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O Estádio João Havelange (ou “Engenhão”, mais tarde apelidado também de “Vazião”, por estar sendo pouco frequentado pelos torcedores do Botafogo), um estádio multiuso construído para os Jogos Pan-Americanos Rio 2007, que consumiu em torno de R$ 380 milhões de recursos “públicos” (esta pesquisa não conseguiu informações precisas sobre esses valores: outras fontes falam em 400 e 430 milhões de reais), provenientes do governo municipal da cidade do Rio de Janeiro, apresenta problemas desde a época de sua construção. Documentos do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro corroboram inúmeras falhas, algumas delas corrigidas após reclamação do órgão.23

Deve-se levar em conta que a construção de grandes estádios como o “Engenhão” é bastante problemática do ponto de vista comunitário, visto que tais espaços são abertos poucas vezes por semana ao “lazer” dos espectadores e à prática do esporte privatizados, transformados em valores de troca, isto é, em mercadorias. Além das baixas médias de espectadores existentes nos dias de jogos do Campeonato Brasileiro de futebol, desde a construção do Estádio João Havelange até os dias mais recentes, é importante deixar claro que raríssimas vezes ocorreram competições de atletismo nesse local. São realizados ocasionalmente alguns shows de cantores ou grupos musicais nesse estádio.

Nesse sentido, as lucubrações de Marx são fundamentais ao entendimento da mercadoria. Para ele:

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Conferir o artigo de Mascarenhas (2008), Globalização e governo urbano nos megaeventos olímpicos: os jogos panamericanos de Santo Domingo-2003.

23 Os documentos de auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (2009)

comprovam casos de improbidade, e que discutem os problemas não só no Estádio João Havelange, mas também nas instalações da Arena Multiuso, do Parque Aquático Maria Lenk e do Velódromo Municipal.

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(...) embora calçados sejam úteis à marcha da sociedade e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor- de-uso que tenha um valor-de-troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado. Além de um valor-de-uso, quer produzir mercadoria; além de valor- de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais- valia) (MARX, 2006, p. 220).

Isso quer dizer que a mercadoria é constituída pela unidade dialética entre valor de uso e valor, ela é o processo da contradição entre seu conteúdo, o valor de uso, e sua forma sócio-histórica, isto é, o valor, que, na aparência, é valor de troca. No capitalismo, a mercadoria enquanto valor de uso somente é produzida porque cria não só valor, mas também valor excedente, mais-valia. Em outras palavras, a produção de um valor de uso está radicalmente subordinada à valorização do valor na economia capitalista. Desse modo, de um extremo ao outro, a mercadoria pode estar em constante uso, jamais ser utilizada, ou ser produzida para a imediata destruição, atendendo perfeitamente, de todas essas formas, aos interesses expansionistas da lógica de valorização do capital.

Diga-se apenas de passagem (a título de elucidar como a criação de um valor de uso está subjugada à valorização do capital), que Engels, ao descobrir que as casas em Manchester eram feitas para durar apenas 40 anos, ficou espantado, não imaginando que isso viria a ser a prática dominante do capitalismo vindouro.24 Em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, Engels afirma:

Com efeito, estima-se que as casas operárias são habitáveis, em média, por apenas quarenta anos – o que causa estranheza quando vemos as belas paredes das casas novas, que parecem prometer uma duração secular; mas é assim mesmo: a avareza que preside a

24 A redução da durabilidade, do “ciclo de vida útil” das mercadorias, tal como é o caso das casas,

consiste em um mecanismo bastante sutil empregada pelo capital para retirar direitos dos trabalhadores e, por conseguinte, para expandir seus lucros.

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construção, a ausência sistemática de reparos, a freqüência com que permanecem desabitadas, a incessante alternância dos locatários e, também, a depredação (em geral, vigas de madeira são arrancadas para garantir o fogo) realizada por eles (a maioria, irlandeses) nos últimos dez anos de habitabilidade fazem com que essas casas, ao fim de quarenta anos, estejam em ruínas (ENGELS, 2008, p. 100).

Retornando à problemática principal deste subitem, faz-se mister relatar que a construção do Estádio João Havelange ocasionou a perda da quadra da Escola Técnica Estadual Silva Freire, cujo espaço deu lugar a um dos acessos desse estádio (BENEDICTO, 2008).

Além do mais, de acordo com o Botafogo, time que tem a concessão para uso do “Engenhão”, cujos muros caíram por duas vezes só em 2007, existem problemas estruturais nesse estádio. Segundo O Globo, em ofício enviado à prefeitura do Rio de Janeiro, o time carioca lista 30 defeitos de infraestrutura e manutenção. São apontados problemas de infiltração que atingem as casas das máquinas dos elevadores. Existem falhas no projeto, como a ausência de refrigeração própria na sala onde estão os equipamentos que acionam os geradores em caso de falta de energia. Os sensores dos telões e dos placares eletrônicos podem derreter devido ao excesso de calor, detectores de fumaça e a drenagem do setor sul não funcionam e, além do mais, algumas câmeras de segurança sequer chegaram a ser instaladas.25

O “Engenhão” é um “monumento de cultura” que, concomitantemente, é um documento da barbárie do sistema opressivo de dominação capitalista, de trabalho precarizado, de inconteste superexploração do trabalho, além de ser um documento do desperdício vigente na produção capitalista contemporânea. Esse documento de barbárie social, no qual morreu um operário, que trabalhava em sua construção, resultado de uma queda, foi palco de uma greve em 2007, na qual os trabalhadores exigiam melhores condições de trabalho. Com essa segunda morte, percebe-se que o progresso exitoso do grande sistema econômico capitalista é acompanhado de pequenas tragédias individuais.

1.7. Produção e “consumo” de mercadorias esportivas tangíveis: os primórdios e a