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Empreitada por preço global

No documento Extinção do Contrato de Empreitada (páginas 35-38)

CAPÍTULO II: NOÇÃO E ASPECTOS GERAIS DE EMPREITADA

4. Noção de empreitada

4.1. Os elementos essenciais do contrato de empreitada

4.1.3. Preço

4.1.3.1. Empreitada por preço global

Na empreitada por preço global (ou à forfait, ou a corpo, ou per aversionem), o preço é fixado globalmente, para toda a obra, independentemente das quantidades de trabalho ou materiais a realizar efectivamente. Há uma clara assunção de «risco» pelo empreiteiro, já que embora a obra lhe saia mais cara do que o planeado (por exemplo porque precisou de aplicar mais materiais do que os inicialmente estimados), recebe o mesmo, não podendo exigir aumento de preço, excepto, obviamente, se tiver havido alterações ao plano

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convencionado; «o preço fixo é garantia originária do dono da obra». No Code Civil français, cujo art. 1793.º regula especificamente o contrato de empreitada de construção de imóveis à

forfait69, consagra-se expressamente que o empreiteiro não pode, nestes casos, pedir qualquer aumento de preço «sob o pretexto do aumento do custo da mão-de-obra ou dos materiais». Pressupõe-se que o empreiteiro, conhecedor do seu ofício, saiba estabelecer preço adequado tendo em conta já as previsíveis vicissitudes do mercado.

Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo70, sublinham que o facto de referir- se a «preço global» ou «preço fixo» não significa necessariamente «preço determinado no momento da conclusão do contrato», nem sequer «preço inalterável». Com efeito, o estabelecimento de uma empreitada à forfait é compatível com a indeterminação do preço no momento da celebração do contrato. O que é necessário é que o seja uma única entidade, um único valor, que não varie consoante as unidades de trabalho ou material a aplicar. Assim, é ainda uma empreitada por preço global aquela na qual se estipule que o preço será de 1 000 000€ no caso de a variação da inflação durante o período de execução do contrato ser inferior a 1%, mas já será de 1 200 000€ no caso de essa variação se situar entre 1% e 2%, e assim por diante. Com efeito, nesses casos não se abdica de fixar um único valor para a totalidade dos trabalhos objecto da empreitada, independentemente de ser necessário fazer mais do que o que se tinha antecipado para concluir a obra; as únicas especificidades nestes casos são a inicial indeterminação do preço (nada obsta, como resulta do art. 1211.º/2 do CC) e o facto de, no fundo, se estabelecerem dois (ou mais) preços globais possíveis, apenas se determinando o preço real a aplicar após a execução da obra.

Contrapartida do maior risco que o empreiteiro assume na empreitada por preço global é a maior possibilidade de ganho, como é também habitual: e isso significa que o dono da obra não pode pedir a redução do preço global, mesmo que os custos de produção tomados como referência pelo empreiteiro baixem, fazendo com que a realização da obra seja menos onerosa para si (e aumentando a sua margem de lucro). Pelas suas características de alguma rigidez, o contrato de empreitada por preço global corre algum risco de se tornar antieconómico, se utilizado para a feitura de obras com processo de elaboração demorado (onde a flutuação dos custos de produção é mais provável), pelo que é aconselhável que haja uma actividade pré-contratual rigorosa, que permita a determinação precisa do preço; normalmente o orçamento prévio cumpre esta função, compreendendo já o valor da

69 Segundo um orçamento ou por preço ajustado previamente. 70

Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 185.

remuneração do empreiteiro71. Por estas razões a modalidade de preço é utilizada sobretudo para empreitadas de baixo valor e pouca demora no processo de realização da obra (porque aí, o ganho de simplicidade oferecido pelo preço global fixado previamente compensa eventuais flutuações, que sempre serão de baixa repercussão), e para empreitadas de valor razoável, onde os montantes envolvidos justificam precauções prévias, sobretudo do dono da obra, procurando saber antecipadamente com o que conta e evitando dessa forma custos inesperados72.

Por vezes o processo de formação de determinadas empreitadas reveste-se de certa complexidade, com a elaboração de desenvolvidos cadernos de encargos, que contêm a discriminação dos preços parcelares, concorrentes para a formação do preço global73.

Quando sejam indicados os referidos preços parcelares, coloca-se contudo o problema da eventual discrepância entre essas parcelares e o preço global. Pires de Lima/Antunes Varela74 pronunciam-se no sentido da ausência de valor vinculativo desses preços parcelares: valeria o preço global fixado. Sem dúvida que será essa a solução, se a vontade das partes for no sentido de se considerarem vinculadas ao mesmo; não assim se, por exemplo, o contrato é formado com uma declaração do dono da obra de que aceita o caderno de encargos afirmando que «concorda com os preços parcelares», e nada dizendo sobre o preço global. Claro que pode entrar em jogo, neste caso, o regime dos erros de cálculo ou escrita (art. 249.º do CC), nos termos gerais.

Salienta-se, por fim, que se é verdade o estabelecimento de um preço global consistir na assunção de certa medida de risco pelas partes, não transforma o contrato de empreitada em contacto aleatório: pelo contrário, continua a ser necessário encontrar em cada momento, perante factos novos, o equilíbrio contratual pretendido inicialmente pelas partes. Isto significa, designadamente, que a empreitada à forfait não obsta ao funcionamento do mecanismo geral da alteração das circunstâncias, verificados dos seus pressupostos (art. 437.º do CC), pois esse mecanismo é decorrência directa do princípio da boa-fé.

71 Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 395. 72

Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 395.

73 Pedro de Albuquerque e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição

revista, Almedina, 2013, pp. 186-187.

74 Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. comentário ao artigo

No documento Extinção do Contrato de Empreitada (páginas 35-38)