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A energia e estrutura das sociedades

Capitulo 2 Energia, economia e sociedade

2.3 A energia e estrutura das sociedades

As sociedades de caça-colecta eram pequenas, raramente mais de 500 indivíduos e eram simples. Como a procura de alimento e abrigo consumia muito tempo e muita energia, quase não existiam outras actividades individuais e colectivas. Todavia, com o desenvolvimento da agricultura, tornaram-se disponíveis quantidades maiores de alimentos, fibras e de excedentes energéticos. Concorrentemente, verificam-se, nas sociedades humanas, maior interdependência entre as pessoas e mais incentivos ao aumento da produtividade (Service, 1962; Lee & DeVORE, 1976; Bews, 1973).

Factor este igualmente importante foi a circunstância de que, à medida que aumentavam as quantidades produzidas de alimento, também aumentou a estabilidade dos

abastecimentos alimentares. Sociedades outrora obrigadas a ser nómadas para acompanharem o seu abastecimento alimentar, melhoraram no que se refere à segurança e permanência.

Mesmo nas primitivas sociedades agrícolas, a produção de alimentos ainda era a principal actividade do homem e, como consequência, a sua interacção social permanecia relativamente estreita. A introdução da força de tracção animal na produção agrícola libertou maiores quantidades do tempo e energia do homem. Este excedente de energia e mais tempo disponível permitiram que o homem participasse em várias novas actividades, o que conduziu a tornar mais complexos os sistemas sociais.

A roda de água e o moinho de vento acrescentaram novas formas de energia àquelas que o homem inicialmente usara em seus processos produtivos, nomeadamente no sistema de produção alimentar. Agora, em vez de usar animais de tracção cuja alimentação e outros cuidados requerem energia, o homem recorria à força da água e do vento. Com esta mudança, o homem ficou a dispor de mais poder a menos custo (calculado em termos de gasto de energia humana) do que no passado. Desta forma, a quantidade de excedente energético ao dispor da sociedade foi largamente aumentada.

Figura 2.1 Transporte de monumento em pedra maciça em 660 a.C. (Loftness, 1984).

A água e o vento, como recursos adicionais de força, e a subsequente redução da dependência da força animal, promoveram o desenvolvimento do comércio e do

transporte entre grupos de pessoas. Sob condições melhoradas de comunicação, aumentou a troca inter-grupos de recursos e ideias. Os avanços tecnológicos expandiram-se mais facilmente do que nunca antes acontecera. O subsequente desenvolvimento da ciência e da tecnologia teve como resultado a construção e utilização de navios à vela, que fizeram avançar a comunicação, o transporte e o comércio entre grupos cada vez mais amplos. Estas mudanças trouxeram diversidade maior às actividades humanas e fizeram surgir as especializações na agricultura, navegação, comercialização e industrialização.

A invenção da máquina a vapor foi um marco altamente significativo no uso da energia, porquanto assinalou o começo do emprego de combustíveis fósseis como fonte de energia primária. Esta máquina, bem como mais tarde as que utilizavam carvão e combustíveis líquidos, conferiu ao homem um poder imenso para controlar o seu ambiente e alterar toda a estrutura económica, política e social da sociedade, ao mesmo tempo que se verificam maiores estabilidade e especialização do trabalho.

A estrutura das sociedades dos primeiros caçadores-colectores era mínima. Quando muito, um chefe ou um grupo dos mais idosos dirigia o acampamento ou a aldeia. A maior parte destes dirigentes eram obrigados a caçar e colectar juntamente com os outros membros, porquanto eram escassos os excedentes de alimentos e de outros recursos vitais para permitir que funcionasse em permanência um chefe ou um conselho da aldeia.

O desenvolvimento da agricultura alterou esse padrão de trabalho monotípico. A família agrícola primitiva conseguia colher 3 a 10 kg de grão por cada quilograma semeado. Parte deste excedente alimentar/energético era devolvido à comunidade e assegurava a manutenção dos não-agricultores, tais como chefes ou conselhos de aldeia, médicos, padres e mesmo guerreiros. Os não-agricultores dessas primeiras sociedades assumiam o governo e asseguravam a estabilidade e segurança à população agricultora, de modo a que esta conseguisse aumentar os excedentes das produções alimentares/energéticas (Fakhry, 1969; Cottrell, 1955).

Sob condições favoráveis à agricultura e com melhoria da tecnologia agrícola começaram a obter-se excedentes energéticos apreciáveis e, como resultado, surgiram grupos populacionais maiores ou mesmo cidades. Com a concentração da população em cidades maiores, apareceu a especialização das tarefas. Especialistas, tais como pedreiros, carpinteiros, ferreiros, mercadores, comerciantes e marinheiros, mostravam-se mais eficientes que as pessoas não especializadas. Os bens e serviços fornecidos por

artesãos-tecnologistas determinaram uma qualidade de vida melhorada, um padrão de vida mais elevado e, para a maior parte das sociedades, uma estabilidade acrescida.

O Egipto, durante o reino dos Faraós, é um exemplo flagrante de uma sociedade primitiva que possuía recursos ambientais favoráveis ao estabelecimento de uma agricultura estável, e que criou uma tecnologia agrícola eficiente. O Nilo levava às terras cultivadas água e valiosos nutrientes, que substituíam aqueles que as colheitas de cereais e outros produtos retiravam do solo. Graças às suas cheias periódicas, o Nilo depositava lamas ricas em nutrientes nas terras de cultura, que assim se mantinham produtivas. Era também uma fonte de água para a rega digna de confiança. Além disso, e com igual importância, havia a considerar o clima quente do Egipto que era altamente favorável à produção agrícola. Este produtivo sistema agrícola sustenta os 95% da população egípcia directamente envolvida na agricultura, e fornecia suficiente excedente alimentar/energético para manter os 5% da população que não trabalhava na agricultura (Cottrell, 1955).

Para sustentar a pequena classe dirigente, bastava uma quantidade relativamente reduzida de energia alimentar. A localização naturalmente isolada do Egipto assegurava protecção contra invasões sem a necessidade de grandes despesas para sustentar uma classe militar. Consequentemente, os 5% da população não envolvida na agricultura eram utilizados pelos Faraós como trabalho escravo para construir as pirâmides e nestas armazenar bens e materiais para uma vida que, segundo os egípcios acreditavam, se seguiria à vida na terra.

Ao longo deste período, a população egípcia permaneceu relativamente constante devido à procura de escravos efectuada pelos dirigentes. Logo que os homens em excesso se encontravam suficientemente capazes de trabalhar eram destinados à construção das pirâmides. Estes homens eram forçados a realizar muitas horas de duro trabalho e eram literalmente “usados até a morte” durante um período de poucos anos de trabalho escravo. Quando morriam, eram substituídos por novos elementos escolhidos entre os trabalhadores excedentários. Tudo isso era feito sem comprometer o sistema agrícola fundamental que requeria os esforços de quase todo o povo egípcio.

Durante a idade dos Faraós, que ocupou os anos 2780 a 1625 a.C., o Egipto tinha uma população de cerca de 3 milhões, muito menos que os 38 milhões de hoje. Um excedente energético de 5% em cerca de 3 milhões de pessoas não é muito. Numa base per capita

correspondente a 100-150 kcal7 por dia, equivalente a 10-15 kg de trigo por pessoa e ano. Em relação aos 3 milhões, o total alcança 30-40 x 106 kg de excedente de trigo por ano (Fakhry, 1969; Cottrell, 1955).

A construção da pirâmide de Cheops ao longo de 20 anos utilizou uma quantidade de energia que igualava o excedente energético produzido durante a vida de cerca de 3 milhões de egípcios. Durante o período de construção, a força de trabalho aplicada foi de cerca de 100.000 escravos por ano. Atribuindo a cada escravo 300 a 400 kg de alimentos por ano, o custo total terá sido 30-45 x 106 kg, ou seja a totalidade do excedente alimentar/energético proveniente da agricultura egípcia.

Em períodos posteriores da história do Egipto, foram utilizados níveis similares para manter grandes forças militares que conquistaram alguns dos países vizinhos do Egipto. Estas operações militares proporcionaram alguma terra e alimentos adicionais e, muitas vezes, os povos conquistados foram levados para o Egipto como escravos. Todavia, as longas distâncias em regiões desertas que as tropas egípcias eram obrigadas a percorrer e o aprovisionamento destas limitavam as operações militares. Tornava-se necessário dispender grandes quantidades de energia unicamente para proteger as estradas e os transportes militares de abastecimentos.

Noutras ocasiões, quando a população aumentou muito relativamente aos recursos da terra e da agricultura, deixou de haver no Egipto excedentes de recursos agrícolas. Nestas condições de relativa sobrepopulação e com insuficiência em vez de excedentes, a sociedade egípcia apenas era capaz de se sustentar a si própria. Algumas vezes, sob estas condições de pressão, ocorreram lutas civis e problemas sociais. Tais condições ocasionaram frequentemente declínios no efectivo populacional, dado que essas sociedades instáveis não eram produtivas quer na agricultura quer noutras actividades essenciais.

Deste modo, a história primitiva do Egipto é um exemplo excelente do papel que a energia, medida em excedentes alimentares/energéticos, desempenhava na estrutura e nas actividades de uma sociedade primitiva. Embora as estruturas das sociedades de hoje sejam bem mais complexas, a energia continua a ser um importante factor de desenvolvimento da humanidade.

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Historicamente, a definição de caloria era quantidade de calor necessária para elevar em 1 grau Celsius a temperatura de 1 grama de água. Com a evolução das técnicas de medida, verificou-se que o calor específico não era constante com a temperatura. Por isso buscou-se padroniza-lo para uma faixa estreita, e a caloria foi então redefinida como sendo o calor trocado quando a massa de um grama de água passa de 14,5 ºC para 15,5 ºC. Um kcal é a quantidade de energia necessária para elevar em 1 grau Celsius a temperatura de 1 quilograma (Kg) (equivalente a 1 litro) de água. Thermodynamics: An Engineering Approach, 5th edition by Yunus A. Çengel and Michael A. Boles.

A humanidade terá que se adaptar e achar novos potenciais energéticos, assim como fez ao longo de toda a sua história. Novas energias surgem esgotáveis ou não, poluentes ou não, mas serão elas distribuídas igualitariamente? De nada adianta a grande produção de energia se a mesma será distribuída e usufruída por poucos.