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Encontro com D. Zulmira, D. Regina e D. Ana Raimunda

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN (páginas 195-200)

3.2 O CAMINHO ATÉ MINAS GERAIS

3.2.3 Enfim, em Santo Antônio do Itambé/MG

3.2.3.1 Encontro com D. Zulmira, D. Regina e D. Ana Raimunda

Quando saímos da casa de seu Daniel, fomos procurar, junto com Zé Simão, a casa de D. Regina e D. Zulmira, cunhadas de Seu João e irmãs de D. Maria das Dores, que havia enviado por nós uma mensagem em vídeo para ser mostrada a seus irmãos, “os que tive vivo”. No caminho, logo encontramos a filha de D. Regina, Aparecida, que seu João reconheceu ao avistá-la na rua, quando ela e outras

mulheres voltavam para casa da roça. Aparecida, muito feliz de reencontrar o tio, nos levou, então, direto para a casa de D. Zulmira, pois sua mãe, D. Regina, estava longe, trabalhando na roça. Primeiro, Aparecida foi na frente e contou para a tia, D. Zulmira, que Seu João, o cunhado dela, estava chegando e que a irmã D. Maria das Dores não tinha vindo, mas que deram notícia que ela estava bem. D. Zulmira já se emocionou muito com a novidade e agradeceu a Deus, a Jesus Cristo, louvando a possibilidade deste reencontro. Abraçou Seu João e, depois, ele, Adir e Geralda foram logo lhe dando notícias dos familiares que tinham saído dali para o Paraná, como Manoel e Ana que já tinham falecido, Olegário e Jovelina que estão vivos. Ela também foi atualizando seu João e contando sobre os parentes que continuaram morando na região.

Mostramos, então, para D. Zulmira o vídeo com a mensagem enviada por sua irmã, D. Maria das Dores, a qual mencionamos acima. D. Zulmira falou que não achava que veria eles mais:

D. Zulmira: O meu Santíssimo Sacramento, porquê que some assim? Ai, meu nosso Senhor! Que benção de Jesus, Deus! Deus achou!

Cassius: É sua irmã?

D. Zulmira: É minha irmã, meu fio! Ai, meu Deus! É das mais nova! Ela deve ter uns sessenta anos. Ela tá muito bonita! É ela mesmo?

Adir: É ela.

D. Zulmira: Como é que eu tô, gente? Que Deus! Ô, minha Nossa Senhora, cê trouxe o meu povo! Ô meu Pai Eterno, o Senhor trouxe o meu povo pra mim conhecer ainda. (se abaixa, com as mãos no rosto e começa a chorar).

Graças a Deus! Faz vinte anos ou vinte e cinco...

Adir: É muita emoção!

D. Zulmira: Eu perdi tantos irmão...

Adir: Mas a senhora ainda vai ver ela. Se Deus quiser a senhora vai ver!

O nosso encontro com D. Zulmira (73 anos) e, depois, com D. Regina (78 anos), que logo chegou da roça, foi uma experiência única para todos os presentes.

Segundo elas, receber notícias da irmã e rever o cunhado era a concretização de uma intercessão divina pela qual sempre rezavam, buscando esperanças para acreditar que um dia este reencontro poderia acontecer. Em seguida, pedimos para que elas

mandassem uma mensagem que levaríamos de volta para D. Maria das Dores. Dona Regina, que estava mais calma, começou mandando o seu recado:

Hoje eu tô chegando da roça e tive a maior surpresa com a maior satisfação, cumadi Maria, de ver o meu cumpadi João mais a família dele. Eu tive muito prazer, que eu vivia sempre na cabeça achando que nem vivo ocês era, porque ocês também não dava nem notícia pra mim. E eu perdi o contato com ocês, porque tomaram o endereço e nunca mais me deram. Então eu fiquei sem jeito de ligar pra vocês. Agora, ocês de lá pra cá tinha jeito que é Santo Antônio do Itambé. Então, cumadi Maria, hoje eu tô no maior prazer, na maior riqueza, sou veia e pra mim fiquei nova de prazer de saber notícia da minha irmã com a família dela e meu cumpadi João. Cumadi Maria, breve nós vamos encontra, se Deus quiser! Agora eu não vou não, mas eu vou!

Dona Zulmira, depois, também deixou sua mensagem:

Cumadi Maria, eu, minha fia, graças a Deus, tive tanto prazer que eu vi a sua família que chegou de lá, a moça e o rapaz, o cumpadi João, o irmão dele, a irmã dele, eu fiquei tão emocionada de vê essa família prazerosa que Jesus mandou pra nós, nesse horário certo que chegou, devia de ser meio dia. Eu fiquei tão emocionada que eu vou falar procê que eu não tive ideia de dar pra eles nada, a ideia que eu tive foi de chorar. Fiquei tão feliz, tão satisfeita, tão alegre, porque sempre eu pensava assim “É de vera, a minha irmã foi embora, essa eu não vejo ela mais”. Mas Deus abençoou, que trouxe eles em paz, com vida e saúde e assim é de trazer a senhora também. E que breve, se Deus quiser, nós vamos encontrar. E cê vê, que depois que a senhora foi, nós perdeu nossa mãe, nós perdeu nosso pai, nós perdeu meu irmão Erosino, a Benedita e a Margarida então, cê sabe. Eu fiquei assim pro rumo, não sube nem cumprimentar eles como eles merecia, de tanta emoção que eu fiquei.

Mas eu fiava em Deus, que eu esperava sempre que Deus ia abençoar que um dia que ocês tivesse a par, ocês vinha cá e nós encontrava. Eu fiquei tão feliz, que só cê vendo. Não soube nem tratar eles como eles merecia. E a companhia deles, a moça mais o rapaz que tava com eles de fora, que também é outros irmão tudo que eu fiquei toda feliz e tudo eu considerei por minha família. E Deus que te abençoa e algum dia nós encontra.

A experiência de ter um parente perdido era, para elas, muito angustiante, pois se a pessoa morre é porque “Deus leva”, mas no caso de D. Maria das Dores, a angústia estava nesta dúvida que se estendia por anos, da ausência de qualquer notícia. Fazia dezenove anos que D. Maria das Dores tinha ido pela última vez para Santo Antônio do Itambé. A responsabilidade de fazer o movimento para o reencontro, como pode se depreender do comentário de D. Regina – “Agora, ocês de lá pra cá tinha jeito que é Santo Antônio do Itambé” –, afinal de contas, é atribuída àqueles que migraram, pois sabiam para onde voltar para encontrar os parentes, diferente dos que permaneceram na região, para quem seria muito mais difícil tal busca.

FIGURA 29: D. Zulmira e D. Regina mandam mensagens para a irmã D. Maria das Dores.

Com o pouco tempo que passamos com D. Regina e D. Zulmira criamos com elas uma conexão muito forte. Eu e Cassius, então, nos comprometemos a ajudar a levar a D. Maria das Dores para reencontrá-las, assim que fosse possível. Com D.

Zulmira e D. Regina também conversamos sobre a árvore genealógica, com enfoque nos antepassados, e compreendemos, então, o vínculo de parentesco da família de Manoel Ciriaco com a comunidade quilombola “Vila Nova”165.

O vínculo de parentesco se dá por meio de D. Maria das Dores, que é filha de Luiza Eleotéria da Silva e neta de Virgulino Martins Gomes. Virgulino, por sua vez, era irmão de Clarindo Gomes e filho de Matili e Francisco Lucindo, o casal ancestral estruturante da comunidade quilombola “Vila Nova”. Clarindo Gomes era pai de Raimundo Gomes e avô de seu Adão, D. Necila, D. Maria Geralda e Jesu, nossos anfitriões em São Gonçalo do Rio das Pedras. Portanto, Raimundo Gomes, filho de Clarindo, é primo de primeiro grau de Luzia Eleotéria, filha de Virgulino e mãe de D.

Maria das Dores.

165Além da importância das relações de parentesco destacadas até aqui, é necessário aprofundar a pesquisa a respeito das relações de compadrio que parecem centrais, também neste caso, para reforçar os vínculos de parentesco.

Por meio de dois casamentos, a família de Luzia Eleotéria da Silva se conecta com a família de Manoel. Trata-se do casamento entre D. Maria das Dores (filha de Luzia) e Seu João (filho de Manoel) e entre Zé (filho de Sebastião Vicente, irmão de Manoel Ciriaco), e Benedita (irmã de D. Maria das Dores). D. Maria das Dores nos falou também da possibilidade de uma conexão entre as famílias na geração ascendente mais distante à qual tivemos referências. Ela achava que “Vovó Matili”, sua bisavó, era irmã de José Domingos, pai de Maria Bernarda e avô de Ana Rodrigues (esposa de Manoel), bisavô, portanto, de Adir e Geralda, conforme Excerto Genealógico apresentado abaixo. Em alaranjado, destacam-se os três membros da família, D. Jovelina, D. Maria das Dores e Seu João, os quais efetivamente retornaram a Minas Gerais, por meio destas duas viagens, pois lá já haviam morado. Em amarelo, destacam-se os parentes com quem eles se encontraram durante as duas viagens.

FIGURA 30: Excerto Genealógico 4

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN (páginas 195-200)