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CAPÍTULO 3: CHICO CITY E COLINA DE LARANJEIRAS

3.1. A empresa Atlantic Veneer do Brasil

A empresa Atlantic Veneer do Brasil, empresa do ramo de madeiras laminadas, compensados e lambris, pertencia ao alemão Karl Heinz Möehring. Em 1948 ele instalou sua própria empresa, de compra e venda de madeira. A partir de 1951, na cidade de Lemgo, na época parte da Alemanha Ocidental, se tornou uma empresa especializada no corte de madeiras de origem africana, que por muito tempo foi uma das maiores da Europa. Em 1954 foi para o Canadá, onde adquiriu uma grande fazenda em Ontário, que era usada para compra e venda de toras de madeira, onde em 1958 construiu uma serraria. Em 1963, essa serraria foi vendida e surgiu a Atlantic Veneer Co. na Carolina do Norte, Estados Unidos.

A fábrica de madeiras Atlantic Veneer do Brasil foi inaugurada no município de Serra no dia 8 de março de 1968 (Findes, 1997). Segundo matéria da Revista Noroeste de 1987, além da Atlantic Veneer de Serra, a empresa possuía filiais em Itacoatiara, no estado do Amazonas – Atlantic Veneer da Amazônia Indústria de Madeiras Ltda – e no estado do Mato Grosso. Essa mesma fonte dizia que a “Atlantic Veneer do Brasil é considerada a maior fábrica das Américas na área de lambris e compensados e a maior do mundo no que se refere a laminados” (Revista Noroeste, 1987).

A área ocupada pela empresa na Serra também era muito extensa, um total de aproximadamente 62,93 hectares (ver Figuras 9 a 14), incluindo a fábrica, a administração e os conjuntos residenciais construídos para os operários, técnicos e gerentes, o que será detalhado mais adiante. “É um complexo tão grande que os supervisores percorrem a área em bicicleta, para fazer seu serviço mais rapidamente, enquanto que a administração se serve de sua frota Volkswagen” (Revista Noroeste, 1987).

A produção inicialmente era voltada para exportação. “A fábrica exporta 65% das lâminas de madeira nobre produzidas, para os Estados Unidos e Alemanha e 90% dos lambris para a Alemanha. Apenas o compensado é 100% utilizado no mercado nacional” (Revista Noroeste, 1987).

A madeira utilizada na Atlantic de Vitória é de procedência brasileira e norte- americana. Assim, as madeiras utilizadas para a produção de lâminas são do tipo nobre, como mogno, cedro, macanaíba. Para os compensados usa-se, entre outras, a virola, macacarecuia e jacareúba. Entre as importadas dos Estados Unidos destacam- se a nogueira, carvalho e olmo (Revista Noroeste, 1987).

A empresa também era conhecida pela grande quantidade de acidentes de trabalho. Nas entrevistas, este assunto era recorrente. Ao ser perguntado sobre os acidentes, um ex- trabalhador da empresa, cuja função era encarregado de caldeira diz: “Ixi, nossa senhora! Acidente era o que mais tinha! Naquela época eles enrolavam o pessoal, não indenizavam o pessoal, era muito difícil. Tem muita gente aleijada aí, uns que perderam o dedo, outros o braço...” (Entrevista com Sr. B., 67 anos, 12/06/2010).

Um dos entrevistados, ex-empregado da empresa, foi vítima de acidentes na empresa, conforme relato a seguir:

Olha [mostrando o dedo], eu cortei a cabeça do dedo no esmeril, uma máquina de lixar que roda muito rápido. Essa unha nunca mais cresceu! Esse foi o primeiro acidente. O outro foi no maçarico, eu tirei a proteção do olho e caiu um negócio no meu olho! [...] Mas só foi esses dois acidentes que eu tive (Entrevista com Sr. E., 68 anos, 25/10/2010).

E na fala de uma moradora antiga de Chico City, que por muitos anos trabalhou na Atlantic Veneer: “Ali me deu meningite, era muito fechado, só tinha uma entrada de ar em cima! [...] E meu marido que trabalhava na cozinha, eles chamavam de cozinha onde mexia com cola, aquilo era veneno puro! Respirando aquilo o dia todo!” (Entrevista com Sra. A., 57 anos, 06/11/2010).

A imprensa da época também falava sobre o assunto:

A Atlantic foi flagrada pelo Sete Dias oferecendo condições de trabalho nada dignas como jornada de trabalho excessiva, falta de equipamentos de segurança, horário exíguo para as refeições, feitas em meio ao pó de madeira e sobre as máquinas, além das condições salariais e de moradia muito inferiores ao padrão mínimo aceitável. Fora isso, a empresa se reserva ao direito de não remunerar adequadamente os trabalhadores que, frequentemente, se acidentam no trabalho, bem como ameaça de demissão todos os que se atreverem a reclamar da atual situação (Revista Agora, nº 81/87, setembro/1987).

Uma queixa muito comum era com relação aos salários, o que segundo alguns relatos em entrevistas, provocaram greves. Em diversas entrevistas os moradores falaram que o salário era baixo, mas que era pago em dia, mas quando a empresa começou a apresentar sinais de crise, os salários começaram a atrasar, conforme relato a seguir: “Eu peguei duas greves aqui. Ele pagava o pior salário. Era pouco, mas era certo, toda sexta-feira ele pagava, não atrasava. Depois passou pra trinta dias, foi pagando certinho depois começou a ‘avacalhar’.” (Entrevista com Sr. E., 68 anos, 25/10/2010).

Sobre o encerramento das atividades da empresa, as informações variaram muito, mas percebemos que os anos citados eram do fim dos anos 1990. Em entrevista, um ex- funcionário da administração disse que não aconteceu de uma só vez: “[...] seu encerramento foi por etapa e por linha de produção, teve início em 1999 com transferência de máquinas e equipamentos para a cidade Várzea Grande, no Mato Grosso, face a matéria-prima estar mais próxima” (Entrevista com ex-gerente, 22/05/2010).

A Atlantic Veneer do Brasil foi uma importante empresa por muito tempo, aparecendo inclusive, no ranking das “150 maiores empresas do Espírito Santo” divulgado pela FINDES – Federação das Indústrias do Espírito Santo. Segundo essa classificação, esta foi a primeira empresa no setor de madeira no estado. Porém, as informações desse órgão correspondem principalmente à época do declínio da empresa, que como veremos, nos anos 1980 era muito mais importante. A partir de 2001, a Atlantic Veneer já não aparece no ranking da FINDES, fato que comprova sua decadência. Como o resultado dessa pesquisa é referente ao ano anterior, isso explica o motivo pelo qual a partir do ano de 2001 (referente aos resultados do ano 2000) ela já não apareceu.

A tabela a seguir mostra a distribuição das três maiores empresas do ramo de madeira no Espírito Santo em 1997. Naquele ano, a Atlantic Veneer foi considerada o primeiro lugar no seu ramo de atividade e entre as 150 maiores do estado ocupou a 108ª posição.

Tabela 10: As maiores empresas do ramo de madeira no ES - 1997 Empresa Receita Bruta (R$) Patrimônio Líquido

(R$) Número de Empregados 1º- Atlantic Veneer 13.330.000 29.899.000 370 2º - Ceima 13.228.000 5.314.000 45 3º - Embasil 9.408.000 5.734.000 47 Total do setor 35.966.000 40.947.000 462 Fonte: FINDES, 1997.

No ano seguinte, a mesma pesquisa mostra que a referida empresa passou a ser segundo lugar no ramo, e teve uma queda em seus números, inclusive de empregados, mostrando que a empresa começava a declinar. Ao mesmo tempo, a Ceima, que na pesquisa anterior ocupava o segundo lugar, cresceu e se tornou a primeira no seu ramo.

Tabela 11: As maiores empresas do ramo de madeira no ES - 1998 Empresa Receita Bruta (R$) Patrimônio Líquido

(R$) Número de Empregados 1º - Ceima 18.016.000 7.497.000 302 2º - Atlantic Veneer 11.661.000 28.672.000 252 Total do setor 29.677.000 36.169.000 554 Fonte: FINDES, 1998.

Ainda na pesquisa de 1998, a Atlantic Veneer ocupava a 15ª posição entre as “15 empresas que mais encolheram”, e também, a 4ª posição entre as “14 empresas que entraram no vermelho”, esta referente aos maiores prejuízos entre as empresas que tiveram lucro no ano anterior. Esses dados comprovam que o princípio do declínio da empresa foi nos últimos anos do século passado.

O número de empregados colocado pela FINDES é um dado que não confere com os relatos dos moradores, talvez pelo fato de os antigos trabalhadores se referirem ao auge da empresa, nos anos 1980 e início dos anos 1990. Portanto, é possível que o número de empregados citado pela FINDES mostre a queda da empresa a partir de 1996. De acordo com o Sr. J., um dos moradores mais antigos de Chico City, a empresa era grande e com muitos trabalhadores.

[...] cheguei aqui [em 1979] e pensava que esse negócio da Atlantic não acabava não, pois aqui tinha 12 carros e 12 ônibus de “puxar” funcionário. Fora os daqui, da Serra, de Laranjeiras, de Vitória, de Taquara, tinha gente de todo lugar [...] A firma tinha quatro mil e quinhentos funcionários (Entrevista com o Sr. J., 74 anos, 07/04/2009).

Por outro lado, de acordo com um ex-empregado da administração da empresa entrevistado, apesar de não se referir ao mesmo número de empregados citado anteriormente, fala em um número considerável de trabalhadores, novamente citando a época em que a empresa era destaque no setor: “Aqui em Laranjeiras [bairro próximo] ela [a empresa] chegou possuir mais 3.800 empregados diretos e o total de funcionários do grupo aqui no Brasil ultrapassou a 6.000 diretos” (Entrevista com ex-gerente, 22/05/2010).

De acordo com um jornal de circulação local (A Tribuna 26/03/2006), a empresa fechou no ano de 1998 e decretou falência no ano de 2005. Confirmando essa informação, uma moradora de Chico City que trabalhava na parte administrativa da empresa diz:

Em 2005, foi quando fechou as portas mesmo [...] a produção acabou antes, acho que em 94, ou 98, por aí. Em 94 começou, entrou em concordata, aí em 98 acabou tudo. Aí só tinha a parte administrativa mesmo [...] porque tinha filial de Mato Grosso, a gente fazia serviço de lá. Não fazia muita coisa, não (Entrevista com Sra. F., 52 anos, 13/11/2010).

A partir da crise e da falência da empresa, começaram os problemas para os antigos trabalhadores e também moradores da vila operária construída por essa empresa.

3.2. Chico City: “O bairro que não é Bairro

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A antiga vila operária de Chico City será aqui tratada como um bairro, visto que apresenta características para tal. Assim, apoiando-nos em Seabra (2003), consideramos o bairro um “fenômeno histórico e social, inscrito na urbanização da sociedade” (SEABRA, 2003:30). Além disso, partimos do princípio que a proximidade no espaço, no caso, a proximidade com o bairro Colina de Laranjeiras, não significa que há uma “unidade automática”, pois, as distâncias sociais se materializam no espaço pelas diferenças, entre elas, nas formas de habitar.

Chico City foi construído pouco tempo depois da inauguração da fábrica da Atlantic Veneer (que foi inaugurada em 1968) no município de Serra, de acordo com um ex-empregado da administração, no ano de 1973. Para comprovar essas informações, de acordo com a Figura 9, em 1970 já havia um início de construções na área onde hoje é Chico City, e na Figura 10, de 1978, essa vila já estava concluída.

Na época da instalação da empresa, este município era pouco povoado e com descontinuidades na ocupação espacial, a área urbana era muito limitada. Possivelmente, a construção das casas visava suprir a necessidade de moradias, para parte dos trabalhadores que era de fora do estado ou de municípios do interior, e até mesmo de fora do país. Além disso, conforme já discutido no Capítulo 1, a casa da vila operária poderia ser utilizada como um mecanismo de controle paternalista.

A vila foi construída ao lado da empresa com 115 casas, todas muito semelhantes, porém com algumas diferenças com relação ao tamanho do imóvel e do terreno. A Figura 15 mostra o limite de um dos galpões da empresa com Chico City e a Figura 16 mostra uma casa que parece não ter sido modificada.

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