• Nenhum resultado encontrado

O encontro com o campo: o movimento pelo cata-vento 4 montessoriano

No documento carlatoscanocarneiro (páginas 31-39)

Todas as atividades propostas às educadoras nesta pesquisa foram movidas pelo cata- vento dos ares montessorianos diante do respeito à particularidade de cada uma de suas contribuições.5

O cata-vento é um elemento importante utilizado para mostrar a direção dos ventos. Mas, muito além disso, ele se move por este vento. Pensamos neste momento com as educadoras como aquele conduzido pelo cata-vento, através dos ares trazidos naquele espaçotempo, foi o que moveu e dali será movido para outro “eu”, outros lugares e compartilhado a “outros” sujeitos. Assim, esperamos que estes ares sejam compartilhados a outros “ares”.

4 A noção do cata-vento aqui foi abordada em comparação ao funcionamento do mesmo, porém, especificamente

neste trabalho, no sentido de entender o que nos move, ou seja, os ventos, ares que conduziram este momento da roda de conversa.

5 A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora, tendo a mesma sido autorizada em 16 de julho de 2018, com número do Parecer 2.771.944.

Dessa forma, é somente um tom, como nos diz Clarice Lispector em “Água Viva”, que demos à temática aqui abordada.

E neste momento precisamos do encontro com o “outro”, que se faz necessário para ampliar nossos saberes e os dos “outros”. Meu encontro com o campo foi proporcionado a partir dos estudos realizados no grupo de pesquisa que faz parte do NEPED, Grupo Tempos, coordenado pela professora Luciana Pacheco Marques, que se dedicava no momento aos usos dos tempos em escolas com metodologias inovadoras, ou seja, as que se apresentavam a um trabalhar diferente com o espaçotempo do educando; em uma dessas escolas, realizamos observações em sala de aula.

Portanto, realizei observações no 1º semestre de 2017 em uma sala de Agrupada III da Escola Internacional SACI, na qual desenvolvi a pesquisa. Esta escola possibilitou ao grupo de estudo conhecer a prática montessoriana. A cada dia de observação, o encantamento, a empolgação e a curiosidade sobre aquele contexto cresciam em mim. Era tão fascinante observar como tudo estava sendo realizado com as crianças, porque quando lemos no livro não compreendemos como poderia acontecer de forma tão natural. A autonomia, a disciplina, a responsabilidade e a interação eram presentes nesta sala em um nível elevado. Utilizo essas observações para conversar com os autores ao longo deste trabalho e as identifico como “Observação da autora em campo, 2017”.

Além disso, havia o cenário da escola, o encantamento sempre à frente. Entrar no ambiente daquela escola foi magnífico: tudo tão belo aos olhos, harmonioso, natureza exposta, em todos os ambientes, para a interação conosco e, além disso, a vida apresentada pelo movimento de cada um naquele espaço. Todos os espaços muito bem cuidados, conservados e preparados para a exploração dos olhos e mãos.

A escola fica no bairro Teixeiras, afastado do centro, é uma área muito grande, constituída de dois prédios, e dois andares cada um, com lago ao caminho do refeitório dos professores; e uma área verde para os animais fica sendo a atração das crianças. Apresenta uma quadra coberta enorme e uma área de parque com grama sintética para as crianças aproveitarem em seus momentos de recreação. Usam também a quadra de uma associação (AABB – Associação Atlética Banco do Brasil), com a qual divide seu terreno.

No ano seguinte, 2018, um grande desafio com o campo: compatibilidade de horário e aceitação das educadoras à proposta de trabalho. É uma grande ansiedade que nos contagia. É uma “caixinha” de surpresa do que nos espera.

E assim foi: surpresas e desafios. Difícil conciliar meu horário de trabalho com a disponibilidade de horário da diretora da escola. Algumas vezes marquei e não pude

comparecer, porque trabalhando em escola era acometida pelos acontecimentos “surpresas” do cotidiano escolar, em que precisamos atuar juntos (direção, inspeção, educadores e servidores) para alcançarmos um melhor resultado no coletivo. O ambiente escolar é sempre imprevisível. Nestes atravessamentos, sempre considero meu trabalho como de parceria com a escola: sou da/para/com a escola, visando sempre um trabalho colaborativo para beneficiar os educandos. Meu objetivo principal: uma melhor educação aos educandos, com facilitadores para suas aprendizagens.

Mas, quando tudo foi conciliado, fui muito bem recebida pela direção, pelos funcionários e pela coordenação. Ao apresentar a pesquisa à diretora, ela aceitou e pronunciou a importância de pesquisas nesta área para fazer uma maior divulgação da educação montessoriana no meio acadêmico. Além disso, colaborou com a pesquisa ao se dispor em realizar um levantamento quanto à intenção das educadoras em participar da pesquisa; elaborou com as mesmas horário e dia disponíveis para que eu pudesse apresentar o objetivo da pesquisa e as atividades a serem realizadas.

Com isso, conseguimos conciliar em um mesmo dia e horário a conversa com a coordenadora, a diretora e uma professora explicando o objetivo da pesquisa e como seria desenvolvida com elas: neste momento, já foi uma ótima interação e, em uma roda de conversa, conhecemos um pouco sobre cada uma e abordamos sobre a questão de trabalhos realizados em Montessori. Todas bastante envolvidas, aceitaram participar da pesquisa.

Logo após, marquei em horários separados para as demais educadoras (5 educadoras), devido à dificuldade de todas possuírem mesmo dia e horário “vagos” para escutarem sobre a proposta da pesquisa. Portanto, priorizamos a famosa “janela” das educadoras – horário da aula diversificada, apresentando um pouco sobre mim (profissional e o percurso até o mestrado), expondo sobre a observação na sala montessoriana (ocorrida na própria escola), o meu caminho até chegar à educação montessoriana, os objetivos e a importância da pesquisa e as atividades a serem desenvolvidas com elas.

Para todas as educadoras, ressaltei a questão da ausência de trabalhos sobre a construção de identidade de educadoras em Montessori, o que seria uma temática muito relevante para avanços na área.

Para cada educadora, montei uma pasta, um kit de materiais com o objetivo de produzirem as narrativas, composto com 10 folhas A4 (coloridas), lápis com borracha, caneta, post-it e barra de cereal (para fornecer aquela energia). Todas as 8 (oito) educadoras com as quais conversei inicialmente receberam essa pasta.

As narrativas foram solicitadas às educadoras nos momentos de apresentação e aceitação da pesquisa, em que expliquei às mesmas que iriam contar sobre sua trajetória de vida familiar, escolar e profissional até como chegou ao trabalho com o método Montessori. Para este exercício, estipulamos um prazo de 1 (um) mês. Elas realizaram de maneira individual, sem nenhuma interferência e poderiam enviar por e-mail ou entregar manuscrito. Todas enviaram por e-mail. Como nada é em tempo predeterminado para todos, este intervalo de 1 (um) mês foi pequeno para algumas, compreendido pelas várias funções que todas nós, educadoras, temos no dia a dia; com isso, só demoramos mais para ter o todo deste momento. Estas narrativas foram utilizadas ao longo do trabalho para “conversar” com os autores e no capítulo sobre as marcas identitárias das educadoras. Elas estão identificadas por “Narrativa da Educadora ‘nome da educadora’, 2018”.

As educadoras participantes desta pesquisa foram aquelas que lecionavam na Educação Infantil ou nos anos iniciais do Ensino Fundamental e possuíam a formação em Montessori. Nesse sentido, tivemos uma redução deste universo de possibilidades a princípio, até mesmo porque nosso objetivo era conhecer a construção das identidades montessorianas. Além destes participantes, sentimos a necessidade diante da ponderação de Montessori em enfatizar a importância da mudança da escola juntamente com a de educadoras em convidar a diretora e coordenadora para fazerem este movimento da pesquisa conosco, uma vez que a diretora já atuou como professora de inglês no método Montessori, tem a formação; e a coordenadora foi a professora com quem realizamos a observação na sala dela em 2017, também com formação. Entendemos que estes atores iriam enriquecer esta pesquisa.

Para ampliar as possibilidades de conhecer melhor estas educadoras em momentos diversos, propomos, além das narrativas autobiográficas, individual, uma roda de conversa, coletiva, aberta e que poderia surgir fatos que não foram contemplados nas narrativas.

A roda de conversa é isto: uma roda, ela gira, ela tem um movimento próprio construído pelas pessoas que a constituem. E este movimento dela nos mobiliza a reflexões e, consequentemente, inflexão (alteração de uma direção). Ela não é determinada e determinante, ela é viva, possibilita novo movimento introspectivo. É um momento possibilitado para se reinventar.

Dessa maneira, concordamos com Serpa (2018) ao dizer que:

A conversa que defendo como metodologia de pesquisa é por natureza democrática, rizomática, indirigível. Começa em um ponto que não necessariamente foi aquele que você estipulou para começar e termina em lugares absolutamente imprevisíveis. A conversa em sua dialogicidade e dinâmica nos produz outros na interação com as experiências dos narradores, não possuindo, portanto, garantia de portos-seguros onde ancorarmos. Mesmo quando partimos com um mapa, os ventos, as marés e a própria viagem vão nos transformando e transformando nossos caminhos. É preciso deixar-se levar... Uma conversa também nem sempre se encerra quando nos despedimos, pois seguimos uns nos outros, continuando mentalmente, por muito tempo, a conversa inacabada... (p. 117).

Como não pensar na conversa como democrática e libertadora? Ela é uma possibilidade a todos de emitirem suas mensagens de vida ao lançarem seus pensamentos sobre os diálogos desprendidos no momento da interação. E por esse motivo mesmo que são impossíveis de determinar por onde irão seguir e em que ponto chegarão, pois dependem do sentido da vida despertado por cada pessoa no ato de sua relação com o “outro” e com o mundo. E a partir dessas relações nos possibilitamos movimentos a outras direções do “eu”, uma (re)construção dos sujeitos e seus ideais.

Assim, a conversa nos move: aconteceu algum problema – vamos conversar; estamos chateados – vamos conversar com os amigos. A conversa é sempre um momento de entendimento, de desabafo, de descontração, porém é importante, pois neste momento se constrói e reconstrói perspectivas, fatos e costumes. Ela é sempre muito bem-vinda nos vários lugares.

Como nos dizem Sampaio, Ribeiro e Souza (2018):

Não por acaso temos assumido, cada dia com mais potência, a arte de conversar (CERTEAU, 2007, p. 50) como metodologia de pesquisa. Na conversa, nas retóricas da conversa ordinária, no dizer de Certeau, o entrelaçamento das posições locutoras instaura um tecido oral sem proprietários individuais. Conversar é parte da vida cotidiana de todos/as nós. Conversamos cotidianamente e de múltiplas maneiras: conversas fiadas, afiadas, interessantes, desinteressantes; interessadas, desinteressadas; complicadas; provocativas, emotivas, alegres, tristes. Conversas longas, conversas curtas. Conversamos... Conversamos enquanto estudamos, enquanto aprendemosensinamos. Por que não enquanto pesquisamos? (p. 24 -25).

Por isso, pensamos na “roda de conversa” com as educadoras. É um momento de maior flexibilidade, sensibilidade e cria o seu próprio ritmo de acordo com os participantes. Assim, conseguimos ampliar o conhecimento sobre estas educadoras.

Tentamos não interferir tanto nas relações e movimentos que as educadoras realizavam, compreendendo, como Montessori, a autonomia dos sujeitos sobre sua aprendizagem das descobertas, do diálogo, do encontro e da (re)construção do sujeito.

A roda de conversa aconteceu ao final do ano de 2018, com duas propostas para incitar as participantes. Uma proposta foi iniciar a roda de conversa com um mosaico (Apêndice A) de imagens da diversidade da vida, crianças em suas várias formas de ser criança, representando a “Educação para a vida” que Montessori nos traz; e a outra foi por meio de alguns excertos das obras montessorianas (Apêndice B), escolhidos por falarem sobre material, lição, ambiente, escola e formação, retirados das obras de Montessori sobre o papel da educadora no método montessoriano. Para identificar as contribuições da roda de conversa, usamos a nomenclatura “Roda de conversa, ‘nome da educadora’, 2018” ao longo do trabalho. Tivemos a ausência de algumas educadoras no momento da roda de conversa devido a situações particulares, imprevistas pelas educadoras, que aconteceram na data previamente agendada para o encontro.

Sendo assim, das 08 (oito) educadoras com quem conversei, todas aceitaram participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice C) de participação na pesquisa, porém somente 06 (seis) realizaram as narrativas e 04 (quatro) participaram da roda de conversa. Além disso, informo que todas as participantes quiseram utilizar seu nome real neste trabalho; portanto assim foi adotado.

As educadoras desta pesquisa têm identidades construídas também pelo seu caminho em busca de conhecimento na área de atuação. Ou seja, partem nesta pesquisa com uma “bagagem” formativa que traz histórias marcadas por esta formação.

Luciana fez graduação em Pedagogia e Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Especialização em Educação Especial e mestrado em Educação, ambos pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E ainda realizou a especialização em Educação Montessoriana pela Faculdade América do Sul. Exerce a função de diretora de escola particular.

Pelo caminho formativo de Alessandra, ela buscou a formação em Pedagogia, fez especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, em Atendimento em Educação Especial, fez a formação em Montessori para as turmas de 3 a 6 anos pela Aldeia Montessori do Rio de Janeiro. Educadora responsável pela turma do 1º ano do Ensino Fundamental.

Ao percorrer os achados sobre a formação de Bárbara, deparamo-nos com a realização de uma graduação em Pedagogia pela Faculdade Metodista Granbery, uma pós-graduação em Educação Montessori e outra em Psicopedagogia e Mestrado em Educação pela Universidade

Federal de Juiz de Fora. Participou de cursos em Montessori: Matemática para as classes de 6 a 9 anos, Montessori na prática da escola, Introdução ao método Montessori, divulgação do sistema educacional montessoriano. Bárbara atua no método Montessori desde 2008 e já trabalhou com o Nido (berçário) e as agrupadas I, II e III. Atualmente é coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental II.

A educadora Flávia possui quase 12 anos de trabalho com Montessori. Formou-se em Pedagogia pela Faculdade Metodista Granbery, realizou especialização em Psicologia do desenvolvimento humano com interface na saúde pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente segue no 9º período de Psicologia pela Faculdade Universo. A formação em Montessori foi realizada no Rio de Janeiro na Aldeia Montessori. Hoje, é professora responsável pela agrupada II, crianças de 3 a 6 anos, que seria da Educação Infantil.

A trajetória de Mayara se iniciou com a graduação em Pedagogia pela FACSUM (Faculdade do Sudeste Mineiro), pós-graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional no Centro Universitário Estácio de Sá. Ampliando seus horizontes, realizou vários cursos de aperfeiçoamento como de capacitação em Matemática e Linguagem para as classes de 3 a 6 anos pelo Centro de Estudos Montessori do Rio, de extensão de princípios do sistema Montessori para uma prática pedagógica diferenciada pelo Instituto Metodista Granbery e de Formação em Montessori de 0 a 6 anos pela Mediar Desenvolvimento Humano. Ainda participou da Conferência Internacional Montessori no Rio de Janeiro em 2017 e do Encontro de Educadores Montessorianos em Juiz de Fora no ano de 2015. Trabalha com o método há 7 anos. Exerce a função de educadora da agrupada II, de 3 a 6 anos.

O caminhar de Raquel foi marcado pelas Artes e Pós-graduação em Neuropsicopedagogia. Na linha montessoriana, fez curso de formação em Montessori para as turmas de 3 a 6 anos e também para o Ensino Fundamental, todos localizados no Rio de Janeiro. Atualmente é educadora da agrupada III e de Artes na escola.

Este trabalho foi, então, construído por meio de conversas com muitos educadores e educadoras, são conversas estabelecidas entre as diversas partes do “eu”, do “outro” e do “entre” de nós, educadoras. Ressalto que utilizo o termo “educadoras” em todo o trabalho por ter apresentado somente sujeitos mulheres participantes da pesquisa.

As marcas das identidades das educadoras montessorianas podem ser encontradas ao longo deste trabalho, em um diálogo constante com a teoria, observação, narração e conversa; mas de forma mais consolidada no último capítulo “As marcas identitárias das educadoras montessorianas”.

Com base na exposição do desenrolar da metodologia para acontecer toda esta pesquisa, no próximo capítulo, iremos trabalhar com a construção das identidades de educadoras, com o objetivo de entender histórica e socialmente como tem sido entendido este processo identitário.

No documento carlatoscanocarneiro (páginas 31-39)