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Os regimes vinculares e recalcantes primário, secundário e originário

No documento vanessaalkminreis (páginas 55-58)

4.1 A NOVA PSICANÁLISE

4.1.5 Os regimes vinculares e recalcantes primário, secundário e originário

37 Cf. Magno [2003]: “Transferência há porque o campo é homogêneo: o Haver inteiro é transferencial. Todas

as relações de comunicação são da mesma ordem do que podemos chamar de transferência” (p. 182). Há, de saída, “a disposição do vivo a ser impresso, a receber imprintings. É impressão no sentido gráfico do termo: qualquer matéria viva surge com a disponibilidade de ser impressionada para não sucumbir”. É “a disponibilidade que tem a matéria viva de receber de seus pares informação impressiva para poder sobreviver no ambiente” (p. 174).

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Além das determinações e sobredeterminações biológicas e culturais de que sofrem as formações, o fato de o campo que estamos utilizando como referencial teórico ser pulsional implica a idéia de uma hiperdeterminação, que, mesmo recalcada, não cessa de direcionar o movimento nele presente no sentido do revirão, ou seja, de uma indiferenciação do caráter opositivo das formações primárias e secundárias (como veremos a seguir no texto). Cf. Magno [1995]: “as idioformações não se postam como constantes (identidade) por sua mera repetição e duração (...), mas sim que só há idioformação onde está (pelo menos) disponível como referencial a hiperdeteminação (mesmo que não disponível aqui e agora). O mero [permanecer constante] indica apenas formações se repetindo, e não necessariamente uma idioformação” (p. 231). “Nada parece impedir que outras formações (de base carbono ou não) espalhadas pelo Haver (digamos, idioformações extraterrestres) sejam hiperdeterminadas também” (p. 232).

Vinculamo-nos uns aos outros, a pensamentos, sentimentos, características, objetos, e todas as outras formações que nos rodeiam. Tais vinculações ocorrem nos três níveis em que o Haver se manifesta: Primário, Secundário e Originário. O nível primário refere-se às características biológicas: a corporalidade, a materialidade, bem como os comportamentos determinados por este corpo (automatismos programados, por exemplo). O regime primário abrange ainda os fenômenos e ciclos da natureza, em suas dimensões mais primitivas. O nível secundário, por sua vez, inclui os aspectos simbólicos, culturais, tecnológicos. Deste grupo fazem parte as idéias, pensamentos, teorias, características culturais, linguagens e outras manifestações que, mesmo que imitem o que ocorre no primário, o fazem de forma abstrata, utilizando, sobretudo, suportes materialmente construídos (próteses).

Os vínculos primários (biológicos e etológicos) e secundários (simbólicos e neo- etológicos) são chamados vínculos relativos. Podemos observá-los todo o tempo em nossa vida diária: amor, ódio, nutrição, procriação, consumo de produtos e idéias, ideologias, religiões, entre outros. Conforme mencionado anteriormente, as formações são resistentes a qualquer mudança advinda de seu exterior. No nível dos vínculos relativos, podemos observar essa tendência à inércia tanto em nossas características biológicas quanto em construções culturais como os fundamentalismos religiosos, nacionais, raciais, ou qualquer outra ordem estabelecida sobre a diferença. A dureza primária ou secundária deste tipo de formação (e sua conseqüente resistência ao que quer que ameace sua configuração) tem sido responsável, ao longo da história, por inúmeros conflitos e perdas.

Para além dos vínculos primários e secundários, observa-se também um outro tipo de vínculo, este específico dos seres humanos, ou melhor, das idioformações: o vínculo absoluto, que opera no nível originário, onde ocorre a suspensão das diferenças. Não se trata mais de um vínculo relativo, e sim daquele que distingue os humanos dos demais vivos.

Denominar esta vinculação de absoluta significa entender que, em última instância, ao contrário do que se apregoa usualmente, não estamos vinculados uns aos outros, mas sim que, uma vez que existimos, estamos todos vinculados – por condenação, mesmo – ao movimento pulsional, à inevitável trajetória rumo à impossível extinção de seu próprio existir.

Considerar as coisas do ponto de vista do vínculo absoluto significa relativizar todas as diferenças de ordem biológica, simbólica e cultural. Este procedimento pode ser útil em todas as esferas da ação humana, como na busca de soluções para conflitos baseados em diferenças. A referência ao revirão, ou seja, ao ponto de neutralidade atingido no ápice da busca não-concretizada da não-existência, liberta os vínculos das repetições em série características dos níveis primário e secundário, e abre possibilidade de uma nova experiência de in-diferença e conseqüente apontamento para criação de procedimentos mais adequados, antes impedidos de comparecer por estarem sob forte massa recalcante. Porém, a resistência de nossas formações primárias e secundárias faz com que, na maioria das vezes, o entendimento do nível originário seja recalcado.

O recalque tem início com o próprio Haver, uma vez que o objetivo final de todas as formações, o não-Haver, jamais pode ser atingido. A esta impossibilidade dá-se o nome de Recalque Originário. As próprias formações biológicas, de nível primário, são, em sua inércia, recalcantes do movimento de revirão. Tendem a permanecer em um ciclo de repetições coordenado pelos movimentos, também repetitivos, dos ciclos da natureza, por exemplo. A isso dá-se o nome de Recalque Primário. Algo semelhante ocorre com as formações simbólicas que permeiam o Haver. O campo da cultura proporciona grandes expressões de criatividade, arte e novas idéias. Porém, uma vez produzidas e estabelecidas, estas formações tornam-se resistentes e recalcantes de outras possibilidades que, devido a isso, ficam restritas e com poucas vias de expressão. Este tipo de recalque secundário está presente em formações narcisistas, racistas, sexistas e religiosas, por exemplo, para as quais não basta garantir a

expressão de suas idéias, mas sentem-se impelidas, ainda, a tolher as expressões não condizentes com seu modo de pensar.

Considerando a máxima de que tudo que há se dispõe à vinculação, podemos considerar a teoria psicanalítica como uma teoria da comunicação. Termos já discutidos por pesquisadores de diversas áreas, como influência, contágio, sugestão, sedução, enamoramento, fascinação, possessão, alienação, hipnose, transe, sinapse e link, para ficarmos somente nestes exemplos, podem ser remetidos, todos, ao conceito de transferência que mencionamos acima. Todos, portanto, transmitem a idéia de troca, vínculo e, em suma, de comunicação.

No documento vanessaalkminreis (páginas 55-58)

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