• Nenhum resultado encontrado

Como ser os Arturos sem esse instrumento deixado pelos seus antepassados, essa ferramenta, que é o rosário de Maria, a fé em Nossa Senhora do Rosário? (...) Isso pra nós Arturos não significa um conjunto de contas!de!lágrima uma atrás da outra, mas significa sim a essência de uma família e a gente passa pras nossas crianças que é o rosário de Maria...

M ! / *+ % 8 9S * -

Esse renado é dos antigo, dos tronco véio. Veio de desde a África, por causa dos escravo. A Festa do Rosaro tem que continuá. Quando nós canta, é por causa de um compromisso sagrado. Quando puxa a cantiga dos antigo – do meu pai, do Zé Aristide – parece que eles tão ali. É, eles tão ali. Eles tão ali, junto com a gente. E isso muda tudo.

T *+ 8 7S * -

Nosso rosário é antigo, se perde no tempo, com os que já foram. É o que nos liga com Deus e Nossa Senhora. Sem isso não somos nada.

9N7 8 B ! U * @ C C *

Discutir sobre as identidades negras no Brasil implica considerar as metamorfoses da cultura dos negros em solo brasileiro na encruzilhada cultural constituída no contexto da diáspora africana. A nova condição vivenciada em terras estranhas impunha a esses sujeitos que aqui chegavam como escravos a necessidade de adaptação de suas antigas práticas numa perspectiva de (r)existência.

Para Sodré (2005), “em plena vigência da escravatura – com seus desmoralizantes castigos corporais, suas sangrentas intervenções armadas, suas táticas de assimilação e cooptação ideológicas (...) !, os negros desenvolviam formas de organização social.”431 Esse autor apresenta algumas dessas formas

presentes nos diversos âmbitos de organização, oferecendo variados exemplos de

como tal processo ocorria. Na Q ele destaca a existência de “caixas de

poupança para compra de alforrias de escravos urbanos”; na > , destaca a presença de “conselhos deliberativos próprios para dirimir disputas internas de uma nação ou etnia, ou para preparação de ações coletivas (fugas, revoltas), ou então confrarias de assistência mútua sob a capa de atividades religiosas (cristãs)”; na > , relata a “elaboração de uma síntese representativa do vasto panteão de deuses ou entidades cósmicas africanas (orixás) e a continuidade de modos originais

de relacionamento e parentesco”; na D> aponta a manutenção de

línguas maternas como > > .432

As manifestações religiosas são importantes para a compreensão dos fenômenos relacionados à cultura e aos modos de vida de muitas comunidades. Na Comunidade dos Arturos, a herança cultural dos símbolos sagrados e de outros atributos da memória coletiva criou um espaço religioso, mítico, social e, ao mesmo tempo, político, que tornou a religiosidade essencial no processo de auto! identificação. Desse modo, a religiosidade artura é uma importante devoção popular que contribui para uma melhor compreensão das práticas sócio!culturais e das próprias estratégias de (r)existência dessa Comunidade.

431 SODRÉ, Muniz. Obra citada, p.90. 432 1

De acordo com Maria Isaura Pereira de Queiroz (1989), durante os três séculos da escravidão no Brasil, as religiões significaram

uma defesa cultural para os africanos e seus descendentes, muito embora esporadicamente delas !participassem brancos; por seu intermédio, salvaguardavam as maneiras de ser e pensar que constituíam seu patrimônio específico, impedindo que a cultura ocidental, fortemente hegemônica durante os períodos colonial e imperial, destruísse e totalmente anulasse tudo quanto os caracterizava enquanto coletividades específicas, distintas da coletividade branca e possuindo seus grupos peculiares.433

A existência de um espaço – consentido ou não – que funcionava como

C aos negros se fazia notar, por exemplo, em alguns de seus festejos.

“Os folguedos, as danças, os # – a “brincadeira” negra – eram permitidos (e até aconselhados por jesuítas).”434

Negar!lhes totalmente os seus folguedos, que são o único alívio de seu cativeiro, é querê!los desconsolados e melancólicos, de pouca vida e saúde. Portanto, não lhes estranhem os senhores o criarem seus reis, cantos e bailes por algumas horas honestamente em alguns dias do ano, e alegrarem!se inocentemente à tarde depois de terem feito pela manhã suas festas de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e do orago da capela do engenho, sem gasto dos escravos, acudindo o senhor com sua liberalidade.435

Entretanto, nesse espaço , tido como inofensivo aos brancos, os negros reviviam clandestinamente seus ritos, cultuando seus deuses e retomando o relacionamento comunitário. De modo que, nesses momentos, evidenciava!se “a estratégia africana de jogar com as ambigüidades do sistema, de agir nos interstícios da coerência ideológica.”436 Assim,

a formação brasileira é o caso patente, palpável, de coexistência e interpenetração multisseculares de duas ordens culturais, a branca e a negra, funcionando essa última como fonte permanente de resistência a dispositivos de dominação e como mantenedora do equilíbrio efetivo do elemento negro no Brasil.437

433 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. 1 1 < Tempo Social !

Rev. Sociologia da USP. S. Paulo, 1(1), 1. sem. 1989. p. 20!21.

434 SODRÉ, Muniz. Obra citada, p.93.

435 Antonil, 1963. Citado por FERRETTI, Sérgio F. ' # , 5 C . São Luís,

Comissão Maranhense de Folclore, 1995.

436 SODRÉ, Muniz. Obra citada, p.93. 437 1# , p.92.

Gomes e Pereira (2000) colocam que, muitas vezes, “o negro buscou a segunda leitura para continuar vivendo sua realidade mítica – através da manutenção de seus deuses – e para excluir o branco do seu processo de comunicação, na tentativa de sobreviver social e economicamente.”438 Por isso, pela prática da dissimulação alguns grupos conseguiram manter vivos muitos dos valores fundamentados na tradição, mesmo no contexto de perseguições. Tal prática perpassou a religião e alcançou a linguagem tornando!a instrumento de resistência, ao burlar o silenciamento imposto pelo sistema escravista.

No período da escravidão, os negros incorporaram elementos do culto banto!africano439 à devoção aos santos católicos, rearticulando práticas culturais africanas legitimadas pelo sincretismo. No universo da religiosidade popular440 eles também puderam perpetuar práticas como a de reverenciar suas dinastias ancestrais, organizando cerimônias de coroação simbólica de soberanos negros, chamados de Reis Congos e reafirmar uma fundação mítica de suas origens. É esse o contexto de

surgimento do denominado ou , 441

438 1# p.33.

439 Ainda há controvérsias acerca da origem dos elementos rituais presentes no Congado ser

essencialmente # , # ou uma combinação entre ambas.

440 Segundo José Carlos Pereira (2004) no âmbito mais específico do Catolicismo, a devoção diz

respeito ao ato de dedicar!se ou consagrar!se a alguém ou a alguma divindade e se assenta na crença de poderes sobrenaturais que determinados santos possam ter expressado em acontecimentos extraordinários. Assim, essa prática possui como uma de suas características centrais a fidelidade pactuada entre o santo e o devoto baseada numa relação de troca simbólica. Nesse tipo de manifestação, a promessa é um elemento fundamental e precisa ser cumprida rigorosamente, pois, o devoto não pode ficar em débito com o santo sob risco de não ter suas petições atendidas de uma próxima vez que necessitar de seu auxílio. Aí se fundamenta, por exemplo, a prática do pagamento de promessas por graças atribuídas aos santos de devoção. Cf.: PEREIRA, José Carlos. 2

L # São Paulo: Editora Zouk,

2004. p.47.

441 “É importante distinguir o que se entende por Reinado, que por vezes é substituído por Congado.

Não há, contudo, um consenso sobre o uso adequado de tais palavras, sendo que uma definição, ou outra, é objeto de controvérsia entre os próprios participantes da tradição. Utiliza!se, pois, o termo Reinado para as manifestações de devoção a Nossa Senhora do Rosário e aos Santos de devoção da Comunidade, como São Benedito e Nossa Senhora Aparecida, nos ritos e celebrações compreendidos entre o Sábado de Aleluia e fins de dezembro. O termo Congado será usado quando suas Guardas de Moçambique e Congo forem citadas.” Cf. INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E

ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS – IEPHA/MG. ; , Obra

Documentos relacionados