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Encontro com os psicólogos: quem são eles, e o que vieram fazer por aqui?

Parte II – Os caminhos da pesquisa

Capítulo 5 – A inserção do psicólogo no CRAS e a interiorização da profissão: em questão o enfrentamento à pobreza

5.1. Encontro com os psicólogos: quem são eles, e o que vieram fazer por aqui?

- Muito bom dia, senhora, que nesta janela está; sabe dizer se é possível algum trabalho encontrar? - Trabalho aqui nunca falta a quem sabe trabalhar; o que fazia o compadre na sua terra de lá? - Pois fui sempre lavrador, lavrador de terra má; não há espécie de terra que eu não possa cultivar. - Isso aqui de nada adianta, pouco existe o que lavrar; mas diga-me, retirante, que mais fazia por lá?

(João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina)

As entrevistas com as psicólogas foram encontros entre duas viajantes101. Uma que acabou de chegar à cidade e permanecerá apenas algumas horas, e outra que chegou há pouco e ficará apenas alguns dias. As profissionais encontradas são psicólogas

101

Optou-se pela redação sobre as profissionais no gênero feminino, dado que as 17 entrevistadas são do sexo feminino.

andarilhas, que diante da nova configuração profissional resolveram arriscar-se pelas estradas norte-rio-grandenses, em busca de oportunidades de trabalho. A maioria não imaginou que trabalharia em um CRAS de um município pequeno, algumas poucas ficaram até felizes em voltar para casa ou pelo menos perto de casa. Outras foram se acostumando, com a estrada, com a distância de casa, com as novas paisagens e foram ficando. “Então, isso eu agradeço muito, apesar das dificuldades, da distância de casa, que a gente também sofre com isso, com a distância de casa, com a diferença de culturas, mas é válido a gente se enveredar pelo mundo, viu?” (Psi05)102. Na Tabela 4, apresenta-se um perfil geral dessas profissionais.

102 Para manter o sigilo sobre a identidade dos entrevistados, eles serão identificados desta forma, sendo a

numeração atribuída de forma aleatória sem relação com as microrregiões ou as cidades em que trabalham. Nos trechos das entrevistas foi suprimida qualquer informação que pudesse identificar os

participantes ou municípios de trabalho. Para tanto, foi utilizado o símbolo “[...]” para supressão das falas. Além disso, o uso do símbolo “(!)” indica que o entrevistado carregou de entonação a palavra anterior.

Tabela 4

Perfil das psicólogas entrevistadas

Característica Especificação N Sexo Feminino 17 Masculino 0 Faixa Etária 21 -25 2 26 - 30 8 31 - 35 2 36 - 40 2 Acima de 40 2 Não respondeu 1

Estado Civil Solteira 7

Casada 6

Divorciada 2

União estável 1

Não respondeu 1

O perfil das profissionais entrevistadas não difere muito do encontrado nos mapeamentos sobre a profissão no estado do RN e no Brasil (Bastos & Gondim, 2010; CFP, 1988; Yamamoto et al., 1997, 2001, 2003). Todas são mulheres, confirmando a predominância feminina na profissão e também no campo da assistência social. Para se ter ideia, em um estudo recente do CFP, dos 232 mil profissionais de Psicologia em exercício no país (cadastrados no CFP), 88% são mulheres, a maioria com idade entre 30 e 39 anos (Lhullier, 2013).

No total de entrevistadas, tem-se o mesmo número de solteiras (sete) e das que possuem relacionamento estável, quando somadas as casadas e com relacionamento estável. Além disso, oito delas estão situadas na faixa etária entre 26 e 30 anos, portanto, um pouco mais jovem do que a média nacional de 36,7 anos (Bastos &

Gondim, 2010), diferença provavelmente explicada pela tradição do campo da assistência social em absorver recém-egressos dos cursos de Psicologia.

Tabela 5

Formação das psicólogas entrevistadas

Característica Especificação N psicólogos

IES da graduação Privada 10

Pública 7

Tempo de formado Menos de 05 6

05 a 10 anos 7

Mais de 10 4

Pós-Graduação Especialização 13

Nenhuma 4

Área da especialização Terapia Cognitivo-comportamental 3

Avaliação Psicológica 3 Psicopedagogia 3 Humanista-existencial 1 Recursos Humanos 1 Saúde Mental 1 Projetos Sociais 1

Sobre a formação (Tabela 5), parte das psicólogas tem entre 05 e 10 anos de formadas (sete), seguida daquelas com menos de cinco anos (seis) e, em último lugar, as com mais de 10 anos de graduação (quatro). No que se refere à instituição, 10 graduaram-se em Instituições de Ensino Superior (IES) privadas e 7 em públicas. Das 17 entrevistadas, 4 não possuem especialização, as demais concluíram ou estão cursando especialização em Terapia Cognitivo-comportamental, Avaliação Psicológica e Psicopedagogia, em igual número.

Depois de um período de prevalência da UFRN como a única instituição formadora do estado, as IES privadas ganham destaque no cenário estadual, o que não

difere do encontrado nacionalmente, com a privatização da oferta de cursos de Psicologia, que representa 89,1% dos estabelecimentos de ensino superior (Bastos & Gondim, 2010). Isto retira de apenas um curso a responsabilidade pela graduação dos profissionais, e possibilita uma maior diversidade dos perfis formativos encontrados, como explicitado no trecho de entrevista da Psi02, em que fala sobre as suas experiências em uma instituição privada:

Aí, assim, por que lá na [IES] existia a guerra do “não clínica”, de todos os professores muito da área social. Então, assim, sempre tudo da gente era... na área social, basicamente. A gente, umas experiências bem interessantes, não lembro onde era, assim, o canto na Zona Norte, mas era com uma psicóloga de lá, que ela era bem da bandeira da Saúde Mental. Ela trabalha num posto de saúde lá; aí, assim, a gente teve de ir alguns grupos que ela fazia; fez ações comunitárias na praça, que eu achava fantástico, ao ar livre. Aí, assim, fui, eu lembro que, assim, o ponto mais marcante pra mim na formação foi um trabalho que a gente fez na Casa de Passagem, que lá a gente tinha um interdisciplinar que era trabalho que a gente fazia final de semestre pra juntar todas as disciplinas que estavam sendo trabalhadas. (Psi02)

Assim, quando questionadas sobre as experiências formativas que contribuíram para o trabalho no CRAS, seis das entrevistadas elegem a disciplina de Psicologia Social, e atividades relacionadas, como contribuintes para a atuação no CRAS (Tabela 6). Duas delas (Psi02 e Psi11), cuja formação é mais recente (entre 2011 e 2012), citaram conhecimentos mais específicos sobre as políticas públicas e o CRAS, adquiridos tanto em disciplinas teóricas quanto práticas.

Tabela 6

Experiências na graduação que contribuíram para o trabalho no CRAS

Área das experiências (disciplinas/pesquisa/extensão) Na

Psicologia Social 6 Psicologia do Desenvolvimento 3 Psicopatologia 3 Dinâmica de Grupo 2 Nenhuma experiência 3 Total 19 a

Computada mais de uma resposta por entrevistada.

É importante lembrar que a rede de assistência social é um campo recente (os primeiros serviços foram implantados em 2004), e que certamente as mudanças no mercado de trabalho não são tão rapidamente absorvidas pelos cursos de formação. Aliás, não se defende aqui que a cada novo campo de trabalho do psicólogo, criem-se novas disciplinas com conteúdos e práticas específicas que deem conta da novidade.

O modelo disciplinar e conteudista presente no Currículo Mínimo foi abolido, ao menos em tese, com as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação, a partir da LDB, de 1996. Nas Diretrizes, a formação proposta para a Psicologia é generalista, pluralista, interdisciplinar, crítica, reflexiva, ética e socialmente comprometida, ofertada por meio do desenvolvimento de competências e habilidades do aluno (Yamamoto, 2000; Yamamoto, Oliveira, & Campos, 2002).

O novo perfil proposto para a formação coaduna-se ao movimento de crítica e proposição de novos caminhos para a Psicologia encontrados, principalmente, no discurso do compromisso social do psicólogo (Bock, 1999). Assim, a discussão sobre o caráter elitista da profissão, a inserção no campo das políticas públicas, a crítica ao modelo clínico privatista hegemônico são temáticas anteriores ao SUAS, que na verdade