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Rio, habitat de “elefantes brancos”: elevadas taxas de ociosidade no Parque Aquático Maria Lenk e no velódromo

O Parque Aquático Maria Lenk32 (equipamento esportivo no qual foram gastos R$ 60 milhões, construído a partir da destruição e mutilação de parte do Autódromo de Jacarepaguá) e o Velódromo (erguido com mais de dois milhões de reais de recursos da União, utilizados na aquisição e montagem das pistas de ciclismo e patinação, cujos módulos de pinho siberiano foram importados da Holanda), que receberam raríssimas competições até o presente momento, comprovando altas taxas de inatividade, também oferecem elementos para assegurar a validade da tese da taxa de utilização decrescente nos Jogos Pan-Americanos Rio 2007. Chamados comumente de “elefantes brancos”, esses equipamentos esportivos criados para os Jogos Pan-Americanos Rio 2007 são mais úteis sob a ótica do capital do que aparentam ser aos olhos do “senso comum”.

32 UCHOAS, L. Foi um Rio que passou em nossas vidas. Brasil de Fato. 07 out. 2009. Disponível em:

41 Um exemplo de reorganização do capital, mas no sentido de aumentar a taxa de utilização de um equipamento para auferir maiores lucros, refere-se à criação de arenas multiuso, como a Arena do Pan, construída especialmente para os Jogos Pan- Americanos Rio 2007. Hoje privatizado, sob o nome de HSBC Arena, o lugar vem recebendo desde competições esportivas até shows de cantores e de grupos musicais internacionais. Importa hoje a esses espaços o caráter de multifuncionalidade, forma menos arcaica, mais racionalizada e lucrativa ao capital do que os chamados “elefantes brancos”.33

A estrutura do Parque Aquático Maria Lenk não atende aos padrões dos Jogos Olímpicos e deverá passar por reforma até 2016. Nesse mesmo sentido, por ser incapaz de atender às novas necessidades e aos padrões exigidos para a realização Jogos Olímpicos de 2016, o velódromo construído para o Pan Rio 2007 pode ser demolido e posteriormente reconstruído nos próximos anos. Outra opção, igualmente perdulária, levantada pelos ideólogos, é construir um novo velódromo em outro espaço do Autódromo de Jacarepaguá, o que eliminaria a necessidade de demolição do velódromo atual.

É importante compreender como a particularidade brasileira está inserida no conjunto da produção de megaeventos esportivos. Nesse sentido, os percalços dos megaeventos esportivos não são exceção no Brasil, nem são uma exclusividade dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007, pois as experiências de espetáculos esportivos pelo mundo corroboram da mesma forma uma lógica de produção descartável voltada deliberadamente para o desperdício.

Em Sidney 2000, houve uma preocupação válida de que as instalações para o esporte de “elite” não seriam apropriadas para uso “público” em geral e de que os preços dos ingressos não seriam acessíveis. A previsão era de que o velódromo ficaria em desuso, e que a arena multiuso SuperDome seria um “elefante branco”. No caso do Stadium Australia, que foi aberto em 1999, os fãs de futebol ficaram indignados com o aumento de preços de ingressos (LENSKYJ, 2002).

33 Neste momento, uma pergunta é pertinente: para qual instituição, Estado ou COB, são destinados os

recursos provenientes do aluguel da HSBC Arena? A mesma indagação vale para o Estádio João

Havelange. Se for reservado ao COB, esses equipamentos esportivos constituem fontes de renda para essa empresa.

42 A privatização de instalações olímpicas subsidiadas com recursos “públicos” é um problema sério. O velódromo olímpico de Sidney é gerenciado pelo Bankstown Sport Club, com o governo pagando todos os custos de manutenção. Similarmente, o espaço de pólo aquático Ryde Olympic é parte de um novo centro de lazer privatizado, que inclui três piscinas, um restaurante licenciado e um bar. Substituindo o antigo conselho de gerência e propriedade do centro de seis piscinas comunitárias, somente metade das novas instalações são de acesso ao público em geral, a outra metade é operada como um clube de lazer privado (LENSKYJ, 2002).

Nesse quadro, o caso do Campeonato Europeu de Futebol, UEFA Euro 2004, em Portugal, é emblemático. Foram produzidos belos e sofisticados estádios, que atendiam a todas as exigências de conforto e segurança. Todavia, após o evento restaram estádios com elevados custos de manutenção, e em algumas cidades não há mercado local para mantê-los funcionando. Os estádios de Braga, Leiria, Coimbra, Aveiro e Faro, em conjunto, geram um custo de 13 milhões de euros ao ano para os municípios.

Na cidade de Faro, de 35 mil habitantes, que não tem time importante, foi construído um estádio para 40 mil espectadores.34 O estádio de Aveiro custa 4 milhões de euros por ano, montante que inclui despesas com manutenção e pagamento de juros: a cidade tem 70 mil habitantes e um estádio com 30 mil lugares, que nunca enche. A arena de Coimbra, que custou 60 milhões de euros para receber dois jogos da Euro 2004, está abandonada. Em Leiria, procura-se comprador para o estádio construído nesse local. E as arenas de Braga e Faro acumulam prejuízos milionários. Por isso, discute-se a demolição de alguns estádios construídos para a Euro 2004, que, com baixíssima taxa de utilização, acabam onerando o Estado. O professor da Universidade Técnica de Lisboa, Augusto Mateus, é um dos defensores da estratégia de demolição de estádios.35

Na África do Sul, sede da Copa do Mundo de futebol de 2010, a proliferação de “elefantes brancos” não é diferente: está em pauta a demolição de alguns estádios

34 Entrevista com o geógrafo Mascarenhas, publicada no site do GECUPOM. Disponível em:

<http://gecupomfutebolvitral.blogspot.com/2011/07/entrevista-com-gilmar-mascarenhas-parte.html>. Acesso em:12 dez. 2010.

35

FERNANDEZ, M. “Estádios que não dão lucro devem ser demolidos”, diz ex-ministro português. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/765316-estadios-que-nao- dao-lucro-devem-ser-demolidos-diz-ex-ministro-portugues.shtml>. Acesso em: 15 set. 2011.

43 com baixíssima taxa de utilização – fenômeno que se transforma em uma epidemia mundial. O estádio Green Point, na cidade do Cabo, é considerado um desperdício de infraestrutura. Além disso, alguns estádios antigos e menores, que tinham boas condições de uso, não são mais utilizados, porque jogos foram transferidos para novas arenas.36

Como pode ser visto, a descartabilidade, no que tange aos megaeventos esportivos, parece ser um movimento transnacional e imperialista de caráter “democrático”, porque a produção destrutiva e perdulária, marcada pelo desperdício de trabalho e de vida humanos, destinados à criação de equipamentos com baixíssima taxa de utilização, não se restringe ao Brasil ou aos países localizados na periferia do sistema capitalista.

1.9. O abandono do transporte “público” no Pan Rio 2007: a “sociedade dos