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A expressão “Engenharia Didática” surgiu no início dos anos 80, na França, e, como explica Michèle Artigue (1988, p 283),

… para rotular a forma de trabalho didático que é comparável ao trabalho do engenheiro que, para realizar um projeto preciso, se apóia sobre conhecimentos científicos, mas, ao mesmo tempo, se vê obrigado a trabalhar sobre objetos bem mais complexos que os objetos depurados da ciência e, portanto, a enfrentar praticamente,

com todos os meios que dispõe, problemas que a ciência não quer ou não pode levar em conta.

A Engenharia Didática pode ser usada como estrutura para a concepção de propostas de ensino e, também, como metodologia de pesquisas experimentais. Os dois focos acima citados estão relacionados, por seguirem as mesmas fases de concepção. No nosso caso iremos considerá-la mais fortemente no segundo. Quanto à estrutura da nossa proposta, utilizamos nossa experiência pessoal no ensino de funções, assim como as características das chamadas “folhas de atividades” que comentamos na seção 3.6. Mesmo que as etapas sugeridas na Engenharia Didática possam ser razoavelmente detectadas em nosso processo de elaboração preferimos adotá-la como método de pesquisa.

Essa metodologia tem como principal objetivo a análise de situações didáticas, constituindo assim uma pesquisa empírica, isto é, baseada nos dados extraídos da realidade. Além disso, qualifica-se por ser uma pesquisa qualitativa. As principais características dessa metodologia são, segundo Artigue (1988), a necessidade de uma análise a priori ao invés de, por exemplo, grupos de controle e a validação com base na comparação dos resultados de forma interna.

O processo experimental dessa metodologia de pesquisa inclui quatro fases. Apresentamos aqui um resumo delas já com pequenas modificações da concepção original de Michèle Artigue, citada em Machado (1999), para que fiquem no formato que usamos nesse trabalho:

1ª) Análises prévias:

A primeira fase, de análises prévias, exige a investigação do panorama do quadro didático geral, dos conhecimentos didáticos referentes ao assunto em questão e ainda algumas outras possíveis análises que variam de acordo com a pesquisa realizada e que são citadas por Almouloud & Coutinho (2008):

• análise epistemológica dos conteúdos visados pelo ensino;

• análise do ensino usual e seus efeitos (livros didáticos, por exemplo);

marcam sua evolução;

• estudo das condições e fatores de que depende a construção didática efetiva; • consideração dos objetivos específicos da pesquisa;

• estudo da transposição didática do saber considerando o sistema educativo no qual se insere o trabalho.

Essas etapas devem sempre ser retomadas e aprofundadas ao longo da pesquisa.

2ª) Construção e análise das situações didáticas:

Esse é o momento de determinar as variáveis de comando ou variáveis didáticas que delimitaram a região de atuação da pesquisa, ou seja, as mudanças que serão possíveis e também desejáveis nas situação de aprendizagem. Tais variáveis devem ser investigadas em três dimensões: epistemológica, cognitiva e didática.

O objetivo dessa análise é determinar de que maneira as escolhas tomadas (as variáveis selecionadas como pertinentes) possibilitam o controle do comportamento dos estudantes e, também, como exprimir o significado desses comportamentos. Para isso são determinadas as hipóteses que pretende-se validar com a análise a posteriori.

3ª) Aplicação de uma sequência didática:

Na fase de aplicação deve-se respeitar o máximo possível as escolhas e as resoluções feitas na análise a priori para que comparação com as hipóteses iniciais seja fiel. Mesmo neste momento podem ocorrer alterações e correções da sequência didática quando qualquer acontecimento, durante a experimentação, identifique essa necessidade. Caso isso ocorra, será preciso também uma complementação da análise a priori.

4ª) Análise a posteriori e a avaliação:

A última fase sugerida pela Engenharia Didática é a análise a posteriori que deve ter como suporte todos os dados colhidos durante a fase anterior, incluindo as produções dos estudantes e as possíveis informações adicionais como entrevistas e

questionários.

O objetivo agora é confrontar as hipóteses e as expectativas apontadas a priori com os resultados obtidos a partir da análise dos dados. Assim, validaremos ou não nossas suposições e refletiremos sobre possíveis alterações que acarretaram uma melhoria do material. Além disso devemos considerar a viabilidade de reprodução da situação didática em outros ambientes.

Explicitaremos as variáveis de comando selecionadas como norteadoras do material que construímos. Elas transmitem as questões que merecem destaque no ensino e na aprendizagem do conceito de função e que, em geral, não são adequadamente abordadas em materiais convencionais usados nas escolas. As variáveis são:

• Ter o conceito espontâneo de relação como ponto de partida para a construção do conceito científico de função;

• Familiarizar os estudantes com a linguagem específica necessária para o estudo de funções (notação);

• Apresentar situação para a variação entre algumas representações de funções;

• Utilizar a metodologia de ensino através de problemas;

• Montar folhas de atividades com problemas e textos para que os estudantes, em grupo, busquem soluções com pouca interferência do professor.

Expomos aqui as hipóteses/questões que levantamos após as duas primeiras fases sugeridas pela Engenharia Didática.

• Nossas Folhas de Atividades facilitarão a participação dos estudantes no seu próprio processo de aprendizagem?

• Nossas Folhas de Atividades facilitarão a aprendizagem do conceito matemático de função?

• Nossas Folhas de Atividades facilitarão a compreensão da linguagem científica básica necessária para o estudo das funções?

• Nossas Folhas de Atividades facilitarão a compreensão de algumas das várias formas de representação de uma função?

discreto para o contínuo?

As duas fases finais da Engenharia Didática serão contempladas no Capítulo 6 desse trabalho. Abordaremos a seguir a linha conceitual que seguimos para preparar os estudantes para a compreensão do conceito de função