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O CONTINUUM DA RELIGIOSIDADE

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN (páginas 75-110)

A importância das dinâmicas de movimento para a Comunidade Quilombola Manoel Ciriaco dos Santos, que buscamos demonstrar até aqui, também está presente na dimensão da religiosidade dos membros do grupo, tema que iremos tratar neste subitem. Na minha última viagem a campo, para Presidente Prudente/SP, realizada no início de agosto de 2015, pude perceber como as relações entre movimento e religiosidade estavam presentes na história do grupo de um modo marcante, na própria motivação da saída de Manoel Ciriaco de Minas. O intuito desta viagem de campo foi visitar D. Ana Raimunda, irmã de Manoel Ciriaco, que havíamos encontrado, em março, morando em Serro/MG e que, em junho, ajudamos a trazê-la, de mudança, para morar com a sobrinha, D. Jovelina, em Presidente Prudente/SP.

Nas outras duas viagens anteriores em que estive com D. Ana, em março e em junho de 2015, não havia tido oportunidade de conversar com ela sobre os motivos que impulsionaram a saída de seu irmão, Manoel Ciriaco, de Santo Antônio do Itambé/MG, em 1956, quando foi embora e nunca mais voltou. Imaginando que ela iria me falar das dificuldades de sobrevivência de toda a família na terra que era herança da mãe deles, Izidora, sou surpreendida com sua resposta: ela conta que o que desencadeou a saída de Manoel foi que ele ficou muito doente e, assim que melhorou, resolveu ir embora. O movimento inicial de deslocamento do grupo familiar, segundo me contou, tinha sido impulsionado por causas mágico-religiosas.

D. Ana Raimunda: Ele ficou doente, depois a cabeça esquentou e saiu de lá, que lá era bom e era ruim, ficou doente demais, doença quase matou ele lá, mas Deus ajudou que...

Dandara: Mas era coisa feita pra ele?

D. Ana Raimunda: Era, ele oh... (fez sinal com as mãos).

Dandara: Tinha também desentendimento entre os parentes?

D. Ana Raimunda: Tinha... cascou fora... foi bom ter vindo embora se não ia mais de pressa né... Então eles vieram e a gente ficou lá rezando, se apegando com Deus pra eles. Demorou dar notícia, nossa, ela (Izidora, mãe de D. Ana e Manoel) ficava chorando dia e noite... eu falei, não chora não que eles dá notícia e como deu né, deu notícia que tava bem, graças a Deus.

Se até agora analisamos os fatores sociais e econômicos que contribuíram para a decisão de deslocamento destas famílias, neste momento da conversa com D.

Ana vieram à tona informações sobre como, dentro deste quadro social mais amplo, as tensões sociais internas foram decisivas e atuaram para o impulso de saída.

Importante observar, neste sentido, que não há uma reação mecânica ao desenvolvimento regional, mas sim uma combinação de fatores externos e internos ao grupo familiar.

A fala de D. Ana aponta para uma acusação de que Manoel teria sido alvo de uma agressão mágica com consequências muito sérias, pois quase o levou à morte, e que, quando ele se recuperou dos efeitos deste enfeitiçamento64, deu na cabeça de vir embora. As dimensões mágico-religiosas, nesta visão de mundo específica, portanto, podem gerar deslocamentos concretos.

Neste momento do texto, apresento alguns exemplos sintéticos65 do modo como a religiosidade implica em movimento concretos na trajetória de vida dessas pessoas e também está permeada por movimentos não concretos em seu cotidiano.

Estes movimentos sutis se apresentam, por exemplo, no âmbito das relações que são estabelecidas entre o humano e o divino, como quando acionam a capacidade de se

64 Importante considerar que a história sobre a morte de Manoel em Guaíra/PR também é narrada como

resultado de um feitiço. Geralda me contou que foi uma pessoa bem próxima da família que tinha muita inveja de Manoel, porque eles tinham progredido, ele era respeitado e querido na cidade. Relatou que Manoel estava trabalhando na roça e foram buscar uma água para ele a seu pedido. Só que o pessoal que estava na roça começou a achar estranho que estava demorando demais para voltarem e parecia até que tinham ido furar o poço. D. Ana falou com Manoel que ela estava esganado por água e por quê não esperava chegar em casa. A pessoa que fez o feitiço, então, pegou um sapo, raspou o couro dele e pôs na água. Daí Manoel bebeu, mas os outros não quiseram porque tinham cisma. Com o passar do tempo, ele começou a se sentir mal, não conseguia comer porque sentia gosto de areia, a pressão subia, foi piorando, sofreu muito, até que morreu. Ressalta-se que estas não foram as únicas histórias sobre feitiço que me foram relatadas durante o trabalho de campo, no entanto, não irei me deter neste assunto, pois isso geraria uma dispersão no texto.

65 Não é possível, levando em conta o enfoque analítico da dissertação, abordar as questões relativas

à religiosidade do grupo com a profundidade necessária, em apenas um subitem. Por isso, iremos analisar sobre a religiosidade apenas alguns aspectos que são relevantes para o conjunto do argumento do texto no que tange ao tema do movimento.

deslocar entre mundos e conectar subjetividades, temporalidades e espacialidades distintas. Os mortos, os espíritos, as entidades, os santos, em suas diversas formas de manifestação, são agentes importantes e presentes no dia-a-dia dos quilombolas.

As formas como suas práticas de devoção são interpretadas pelos vizinhos, consideradas como preconceituosas pelos quilombolas, é também uma dimensão importante. Este preconceito, que combina dimensões raciais e religiosas, como iremos analisar, impulsionou a saída de Antônio, filho de Manoel Ciriaco que realizava trabalhos mediúnicos na comunidade. Ele teve que ir morar na periferia de Guaíra, pois sua prática espiritual como curador e médium não era aceita no bairro rural

“Maracaju dos Gaúchos”.

A religiosidade, importante destacar, é uma esfera significativa de reprodução da memória comunitária e do vínculo que o grupo mantém com a região de origem.

Além de narrativa (cognitiva), como analisamos no subitem anterior, a memória é também performativa e corporal. O reencenamento do passado na conduta presente constitui uma “mnemônica do corpo”66, muito característica nas culturas orais67, conforme analisado no livro Como as sociedades recordam do antropólogo Paul Connerton (CONNERTON, 1999, p. 86). Um dos aspectos interessantes desta mnemônica corporal quilombola foi indicado por Geralda, que trabalha como médium em um terreiro de Umbanda há mais de sete anos: a experiência da incorporação de entidades como os pretos-velhos permite a reativação de memórias dos espíritos de escravos.

Tais espíritos são investidos de eficácia e de autoridade para fornecer conselhos de cura para os vivos, quando incorporados nos médiuns. Estas entidades espirituais se apresentam no terreiro de Umbanda para lidar com todos os tipos de problemas pessoais da clientela que frequenta o terreiro. Enquanto “culto de possessão”, a Umbanda é composta por um panteão que integra “algumas entidades do candomblé além de novos estereótipos como índios, preto-velhos, tropeiros,

66Para além das histórias narrativas, nos interessam também o processo de permanência social enfocado através da noção de “memória-hábito”, enquanto capacidade de reproduzir determinada ação que, dentro da dimensão social, é “ingrediente essencial para o desempenho bem-sucedido dos códigos e normas”. Há outras formas de lembrar, por exemplo, por meio de “atos de transferência que tornam possível recordar em conjunto”. Trata-se de “tipos particulares de repetição” que ocorrem no âmbito da “memória comunal”, como vivenciado nas cerimônias comemorativas e nas práticas corporais (CONNERTON ,1999, p. 44).

67Em contraste com a cultura escrita, caracterizada pela “prática de inscrição” por meio da qual a memória se reproduz através dos “dispositivos de armazenamento e recuperação de informação”

(CONNERTON, 1999, p. 84-87).

baianos”. Com profunda influência do Espiritismo e do Catolicismo popular e derivada, em boa parte, do Candomblé, a Umbanda deu cobertura para uma série de “práticas místicas populares altamente estigmatizadas”. É a própria marginalidade desses espíritos, no que tange aos valores estabelecidos pelo sistema social hegemônico, a fonte da força e da capacidade que possuem para resolver as aflições humanas (BRUMANA; MARTÍNEZ, 1991, p. 64-86).

A manifestação dos pretos-velhos ou as pretas-velha, espíritos de velhos(as) escravos(as), traz à tona temas da memória coletiva brasileira e da ideologia religiosa que resiste às hierarquias alienantes do colonialismo e do capitalismo (MATORY, 2007, p. 405). A representação sobre estes espíritos, enquanto importante símbolo da identidade nacional, abrange desde a submissão resignada à resistência heroica do escravo (HALE, 1997, p. 393).

These spirits constitute sign vehicles through which Umbandistas interpret and explore themes of racism, national identity, domination, suffering, and redemption within a moral framework broadly informed by the values and motifs of popular Catholicism. At the same time, pretos velhos work a reciprocal semiotic movement: through them, these cultural discourses and collective memories constitute bodily experience by way of spirit possession and spirit performance (HALE, 1997, p. 393).

É por meio dessa experiência corporal vivenciada por Geralda quinzenalmente como médium na “Associação Espírita Reino de Baluaê”, que ela faz a associação dos pretos-velhos com sua trajetória pessoal e familiar. Enquanto quilombolas agricultores, ela compara o desgaste físico que tiveram em decorrência dessas atividades rurais com a experiência dos pretos(as) velhos(as), quando viveram na terra e trabalharam como escravos(as). Esta memória corporal se manifesta na forma de incorporação do médium, quando “o controle social do corpo não é simplesmente abolido no transe mas substituído por outro controle, o dos estereótipos corporais da incorporação de cada entidade mística” (BRUMANA, MARTINEZ, 1991, p. 84). A maioria destas entidades exibem sinais característicos de idade e debilidade física, caminham debruçadas sobre suas bengalas, com rigidez articular, movimentos trabalhados e pausados. Ao incorporarem no médium, portanto, apresentam um

“desempenho corporal” que passa por uma certa codificação estereotípica que as identificam entre si e as distinguem das demais entidades, através de atributos materiais, como o cachimbo e o vinho doce, podendo usar chapéu de palha e lenços (BRUMANA; MARTINEZ, 1991, p. 240).

Podemos pensar nas entidades da Umbanda enquanto mediadores entre temas culturais mais abrangentes e a experiência corporal. Ademais, além desta codificação, a performance da possessão espiritual vai ocorrer também a partir de uma “gramática da ação social”, a partir do contexto do próprio médium (HALE, 1997, P. 393). Assim, os pretos-velhos podem ser analisados como veículos através dos quais:

Umbandistas speak to and embody Brazilian dramas of race and power (...).

Their bodies are worn-out from hard labor, torture, hunger, and accident. This is understood; most of the time, the physical signs stand as a mute reproach for the suffering inflicted by the allegedly benevolent system of Brazilian slavery. (HALE, 1997, p. 395; 397)

Geralda entende que é a partir dessa experiência comum que ela ganha força como médium para trabalhar com os(as) pretos-velhos(as). Segundo ela me contou sobre as histórias dessas entidades, eles(as) cantavam para aliviar a dor de tanto que apanhavam amarrados com a mão para trás e, com os cantos, louvavam a Nossa Senhora Aparecida para que os ajudassem. E completou: “era só no chicote, ficavam presos, comendo aquele angu, os restos... quando a princesa Isabel libertou os negros, eles louvaram a Deus”. Ela se lembrou, também, de como ouvia seus pais contarem sobre os parentes que tinham trabalhado como escravos em Minas Gerais e da avó, Maria Bernarda, que chorava e falava que eles não tinham liberdade.

O acionamento dos espíritos dos antepassados dos negros, representado de um modo abrangente por estas entidades espirituais, deste modo, faz com que se tornem mediadores da elaboração identitária, o que reforça a força política da memória revivida nos rituais da Umbanda. Este paralelismo construído na fala de Geralda sobre a experiência de trabalho, racismo, pobreza, escravidão em relação às entidades dos pretos-velhos foi se explicitando ao longo do trabalho etnográfico.

Segundo ela, como trabalhou muito catando algodão, sabe bem o que é o trabalho duro e o porquê de os pretos-velhos serem encurvados, pois era de tanto trabalhar na roça no sol quente. É por causa da lembrança deste corpo torturado, sujeito a um sofrimento ilegítimo, que, quando o preto-velho sai do corpo do médium e desincorpora, eles te mata ocê de tão sofrido que eles eram.

FIGURA 12: Geralda com imagem de preto-velho que compõe o seu altar.

Esta memória do sofrimento ilegítimo do tempo da escravidão se desdobra em uma infeliz continuidade que se estende ao tempo presente. Neste sentido, há uma reflexão feita pelos quilombolas sobre como a pobreza, assim como o racismo, institui uma realidade contrária à vontade divina, já que foi Deus que nos deu esta cor e todos somos irmãos perante a Ele. Nesse sentido, a cunhada de Geralda casada com seu irmão Joaquim, Eva, que é a principal referência da prática do catolicismo na comunidade de Guaíra, comenta sobre como passou a ter orgulho de sua cor:

Eva: Eu tenho o maior orgulho que eu sou preta... eu não tenho problema que eu sou preta, não... Deus me deu esta cor e eu não ligo não (...) De primeiro eu tinha vergonha que eu era preta... eu não ligo que eu sou preta não. Deus fez eu assim, eu tenho que ficar assim... vou fazer o quê? Não tem como a pessoa mudar mais... É a vontade de Deus assim a cor da pessoa, com saúde...

A ideia de que haveria uma maior sacralidade dos negros é recorrente neste grupo quilombola. Liliana Porto encontrou uma concepção próxima nas suas pesquisas no Vale do Jequitinhonha e aponta que “são os negros e pobres os

legítimos representantes do divino” (PORTO, 2007, p. 143). Estas duas experiências de subalternidade, a pobreza e o racismo, muito presentes na história do grupo quilombola em Guaíra, são vistas por eles como recompensadas por Deus, por outro lado, através da presença de dons mediúnicos e espirituais em vários membros da família, como médiuns, benzedores e adivinho. Desde os meus primeiros contatos com a comunidade, ainda em 2011, quando eu era assessora do Ministério Público, Geralda já se identificara como umbandista e nos mostrou sua carteirinha do Conselho Mediúnico do Brasil (CEBRAS).

FIGURA 13: Carteirinha de Geralda do Conselho Mediúnico do Brasil.

As histórias da manifestação da mediunidade e dons de benzimento, cura e adivinhação são muito valorizadas internamente como um dom. Seria como uma missão recebida do plano superior que coloca em movimento o acesso às fontes do sagrado, democratizando-o e provocando uma “rotinização dos milagres” (BRUMANA;

MARTINEZ, 1991, p. 23-25). A história do "finado Zé Maria" é muito interessante, neste sentido. Como me contou Geralda, quando ele nasceu, ele veio dentro de uma espécie de "capa", um envoltório, que era um índice reconhecido pelos adultos de sua capacidade de adivinhação, um dom que ele já veio trazendo, porque Deus deu a ele.

A parteira (Maria Inácia das Dores, mãe de Antônio e sogra de Geralda), que conhecia o significado desta peculiaridade, perguntou para D. Ana, mãe de Zé Maria, se ela

queria guardar a capa, mas a mãe disse que não e esta foi enterrada. Se tivesse sido guardada, quando ele completasse sete anos, poderia ser confirmado seu dom adivinhatório através do seguinte desafio: pegariam a roupa que ele usou quando nasceu e colocariam no meio de outras. Se ele adivinhasse qual era a que tinha usado, na ocasião de seu nascimento, o seu dom estaria confirmado. Mesmo este processo não tendo sido feito, Geralda reforçou como ele era sabido e não falava nada errado, ou seja, o dom está presente, independente de um processo ritual de confirmação.

Há, entre os membros do grupo, a referência mais forte dos seguintes benzedores/benzedeiras que já faleceram e vieram de Minas Gerais morar em Guaíra:

Ana Rodrigues (esposa de Manoel Ciriaco), Altina (tia de Ana Rodrigues, irmã de sua mãe Maria Bernarda), Maria Madalena (nora de Altina e sogra de Geralda), Geraldo (filho de Altina e pai de Eva). Sobre Geralda, sua mãe Ana Rodrigues benzeu muita gente no “Maracaju dos Gaúchos” e depois falavam que a gente não prestava.

FIGURA 14: Altina, importante benzedeira na memória comunitária68.

68 Ela faleceu com 108 anos e, segundo acreditam, essa era sua idade mínima, já que ela foi registrada

em Minas Gerais e antigamente se demorava para fazer o registro da criança.

Segundo Geralda, nascida em 1962 e criada em Guaíra no sítio, os meus pais criaram nós assim, iam buscar remédio na casa dos benzedor, o que destaca o aspecto mágico das concepções de saúde e doença na comunidade. Os remédios eram predominantemente caseiros, produzidos a partir da própria mata, como as garrafadas, os chás, o uso terapêutico de uma diversidade de plantas medicinais. A restauração da saúde, neste contexto, é permeada por uma concepção ampla que não se restringe a males com origens físicas, mas perpassam uma série de ameaças místicas como o mau-olhado, o quebrante até a feitiçaria, que só podem ser revertidos por meio de benzeções, simpatias, curas recebidas espiritualmente, ou no caso do feitiço, com ações de defesa que anulem seus efeitos69. Um contexto semelhante é analisado por Porto a partir da etnografia realizada próximo da região de origem do grupo, no Alto Jequitinhonha:

No universo acima delineado, a percepção do processo saúde e doença é bastante complexa, envolvendo uma série de avaliações em torno de questões religiosas, mágicas e orgânicas, e não sendo evidente a separação entre estas esferas (...), não se baseia em uma distinção clara entre natural e sobrenatural. Mesmo a distinção entre “doença de médico” e “doença de curador” hoje existente me parece muito mais o resultado de um processo de especialização dos serviços de cura, e a classificação não é necessariamente excludente (PORTO, 2005).

Geralda ressaltou várias vezes em conversas comigo, e também pude observar na minha estadia em sua casa, a quantidade de pessoas que ela benze, neste caso “sozinha”, além do benzimento que ela faz como médium no terreiro. Há, para ela, um sentido de obrigação, como benzedeira, em atender a todos que lhe pedem ajuda. Desde pequena, relatou, já pediam para que ela benzesse, mas ela não queria e fugia. Quando começou a trabalhar na Umbanda, a demanda de benzimento

69Atualmente, são muito mais dependentes da aquisição de remédios e alguns frequentam médicos regularmente, tanto no postinho do Maracaju onde há uma tarde disponibilizada na semana exclusivamente para os quilombolas. Há também casos que dependem dos deslocamentos promovidos pelo município, principalmente a Cascavel, para tratamentos especializados, agendados pelo SUS (principalmente Joaquim que tem problema na perna, Eva e Geralda que têm problemas nos olhos).

Adir e Joaquim fazem questão de frisar que não tomam remédio de farmácia e Nilza, viúva de Zé Maria, me relatou que foi pouquíssimas vezes no médico durante toda a sua vida. Se, por um lado, a medicina busca se impor como discurso hegemônico, por outro, os especialistas populares de cura não desaparecem, bem como há manifestações de resistência de algumas pessoas da comunidade em aderir a ida aos médicos ou o uso de remédios como tratamento (PORTO, 2013a, p. 73).

aumentou bastante e as entidades lhe orientaram no sentido de que ela tinha que benzer sem restrição para que pudesse ter a felicidade em sua vida70.

Em relação aos dons mediúnicos, entre os membros da comunidade de Guaíra, são mais citados os irmãos de Geralda “finado Antônio”, “finado Zé Maria” e Joaquim, Geralda e seu marido Antônio, conhecido como Guará. Os pais de Geralda, seu Manoel e dona Ana, segundo ela comentou, já frequentavam centro de umbanda desde Minas Gerais, mas não trabalhavam. O finado Antônio, assassinado no começo da década de 90, é a principal referência de trabalhos mediúnicos, tendo manifestado seus dons desde criança enquanto “uma capacidade inata para encontrar e incorporar espíritos”, sem necessidade de iniciação para tanto (SANSI, 2009, p. 141).

Segundo Sansi, as religiões afro-brasileiras incorporam a história em suas práticas rituais através da relação dialética entre a iniciação, pela reprodução das dinâmicas da tradição, e o dom, expresso na capacidade dos médiuns de incorporarem novos espíritos (SANSI, 2009). A presença de manifestações de mediunidade entre os membros da comunidade quilombola, em questão, abrange essas duas possibilidades, pois, em alguns casos, ela parte de um dom de mediunidade que a pessoa já trouxe desde a infância e desenvolveu de modo autônomo, como no caso de Antônio, e em outros casos, esta capacidade de incorporação mediúnica dependeu de um processo de iniciação na Umbanda, como na história de Geralda.

Segundo Sansi, as religiões afro-brasileiras incorporam a história em suas práticas rituais através da relação dialética entre a iniciação, pela reprodução das dinâmicas da tradição, e o dom, expresso na capacidade dos médiuns de incorporarem novos espíritos (SANSI, 2009). A presença de manifestações de mediunidade entre os membros da comunidade quilombola, em questão, abrange essas duas possibilidades, pois, em alguns casos, ela parte de um dom de mediunidade que a pessoa já trouxe desde a infância e desenvolveu de modo autônomo, como no caso de Antônio, e em outros casos, esta capacidade de incorporação mediúnica dependeu de um processo de iniciação na Umbanda, como na história de Geralda.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN (páginas 75-110)