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12 ENFIM SÓS? NÃO! ENFIM, PROFESSORA UNIVERSITÁRIA

Eis que me cai no colo a possibilidade de iniciar a tão sonhada carreira universitária através de um contrato de professora visitante na UESC, em Ilhéus, por indicação de Marcia, que me informou sobre a necessidade urgente de um profissional de Espanhol. Cinco minutos antes do início da defesa da dissertação de Mestrado, Marcia aproximou-se da mesa onde eu estava e perguntou-me se me interessava trabalhar em Ilhéus. Nervosa como estava naquele momento, com o pensamento voltado ao que havia preparado para apresentar e prováveis respostas à banca, nem consegui pensar direito sobre o assunto.

Na volta para Juiz de Fora, só pensava na viabilidade de minha ida para a Bahia e nas portas que se abririam com aquela oportunidade. Seria um contrato de 2 anos prorrogáveis por mais 2, tempo durante o qual eu poderia pedir licença da Prefeitura. No caso do Colégio dos Jesuítas, pediria demissão, afinal, parecia-me imperdível aquela oportunidade. Todo o esforço valeria a pena, já que se tratava de uma grande conquista, ainda que temporária, e que poderia auxiliar-me, e muito, a atingir a meta da vaga efetiva no futuro.

Depois de muito pensar e conversar com familiares e amigos, decidi participar da seleção, que constava de avaliação de currículo e de proposta de trabalho. Em uma semana, enviei a documentação, incluindo projetos de ensino, pesquisa e extensão, frutos da minha dissertação. No Plano de Trabalho, propus, além das aulas nas turmas de Graduação previstas, o desenvolvimento da pesquisa “Questões culturais e aprendizagem de espanhol por brasileiros” e dois cursos de extensão: “Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Conhecimentos de Espanhol” e “Os gêneros discursivos e o diálogo entre culturas”. A concepção do projeto de pesquisa e dos cursos de extensão visava multiplicar o que aprendi na dissertação: a relevância do diálogo cultural no ensino e aprendizagem da língua, o valor do gênero publicidade como instrumento mediador da interculturalidade e a discussão sobre a perspectiva discursiva e social do ensino de Espanhol nas escolas, especialmente, após a publicação da Lei 11.161/2005 (BRASIL, 2005) e das OCEM (BRASIL, 2006).

Elaborar o Plano sozinha encheu-me de orgulho e mostrou-me, mais uma vez, minha evolução acadêmica, sendo que, até poucos anos antes, não me sentia preparada para participar da seleção para o Mestrado pela falta de experiência em estudos científicos, o que me levou a realizar, primeiramente, a Especialização. Mas muitos frutos ainda daria a pesquisa durante minha carreira profissional, além de tudo o que já havia representado até aquele momento.

Em outubro de 2008, partia para Ilhéus, contratada pela UESC e com consideráveis expectativas. Enfim, sós? Não! Enfim, debutava como professora universitária! Numa longa viagem de 23 horas, de Juiz de Fora à cidade de Jorge Amado, de ônibus, fiz meu primeiro voo solo, acompanhada de minha mãe, amuleto e anjo que nunca se afasta de sua rebenta e que queria ver de perto a cidade para onde se mudaria a filha, esta que se tornaria, a partir de então, a viajante – quase nômade – da família.

Lembro-me da preparação das primeiras aulas, no quarto do hotel onde ficamos hospedadas. Estudava Moita Lopes para discuti-lo com os graduandos de Letras Português- Espanhol. Também tinha disciplina com turmas do Lea – Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais, curso que conheci na UESC. Figuraram em minhas aulas Eduardo Galeano, Isabel Allende, Juan Rulfo, Rajagopalan, Paraquett e Tomás Tadeu da Silva, como mostram meus arquivos que estão sob o título da Universidade, lista que corrobora a influência das minhas vivências como aluna na atuação como professora.

Trabalhei em Ilhéus entre outubro de 2008 e abril de 2010, período em que ganhei diversificada experiência, ministrando aulas de diferentes disciplinas, como Língua Espanhola em vários níveis, dos intermediários aos avançados, tanto em Letras como em Lea, Prática de Pesquisa em Língua Estrangeira (Espanhol) e Estágio Supervisionado em Língua e Literatura Espanhola I. Nas disciplinas de Língua Espanhola para as turmas de Letras, como tinha um programa a seguir, focado em pontos gramaticais, não sentia autonomia para criar, limitando- me a poucas inovações ou meios alternativos de trabalho com aspectos formais da língua. Entre meus arquivos, encontrei muitas listas de exercícios tradicionais e comportamentalistas de aprender línguas, como eu aprendera anos antes. Na verdade, não me sentia livre para ousar ou talvez não me sentisse encorajada para fazê-lo, por não ser a titular da vaga. Reflito sobre esse ponto, porque, no Colégio dos Jesuítas, onde era a professora das turmas e já havia conquistado o respeito da Instituição pelo meu trabalho, o que me dava mais segurança para agir, pude atrever-me, apesar da exigência de seguir o LD.

Busquei alternativas de trabalho com o Espanhol em atividades de leitura e elaboração de textos, nas quais discutia escritos de Galeano e outros escritores, e em atividades realizadas em ambiente virtual, no já desativado Orkut, através da criação da comunidade “¿Qué tienes para hoy?”110. Outro recurso que utilizei nessas disciplinas foi o

site Radialistas Apasionadas y Apasionados111, ONG equatoriana formada por

110“O que há para hoje?” (Tradução livre feita por mim). 111https://radialistas.net/

comunicadores sociais e outros profissionais. Na página, há programas de rádio que abordam diversos temas, como “cultura, armonía vital, medio ambiente, capacitación, derechos

humanos, mujeres, género, sexualidad y especiales”112, divididos em subtemas, além de

séries, radionovelas, videoconferências e cursos. Para cada tema, há radioclips, acompanhados de sua transcrição. Como os programas são atualizados e situados sócio- historicamente, sob perspectiva crítica, eles se tornaram material ideal para as atividades orais, estimulando bons debates nas aulas.

Nas disciplinas do Lea, selecionava predominantemente unidades didáticas do LD Al

día. Curso superior de Español para los negocios (PROST, G; FERNÁNDEZ, A. N., 2003),

indicado por um colega, professor de Espanhol da UESC, que já tinha experiência no Lea e me auxiliou antes de eu desembarcar em Ilhéus, sendo importantíssimo apoio, já que, até então, não me enveredara por esse caminho. No Lea, buscava refletir com os alunos sobre interculturalidade nos contatos ligados a negociações internacionais e âmbito empresarial, embora não me interessasse esse tipo de diálogo, preferindo discutir interculturalidade entre estudantes de Espanhol brasileiros e a própria língua-cultura nas escolas.

A experiência na UESC me marcou, especialmente pela disciplina de Prática de Pesquisa, que me proporcionou pôr em ação o que havia aprendido recentemente sobre pesquisa qualitativa em LA. Era orientadora de pesquisas dos estudantes dos períodos finais, que se preparavam para posteriores trabalhos de Pós-Graduação. Ao mesmo tempo em que os assistia na formulação do problema e afins, envolvia-me com cada dupla, com seus interesses de pesquisa, com suas reflexões sobre ensinar e aprender a língua, interessando-me por ampliar minhas descobertas sobre os assuntos e melhor orientá-los. Nas aulas de Prática de Pesquisa, discuti com algumas duplas sobre questões culturais no ensino e aprendizagem de Espanhol. Essa oportunidade trouxe-me ânimo e disposição para o trabalho porque me permitiu disseminar as ideias que havia alimentado a partir da pesquisa do Mestrado.

Embora menos intensas e impactantes, as aulas de Estágio foram prazerosas. Enquanto estive na UESC, ministrei Prática de Pesquisa quase todos os semestres, mas o Estágio Supervisionado somente em um. Não assisti a muitas aulas, pois os alunos não eram obrigados ainda a lecionar, antes, faziam uma pesquisa sobre uma turma da escola escolhida e aplicavam uma oficina para o grupo observado. Quer seja porque a turma de Estágio era pequena, quer seja porque a oficina tenha sido aplicada em outros ambientes,

112“cultura, harmonia vital, meio ambiente, capacitação, direitos humanos, mulheres, gênero, sexualidade e

quer seja ainda porque tenha visitado poucas escolas, o fato é que não tenho muitas memórias dessa disciplina, embora ela seja atualmente uma das minhas preferidas.

Voltei a participar de eventos. Para quem escondeu suas caixas de livros tão logo enviara a dissertação para a banca, rapidamente, teve que abri-las e recuperar o material para as aulas e projetos de Ilhéus. Apresentei e publiquei os resultados finais da dissertação, além de recortes teóricos do trabalho de pesquisa: gêneros discursivos e desterritorialização (GARCÍA CANCLINI, 2006) da cidade de Juiz de Fora, onde foi realizado o estudo. Nessa fase, publiquei dois artigos em revistas juizforanas, uma editada no Colégio Militar e outra no Colégio de Aplicação João XXIII, da UFJF. Ao devolver a minha cidade parte do que ela me oferecera em minha formação inicial, sentia-me jubilosa!

Foi também em Ilhéus que conheci os bastidores da organização de um evento científico. Em 2009, participei, com colegas e amigas do Inglês e do Espanhol, da coordenação do XXII Seminário Nacional de Inglês Instrumental e X Seminário Nacional de Línguas Instrumentais, que ocorreram concomitantemente na UESC. Na organização do Seminário, fiquei responsável pela coordenação dos monitores e arrecadação de patrocínio. Além de convidar professores para o evento, participei de uma mesa redonda com a exposição “Espanhol para negociação internacional: uma nova dinâmica de trabalho”, na qual apresentei um pouco de minha prática com o Lea na Universidade, descrevendo atividades desenvolvidas pelos alunos e suas relações com o referencial teórico que me auxiliava naquele momento. Esse curso desafiou-me a buscar novas maneiras de ensinar Espanhol, já que eram outros fins específicos, os relacionados ao mundo das empresas e das negociações internacionais.

Tenho um carinho muito especial pela UESC e por Ilhéus. Por isso, costumo dizer que fui muito feliz lá! Afinal, foi onde ocorreu a experimentação tão esperada do magistério superior. Aprendi uma quantidade sem tamanho em Ilhéus, para a vida e para a profissão: fiz amigos entre colegas de trabalho e alunos, com os quais me encontro ainda hoje e relembro com alegria o que vivi ali. Gosto muito da foto a seguir, tirada durante uma festa surpresa de despedida organizada por uma turma de Letras para a qual ministrava aulas uma segunda vez. Ela retrata bem a alegria que eu sentia por estar concluindo uma etapa de aprendizado e crescimento profissional, celebrada naquele dia. Os desejos de boa viagem ofereceram-me boas energias que levei para a Paraíba e o cartaz, salvo engano, está guardado ainda hoje, em Viçosa, como a me lembrar do carinho e atenção recíprocos entre professora e alunos na UESC.

Foto 4: durante a festa de despedida na UESC. Fonte: arquivo pessoal.

Além do fator afetivo, a UESC proporcionou-me knowhow do trabalho com o Lea, que viria a ser fundamental para a etapa seguinte da carreira, a aprovação para o concurso da UFPB, em 2010. Buscando ser professora efetiva em alguma Instituição de ensino superior, já havia sido reprovada em dois concursos públicos e tentava o terceiro. Na época, havia apenas 3 cursos Lea: os da UESC, UFPB e Universidade de Brasília (UNB), e poucos professores com experiência específica. Ao ver a lista de inscritos e perceber que era a única com essa característica, eu dizia “a vaga é para mim”. O concurso foi na primeira semana de março de 2010, passei as férias do início daquele ano estudando. Fui aprovada em 1º lugar. No começo de maio, rescindi o contrato da UESC, pedi exoneração na Prefeitura de Juiz de Fora e fui feliz para a UFPB, em João Pessoa.

Na UFPB, como entrei em maio de 2010 e saí em setembro, ou seja, dois meses do fim de um semestre e um mês do início de outro, ministrei as seguintes disciplinas: Língua Espanhola em diferentes níveis do Lea; Cultura dos Países de Língua Espanhola; Produção de Textos em Língua Espanhola II e Práticas de Leitura para alunos de Letras. Como a demanda de disciplinas é alta e eu ainda não tinha nenhum projeto de pesquisa ou extensão, acabei suprindo uma carência do curso de Letras no semestre em que tomei posse.

Como afirmei anteriormente, quando cheguei à UFPB, o semestre já havia começado e as turmas destinadas a mim, para não ficarem muito tempo sem Espanhol, estavam tendo aulas com uma professora de Letras. Casos como esse são comuns nas instituições públicas de ensino no Brasil, uma vez que, nem sempre, é possível iniciar o período letivo com o quadro docente completo, por questões burocráticas e de planejamento financeiro. Então, dei prosseguimento ao trabalho que já estava estabelecido,

completando os dois meses de aulas que restavam para o fim do semestre. As turmas utilizavam um LD, o Pasaporte (CERROLAZA et al., 2008), um material geral de ensino da língua, mas que continha em cada módulo uma seção específica sobre o âmbito profissional. No pouco tempo em que lecionei em João Pessoa, guiei-me exclusivamente pelo LD nessas disciplinas. Sobre Práticas de Leitura e Produção de Textos em Língua Espanhola II, apesar de não ter lembranças de como nos relacionamos, tenho o programa que me mostra uma proposta bastante interessante de trabalho com os gêneros textuais.

Uma disciplina em especial cativou-me: Cultura dos Países de Língua Espanhola. Quando me deparei com a ementa do programa, quase enlouqueci por pensar como conseguiria abordar tantos temas em tão pouco tempo, além de constatar o quanto precisaria estudar para preparar aquelas aulas:

Panorama da história da Espanha e o processo de expansão da língua espanhola. A influência da língua espanhola. A influência da cultura espanhola sobre os países colonizados. Estudo dos variados contextos sócio-culturais nos quais se fala a língua espanhola para adoção de estratégias sociais apropriadas para fins comunicativos (UFPB, 2010, s/p).

Por outro lado, percebi o leque de discussões que poderíamos desenvolver nas aulas a partir dos temas e, hoje, relendo a ementa na qual me baseei, reconheço como esta apresentava uma visão homogeneizante de cultura e de língua. Vejo a desvalorização das culturas e das línguas de todos os países que falam Espanhol, que não a Espanha, e esta como o centro da língua, a partir de onde devem ser ditados os usos linguísticos e as maneiras de ver o mundo e a vida para os falantes de Espanhol. Talvez, se tivesse percebido essa questão naquele momento, não me empolgasse tanto, ou, quiçá, tenha interpretado a ementa equivocadamente, entendendo-a como se colocasse em pé de igualdade os diferentes grupos humanos que falam Espanhol.

O fato é que identifiquei a possibilidade de trabalhar várias questões das aulas de literatura que fiz na graduação na UFJF, o que me motivou bastante. Fiz contato com outro professor de Espanhol que já havia ministrado Cultura para saber como ele organizou o curso. Mas não gostei da abordagem proposta por ele, uma vez que priorizava a história espanhola em detrimento da pluralidade e riqueza da história latino-americana. O professor era espanhol, o que pode, de certa forma, justificar suas opções teórico-metodológicas.

Após muito refletir, decidi basear os conteúdos no livro El espejo enterrado, do ensaísta mexicano Carlos Fuentes, lançado em 2000, por ocasião dos 500 anos da invasão

dos espanhóis na América. Sem perceber, porém, acabei contribuindo para a valorização da expansão linguística, cultural e política da Espanha sobre as Américas, como era a proposta da disciplina. Explico-me: a obra trata da história da Espanha e da América Latina após a chegada dos espanhóis, através de um “[...] detalhado ensaio que se perde entre as fronteiras do linguístico, do literário e do histórico para justificar seu ponto de vista que se resume em afirmar que todo descobrimento é mútuo” (PARAQUETT, 2006, p. 119). Eu não percebera isso sozinha na UFPB, só sendo capaz de entender agora, quando Marcia alertou-me para essa realidade. Enfim, foi uma “ingenuidade epistemológica” – como acabo de denominar esse fato – da professora universitária incipiente que caiu no engano de comprar aquela ideia.

Via-me novamente apaixonada pelo ensino da língua, dessa vez, porém, através da história dos povos que a vivem, comem, pronunciam, ouvem, cantam! Eram horas e horas de preparação de aulas, busca por vídeos e áudios esclarecedores que tornassem as aulas mais dinâmicas e atraentes. Enquanto isso, pensava e pensava em que pesquisa gostaria de realizar e em que projetos de extensão poderia engajar-me ou até mesmo criar no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UFPB. Sempre me vinham à cabeça estudos ligados à formação de professores, embora tivesse sido aprovada para o curso de Lea e não de Letras.

Ao lado dessa questão, sentia o peso de ser professora efetiva morando tão distante da família. Havia sido aprovada também na UFV em 3º lugar, mas existia a previsão de que novas vagas fossem abertas na Instituição, o que me alimentou esperanças de ser nomeada posteriormente. Assim, a partir de então, Viçosa passou a ser minha inquietude. Meu coração pedia para voltar! Poucos meses depois de minha chegada a João Pessoa, após a desistência de outro professor do cargo da UFV, a vaga tornou-se minha – inicialmente, foram abertas duas vagas. Meu mundo ficou mais feliz em setembro daquele ano. Havia cumprido quatro meses de trabalho na UFPB e me sentia pronta para embarcar de volta para as Minas Gerais. Como se vê, o ano de 2010 foi farto em termos de mudanças, comprovando o quase nomadismo que passava a caracterizar-me: morei em três cidades diferentes e trabalhei em três instituições: UESC, UFPB e UFV.