EMPREENDEDORISMO: UM FATOR-CHAVE NO SUCESSO

Fala-se muito hoje do agricultor como empreendedor rural, como profissional inovador, o que até há bem pouco tempo eram motes aplicados tão somente a outras profissões, urbanas em geral, ou com restrições aos grandes proprietários, aos fazendeiros e aos latifundiários do campo. Os pequenos proprietário rurais sempre foram chamados de colonos, termo portador de uma certa semântica pejorativa. Tanto é verdade que no dia 25 de julho se comemora o dia do colono, e foi criado no Brasil o dia do agricultor comemorado no dia 28 do mesmo mês. Este último comemorado pelos grandes. Coincidência, questão léxica, ou discriminação?

BASTIANI21 (1996, p. 5) reforça e amplia esta assertiva: “A imagem social corresponde à maneira como o grupo social de referência reconhece o agricultor. No meio rural não há distinção social significativa entre as pessoas pelo fato de serem ou estarem na condição de agricultores. Entretanto é no meio urbano que esta distinção se revela de forma mais acentuada, onde o homem do campo geralmente é visto pela sociedade urbana como: caipira, sem estudos, etc. Este tem sido justamente um dos aspectos importantes que pode explicar o fato de filhos de agricultores serem fortemente atraídos a abandonar a atividade agrícola”.

Talvez nunca como agora os agentes da agricultura familiar foram tão fortemente desafiados a assumir uma nova realidade, por hipótese até decorrente de todo um processo de globalização conforme falei em capítulo anterior, e que reforço agora nas palavras de SANTOS (1995. p. 13) “A globalização da economia e a abertura dos mercados aumentam a concorrência,

21 Professora visitante junto ao departamento de Administração da Universidade Estadual de Maringá,

doutora em administração pela EAEST/FGV, área de concentração: finanças e economia, tendo como objeto de estudo/pesquisa o Agronegócio, Agricultura.

72 ampliando os desafios e perspectivas para novos empreendimentos”. Está aqui a palavra que dá uma nova ótica à profissão e um mundo novo de responsabilidades na busca do sucesso, que joga o agricultor, como seu mentor, ante desafios de mudanças, inovações e criatividade: empreendedorismo. “Sem a menor sombra de dúvida o agente de transformação da realidade sócio-econômica no campo é o produtor rural. É ele que fará o uso das tecnologias disponíveis no processo de gerenciamento das atividades exploradas na propriedade rural. Entretanto, pouco tem sido estudada a questão do agricultor enquanto empreendedor levando em conta as suas características (BASTIANI, 1996, p. 2).

Isto posto, penso ser importante fazer esta abordagem sobre o empreendedorismo, pois ele caracteriza o dinamismo intrínseco de uma propriedade, preocupada com seu desenvolvimento pleno, incluindo as pessoas que aí residem e o seu relacionamento com o mundo exterior.

E as pessoas que fazem parte da mais numerosa categoria profissional no Brasil, não escolheram ser agricultores. Via de regra o processo se deu ao natural, pela inserção familiar ao meio rural. Nascidos e crescendo no ambiente campesino, os jovens e as jovens vão herdando o gosto pela terra, e aí acabam se fixando, de geração em geração, como é o caso da família do agricultor, cujo itinerário de vida estudaremos adiante neste trabalho dissertativo.

Antes de, propriamente, entrar para uma definição de empreendedorismo, gostaria de destacar o enfoque feito, a propósito deste tema, por VEIGA, que diz: “A dificuldade de se estimar o grau de empreendedorismo de um território começa pela fluidez da própria noção. E quando existe certo consenso sobre alguma definição de empreendedorismo, isto não significa que também haverá acordo sobre os indicadores que seriam considerados os mais significativos e confiáveis” (2001, p. 2) Na gama de fatores-chave que destacamos, e destacaremos mais ainda neste capítulo, servirão de pontos de referência para análise da trajetória de vida do agricultor selecionado.

Aproximadamente há duas décadas a discussão sobre empreendedorismo vem tomando conta de todos os setores. Hoje está presente em todas as agendas e discussões, em todas as camadas e diversidade de profissões, inclusive agrícola. Mormente neste caso, não pode o agricultor

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ficar de braços cruzados esperando pelo governo, pelos programas, pelos subsídios ou quejandos. Deve ir à luta com disposição, arregaçar as mangas e ocupar seu lugar ao sol, através de um trabalho planejado e diuturno. Esta visão harmônica e integradora faz com que ele, trabalhador rural, assuma uma nova condição, a de empreendedor rural. BASTIANI (1996, p. 4) é incisiva e acrescenta a isso, que “o agricultor, enquanto cidadão e empreendedor rural, é um agente econômico que assume ao mesmo tempo compromissos de ordem econômica, social, política e ambiental”.

Tudo que falei, neste capítulo do sucesso profissional, sobre os seus fatores-chave, indicadores, pistas, posturas para concretizar sonhos, características e variáveis, encontram um complemento nas características do empreendedor rural. Para NAMURA22 (2004, p. 1) “empreendedor é antes de tudo aquele que se dedica à geração de riquezas em diferentes níveis de conhecimento, inovando e transformando conhecimento em produtos ou serviços em diferentes áreas”.

Ela nos leva ainda a refletir que empreendedores de sucesso sempre existiram, pois todos aqueles que imaginaram coisas e as fizeram acontecer foram empreendedores do e no seu tempo. Mas ela tenta modernizar o conceito e “desta forma dizemos que empreendedorismo é a arte de empreender (de em + do latim prehendere: tomar, agarrar, apreender). O que nos dicionários encontraremos como: tentar, iniciar, fazer uma coisa, um trabalho de certo vulto. Para empreendedor encontramos sinônimos como arrojado, realizador, ativo... mas é claro que já temos uma imagem mental pronta para esta expressão”.

Por seu turno, AQUINO (2004, p. 1) lembra que empreendedorismo é um tema cativante, que está tomando conta da sociedade brasileira nos últimos anos. Diz ele: “Ser empreendedor é antes de tudo ser diferente em um sentido positivo e apaixonante”. E na mesma passagem, apelando para a máxima latina qui bene distinguit bene docet23, chama a atenção, pois “existe uma confusão reinante em nossa sociedade entre o que é ser empreendedor e o que é ser empresário. Empreendedor, para muitos (muitas vezes pessoas importantes e formadores de opinião), é simplesmente aquela pessoa que abre um negócio. Para mim [diz ele], este é o

22 Carmen NAMURA é psicanalista, palestrante e personal coacher. 23 “Quem distingue bem, ensina bem”.

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empresário. O empreendedor é muito mais do que isso, mas, muitas vezes, nem precisa ser isso. O empreendedorismo está intimamente ligado a uma realização pessoal e profissional”. Todos os seres humanos fazem uso dos cinco sentidos. Aliado a esses cinco sentidos, existe muitas vezes adormecido dentro de nós um sexto sentido, que, no dizer de AQUINO, “quando despertado faz com que nos tornemos cientes dos nossos sonhos e das oportunidades à nossa volta, e que nos compele à realização pessoal e profissional. Esse sexto sentido tem um nome: Empreendedorismo”.

SZTAMFATER24 (2003, p. 1) acrescenta um novo ingrediente ao empreendedorismo como forma de melhor diagnosticar em que grau de intensidade ele se manifesta nas pessoas. Trata- se do seu caráter inovador. “O que normalmente não percebemos, porém, é que a inovação não se dá necessariamente com a criação de algo novo e impensado, e sim com a atribuição de uma nova perspectiva a algo já existente”. E continua: “Se passamos a encarar a inovação como uma possibilidade ao alcance de qualquer um de nós, podemos entender então que, nos negócios, a inovação não é um diferencial, e sim uma questão de sobrevivência”.

Vimos acima que o sucesso profissional está no acalanto dos sonhos, para transformá-los em realidades. Já o empreendedor dá um passo a mais e transforma sonhos em resultados. Dentro desta ótica coloco o empreededorismo como fator de transformação. Falamos acima do sexto sentido, e com razão, pois o caráter inovador não subsiste no abstrato e sim com práticas e valores pessoais, que redundam em resultados. E resultados são mensuráveis. Logo, fazendo uma comparação, o objeto de estudo do empreendedorismo não é a propriedade do meu agricultor pesquisado, mas a pessoa dele como indivíduo empreendedor, responsável pela sua pequena empresa rural no âmbito de sua gestão total.

Fernando DOLABELA25, pioneiro no estudo da área, em sua obra O Segredo de Luísa, descreve em linguage de romance, embora seja um livro técnico, o processo essencialmente

24 Tânia SZTAMFATER é Chief Operating Officer do Instituto Empreender Endeavor, Instituição sem

fins lucrativos que ajuda empreendedores.

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humano do empreendedorismo. Melanie B. COTICHINI26 desenvolveu uma resenha universitária de estudo e crítica da obra e destaca que nela o autor lembra que “o começo de qualquer empresa é muito difícil, e são necessários a renúncia ao conforto e prazeres, persistência, confiança e otimismo”. Salienta, por outro lado, que Dolabela “desafia o mito de que o empreendedor já nasce feito, e demonstra que paixão, ambição e persistência compõem o perfil do empreendedor, e que tais características podem ser desenvolvidas por qualquer pessoa disposta a aplicar suas energias na realização de seus sonhos. Aliás, sonho, prazer de trabalho e realização pessoal são os valores que marcam o caminho do empreendedor – um personagem que tanto pode ser um empregado (o intra-empreendedor) como estar num negócio próprio”. Ficam salientes, nesta análise, algumas características do empreendedor, que merecem ser levadas em conta neste trabalho que visa, também, descobrir e traçar o perfil empreendedordo agricultor em epígrafe.

Professor Robert Kelley MENEZES27 (2003, p. 1), da Universidade Federal de Campina Grande , na Paraíba, define o empreendedor como o “indivíduo de iniciativa que promove o empreendimento a partir de um comportamento criativo e inovador, que sabe transformar contextos, estimular a colaboração, criar relacionamentos pessoais, gerar resultados, fazendo o que gosta de fazer, com entusiasmo, dedicação, autoconfiança, otimismo e necessidade de realização”. Esta definição sintetiza as diversas abordagens feitas acima sobre o tema, destacando as suas nuances em fatores-chave traduzidos por verbos semanticamente fortes como: promover, transformar, estimular, criar, gerar, fazer. Utiliza-se igualmente de substantivos plenos de significados: iniciativa, empreendimento, comportamento, contexto, colaboração, relacionamentos, resultados, entusiasmo, dedicação, autoconfiança, otimismo e necessidade de realização. Voltarei a esta definição no último capítulo deste trabalho.

Tecerei agora um último comentário - lembro minha abordagem anterior sobre a teoria das competências de PERRENOUD - visando adensar um pouco mais as características dos empreendedores. Para não perder o fio condutor deste capítulo, mantenho os aspectos analíticos com abordagem dentro da visão de uma testemunha dissertativa, no caso a “Luzes

26 Universitária de São Paulo que desenvolveu como trabalho de curso uma pesquisa de análise e

crítica sobre o livro O Segredo de Luísa e seu autor Fernando Dolabella. Trabalho não publicado e cuja cópia recebi da autora por e-mail.

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Consultoria Empresarial28”. CARLI (2002, p. 2) após abordar conceitos de empreendedorismo e empreendedores, bem como várias características que os marcam, sintetiza suas competências e habilidades empreendedoras. Utiliza-se de um recurso mnemotécnico, pelas iniciais dos fatores-chave escolhidos, “formando em anagrama a palavra PÉROLA, metáfora do perfil da pessoa capaz de fazer da sua própria vida o seu maior empreendimento: PÉROLA – Planejamento, Ética, Relacionamento, Otimismo, Livre Iniciativa, Autoconfiança”.

CONCLUSÃO

Este capítulo não esgota o assunto, pois retornaremos a ele, quando da análise dos dados das entrevistas, ao final desta dissertação. A diversidade de conceitos e enfoques, fornecidos pelos mais diversos autores e linhas de pensamento, não são excludentes, mas também não fecham questão sobre o assunto.

Os temas empreendedorismo e seus agentes ainda estão bastante crus. Muitos estudos e pesquisas sobre o assunto acontecem, e na medida da intensidade e profundidade deles, mais luzes clarificarão conceitos e dimensionarão aplicabilidades.

No avançar do meu trabalho dissertativo analítico, surgirão, ao natural, referências ao que escrevi agora. Aliás, todas as idéias constantes deste capítulo, me ajudarão a entender e interpretar melhor, com mais fidelidade e competência, os fatos ocorridos no itinerário de vida do agricultor. Com certeza eles me ajudarão a descobrir com mais eficácia, quais foram os fatores-chave que nortearam sua formação formal, não-formal e experiencial, e que o conduziram junto com sua família ao sucesso e, neste caso, à premiação como agricultor destaque do município.

28 Ela tem a sua frente a figura de Heloí Aparecida de CARLI, uma pedagoga mestra, detentora de um

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