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ENCONTROS E DESENCONTROS

No documento vanessaalkminreis (páginas 88-91)

Uma das características das interações humanas, em suas várias formas, é a troca de imagens. Procura-se transmitir imagens de si próprio, ao mesmo tempo em que se formam imagens dos outros, a partir de informações que transmitem. Para isso, cada um utiliza como melhor lhe convém seus atributos físicos, intelectuais, emocionais, morais, entre outros.

Nos encontros presenciais, face a face, é possível obter instantaneamente informações sobre a identidade do interlocutor. Faixa etária, sexo, cor da pele e vestuário, por exemplo, ajudam a moldar, à primeira vista, um perfil. No ciberespaço, por outro lado, esta observação instantânea não existe. A imagem transmitida depende de características (reais ou não) que o próprio usuário decide mostrar aos outros membros da rede.

Com isso, a Internet abre espaço para a construção de avatares mais ou menos ligados à identidade física, conforme o desejo do usuário. As personas virtuais são criadas, principalmente, em salas de bate-papo, blogs, fotologs, sites de comunidades virtuais e programas de comunicação instantânea. Nestes espaços, este processo se realiza, principalmente, através da exposição de dados pessoais, descrições narrativas, imagens e fotos.

Dessa forma, os usuários estabelecem um jogo no qual é necessária a anuência mútua para que todos possam experimentar as possibilidades existenciais que se abrem por meio das características e práticas comportamentais que escolheram representar no ambiente virtual naquele momento.

Para Maffesoli (apud Ribeiro, 2003. p. 4) “A aparência, mais do que uma simples superficialidade sem conseqüências, inscreve-se num vasto jogo simbólico, exprime um modo de tocar-se, de estar em relação com o outro, em suma de fazer sociedade”. Deste modo, a propagação na Internet de uma auto-imagem ideal e, ao mesmo tempo, não irreal, mas semi-

real, tem como base o desejo de ser socialmente aceito e, com isso, estabelecer interações. Correspondendo ao modelo físico e comportamental cultuado pela sociedade, a pessoa supõe ampliar suas possibilidades de experiências gratificantes no ambiente virtual ou, pelo menos, facilitar os contatos iniciais com os outros participantes da rede.

“De certa forma, estes modelos sugerem o trânsito de tipos ideais, matrizes de modelos que se aceitam e se reconhecem como pertencentes a um grupo seleto de personagens desejáveis. O que, por sua vez, pode derivar em uma situação de efeito peculiar: a possibilidade da identidade on-line – arquitetada para interagir dentro do ambiente virtual – ter uma aceitação social mais receptiva, devido à série de atributos construídos de acordo com os padrões valorizados socialmente, do que a identidade vivenciada no mundo off-line.” (Ribeiro, 2003. p. 5)

Esta aceitação social no ambiente virtual torna-se importante em grupos como os pró-ana e mia, que têm por base a não aceitação da forma física. É uma característica de pacientes anoréxicos e bulímicos atribuir todo e qualquer infortúnio de suas vidas ao fato de não apresentarem a forma corporal supostamente desejada pelos padrões sociais. A Internet, ao permitir que a representação de si seja arquitetada conforme a vontade do usuário, oferece um ambiente propício à expressão destas pessoas que, nos fóruns virtuais, estão liberadas da vinculação entre quem elas realmente são e a forma física que apresentam.

Talvez seja este o principal fator para explicar a restrição quase completa das interações entre membros de comunidades pró-ana e mia ao mundo virtual. Ao longo da pesquisa, encontramos muitos registros de encontros presenciais planejados, mas nenhum indício de que algum deles tenha sido realmente concretizado. Além da dificuldade causada, no início, pela pouca idade de grande parte dos envolvidos – menores de idade que dificilmente escapariam à vigilância dos pais para comparecer a este tipo de evento, muito menos teriam permissão de falar sobre sua intenção de ir a um encontro de anoréxicos – talvez haja razões mais profundas para o não acontecimento destas reuniões.

A comunidade encontro de annas e mias foi criada no Orkut em novembro de 2007 com o intuito de favorecer estas interações presenciais. Atualmente com 149 membros, tem em seu fórum diversos tópicos com tentativas de articular encontros. Em um deles, uma garota propõe:

ALLIE ANNA E MIA

GENTEM!! VAMOS ORGANIZAR UM ENCONTRO ANNAS E MIAS!

O QUE ACHAM DA IDÉIA DE NOS ENCONTRARMOS??? SERIA UMA REVOLUÇÃO NÃO ACHAM?? ALEM DE NOS INCENTIVAR AINDA MAIS , SERIA ASSIM UMA VEZ NO ANO NOS REUNIRIAMOS EM UM ESTADO TDS JUNTAS SERIA SHOW D++++++ MAGRAS E LINDAS !!! O MUNDO IA BABAR!!!!

O QUE ACHAM?? POSTEM PLEASE

PENSE O TANTO QUE SERIA BOM VER TDS JUNTAS MAGRAS E LINDAS COM A PULSERINHA DA ANNA BARRIGUINHA SARADA DE FORA. NAUM TEM SATISFAÇÃO MELHOR QUE ESSA

Outras anas, porém, não parecem compartilhar da mesma animação, e respondem à proposta:

Don't follow me

"barriguinha sarada d fora"... ô! qm me dera...!

♥ANNA♥♥

AMEI A ÍDEIA, MAS SE NAUM TIVER BARRIGUINHA SARADA DE FORA..PQ A MINHA DE SARADA NAUM PASSA PERTO...BIJOOOOOOOO Mayara

Eu também quero. Ahaha

Mas tenho medo de me sentir mais insegura ainda, pois creio que serei a menos magra do encontro... Mas de qualquer forma, eu sei que todas as Anas dariam força umas às outras.

ana-mia.. nom..nom..

a menos magra infelizmente vai ser eu.. que bosta..¬¬

Em outra comunidade do Orkut, a Rio de Janeiro / Ana e Mia, há pelo menos cinco tópicos com tentativa de agendar encontros, mas nenhum sinal de que algum deles tenha acontecido. Em um tópico, as pessoas chegam a discutir o que fazer no dia e as sugestões mais aplaudidas são: passar o dia de NF (jejum) e estabelecer metas para o próximo encontro.

Por demonstrar certo caráter competitivo, esta última idéia pode ter contribuído para afastar potenciais participantes, por medo de que seu peso não estivesse próximo à meta estabelecida.

No universo de comunidades pesquisadas, o que notamos é que as interações entre anas e mias, na grande maioria dos casos, não ultrapassam a conversa via Internet rumo a uma convivência física. Como as próprias pessoas expõem nas comunidades, boa parte disso se deve ao desconforto com a imagem corporal (característica própria dos transtornos alimentares). O encontro presencial é, portanto, deliberadamente evitado. Com isso podemos notar o importante papel das redes computadorizadas no sentido de prover um ambiente tecnológico favorável e relativamente seguro para pessoas cujas condições limitam as interações sociais com aqueles fisicamente próximos, como a família e os amigos.

No documento vanessaalkminreis (páginas 88-91)

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