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NAS FRONTEIRAS DA (R)EXISTÊNCIA: O 5 ',5467& , ARTURO

Os lugares são antigos. Parecem insólitos. Adquirem a tonalidade de misteriosos. Testemunham o espaço e o tempo. Qual pleonasmo, o tempo e o tempo, o espaço e o espaço, sim, o espaço e o tempo. Rodam as crianças no pátio de mãos dadas, numa algazarra alegre. Rodam e rodam cantando em vozes vivas e novas as antigas canções deste espaço e deste tempo, o tempo da persistência. Rodam como a roda, redonda como o pátio, imitando a roda alegre do tempo. De súbito, ao longe e mesmo ali, flui vigoroso e suave o vento. Sai rodando em rodas sucessivas do tempo, no espaço do vento. Competindo com o tempo, faz!se antigo como o espaço invadido pela memória do vento. Misterioso como é misterioso o vento, tornando!se amplo como o espaço. Arrasta!se em voltas de enorme ruído, redesenhando o espaço em poeira. Da poeira na forma de roda, empoeirando a todos rodando no vento. Aí começa a nossa história do vento, do tempo, da poeira que vira vento, do vento que traz a poeira do tempo. Tem que lançar o fio e correr o percurso, no ponto certo, no tempo exato. Tem que saber fazendo, fazer sabendo fazer, sabendo o que esta fazendo. Compreendendo de onde sai o mistério e para onde vai o conhecimento. É assim a nossa história.

A I ( - M )

Sim, agora entendo: os santos são santificados pela morte. Enquanto eu, eu é que santifiquei a vida.

7N7 8 @ . + + ! !

O mundo do homem é um mundo do sentido. Para Octavio Paz (1982), esse mundo tolera a ambigüidade, a contradição, a loucura ou a confusão, mas não a carência de sentido. Nele “todas as obras desembocam na significação; aquilo que o homem toca se tinge de intencionalidade: é um ir em direção a...”333 do qual nem mesmo o silêncio pode escapar, pois está povoado de sentidos. Tocadas pela mão do homem, as coisas mudam de natureza e penetram no mundo das obras.334

A partir de sua visão de tempo e espaço, os indivíduos, grupos sociais e sociedades dão significado à sua existência. Por isso, para Rogério Haesbaert (2002), todo grupo “se define essencialmente pelas ligações que estabelece no tempo, tecendo seus laços de identidade na história e no espaço, apropriando!se de um território (concreto ou simbólico), onde se distribuem os marcos que orientam suas práticas sociais.”335Por isso, Bráulio Tavares (2005) afirma que

Toda experiência da cultura é basicamente uma experiência humana neste planeta e, conseqüentemente, tem coisas a dizer a todos em qualquer momento. A cultura é universalista por vocação, porque ela diz respeito às experiências humanas. As culturas são tentativas individuais e coletivas de responder aos mistérios das experiências humanas e é por isso que, quando vemos ou lemos materiais antigos, como peças de teatro da Renascença, pinturas da Antiguidade ou um cântico egípcio, essas obras nos emocionam e sempre têm algo a nos dizer.336

Muniz Sodré (2005) em importante trabalho sobre as identidades negras no Brasil toma a cultura como “o modo de relacionamento humano com o seu real.”337 Para ele, mais que uma tradição transmissível de comportamentos aprendidos, a cultura envolve complexas relações de sentido, explícitas e implícitas, concretizadas em modos de pensar, sentir e agir. Nessa perspectiva a identidade cultural dos sujeitos é ancorada tanto nas representações construídas por ele acerca de si mesmo e da realidade que o cerca, quanto nas representações a ele legadas pela tradição cultural de que faz parte.

333 PAZ, Octavio. Obra citada, p.23. 334 1# p.23.

335 HAESBAERT, Rogério. Obra citada, p.93. 336 TAVARES, Bráulio. Obra citada, p. 142.

Em análise do processo de identificação, Homi Bhabha (2001) revisita a obra de Frantz Fanon, retomando a perspectiva do lugar da identificação como um espaço de cisão entre o eu e o outro no qual a identificação “é sempre o retorno de uma imagem de identidade que traz a marca da fissura no lugar do Outro de onde ela vem.”338 Nesse sentido, destaca que “existir é ser chamado à existência em relação a uma alteridade, seu olhar, seu locus.”339 E que “a questão da identificação nunca é a afirmação de uma identidade pré!dada, nunca uma profecia cumpridora – é sempre a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem.”340

Para Manuel Castells (1999), a construção de identidades vale!se da matéria!prima fornecida pelos diversos âmbitos do saber, pelas instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e pelas revelações de cunho religioso. Contudo, embora as identidades possam ser formadas a partir de instituições dominantes, “somente assumem tal condição quando e se os atores sociais as internalizam, construindo seu significado com base na internalização.”341 A identidade é, assim, uma fonte de significado e experiência de um povo e necessita de reciprocidade para sua compreensão, não podendo simplesmente ser imposta.

Os significados que mediatizam os relacionamentos entre as pessoas estão sujeitos a um complexo mecanismo de deciframento que, por meio de procedimentos interpretativos faz da relação social uma construção. Por isso, José de Souza Martins (2000) afirma a necessidade de compartilhamento dos significados na produção dos discursos e das ações entre os sujeitos sociais.

Sem significado compartilhado não há interação. Além disso, não há possibilidade de que os participantes da interação se imponham significados, já que o significado é reciprocamente experimentado pelos sujeitos. A significação da ação é, de certo modo, negociada por eles. Em princípio não há significado prévio (...). Se nos fosse possível observar o processo interativo em ‘câmera lenta’, poderíamos perceber o complexo movimento, o complicado vaivém de imaginação, interpretação, reformulação, reinterpretação, e assim

338 BHABHA, Homi K. - . Obra citada, p.76!77. 339 1# p.75.

340 1# p.76.

sucessivamente, que articula cada fragmentário momento da relação entre uma pessoa e outra e, mesmo, entre cada pessoa e o conjunto dos anônimos que constituem a base de referência da sociabilidade moderna.342

Buscando definir o espaço de inscrição da identidade, Bhabha (2001) eleva a experiência da auto!imagem para além da representação como consciência analógica da semelhança. Para ele, na identificação, a identidade nunca é um , um produto acabado, mas “apenas e sempre o processo problemático de acesso a uma imagem da totalidade.”343 A imagem seria um + da autoridade e da identidade cujo acesso só é possível na negação de qualquer ideia de originalidade ou plenitude. Assim,

Cada vez que o encontro com a identidade ocorre no ponto em que algo extrapola o enquadramento da imagem, ele escapa à vista, esvazia o eu como lugar da identidade e da autonomia e – o que é mais importante – deixa um rastro resistente, uma mancha do sujeito, um signo de resistência.344

O imaginário social – que envolve uma construção coletiva impregnada de representações, composto por imagens e signos, por valores e pelas suas relações entre si – pode dissimular ou explicitar muitos dos conflitos relacionados à identidade. Ao acolher ideologias gestadas em diversos âmbitos, esse universo simbólico, impacta a constituição das identidades culturais e das concepções de cada grupo acerca de si mesmo e do Outro. O imaginário, muitas vezes, camufla a violência da difusão de ideias dominantes, remetendo à Marilena Chauí quando diz que as idéias deveriam estar nos sujeitos sociais e em suas relações, mas os sujeitos sociais e suas relações é que parecem estar nas idéias.345

Os significados contidos nas práticas sócio!culturais dos diferentes grupos envolvem representações que “não correspondem ponto por ponto, traço por traço àquilo que representam.”346 Por isso, para Chauí (2007), a ideologia possui uma complexidade maior do que simples instrumento de dominação já que não é a

342 MARTINS, José de Souza. # . Obra citada, p.59!60. 343 BHABHA, Homi K. - . Obra citada, p.85.

344 1# p.83.

345 CHAUÍ, Marilena. . Obra citada, p.4.

invenção de um discurso completamente exteriorizado aos sujeitos. Sua base está no real representado. De modo que,

a ideologia não é apenas a representação imaginária do real para servir ao exercício da dominação em uma sociedade fundada na luta de classes, como não é apenas a inversão imaginária do processo histórico na qual as idéias ocupariam o lugar dos agentes históricos reais. A ideologia, forma específica do imaginário social moderno, é a maneira necessária pela qual os agentes sociais representam para si mesmos o aparecer social, econômico e político, de tal sorte que essa aparência (...), por ser o modo imediato e abstrato de manifestação do processo histórico, é o ocultamento ou a dissimulação do real.347 A formação do Estado!Nação no contexto da Revolução Francesa levou à busca pela constituição de agrupamento social com certa unidade cultural. Assim, a ideia de uma identidade estática esteve diretamente relacionada ao Estado moderno que buscou fazer da identidade uma # $ a ser cumprida por todos os que se encontravam no interior de sua soberania territorial. Nesta perspectiva, buscou!se

definir uma sinônima de , isto é, dedicação e lealdade a

uma nação que reunia pessoas com origem e práticas muito diversas. Maria Isaura Pereira de Queiroz (1989) aponta que, no Brasil, a

se confundiu sempre com a e até mesmo com o

nacionalismo.

Estas maneiras de ver se refletiram nas especulações sobre a falta de

uma nacional que viesse costurar entre si pedaços

tão díspares e que ao mesmo tempo lhes apagasse as arestas. E, dado que na maneira de pensar dos intelectuais de então a identidade nacional não podia existir sem certa homogeneidade de traços culturais, e encontravam na sua cultura grandes disparidades, o pessimismo era dominante em seus trabalhos. Somente podiam

conceber uma da maneira que julgavam ser a

ocidental — branca, educada, refinada.348

A partir do final do século XIX, o Brasil assistiu a uma grande penetração de teorias evolucionistas e deterministas que buscava explicar diferenças internas e legitimar hierarquias sociais e raciais. Assim, a + # passou a se

organizar a partir das ideologias tecidas em torno de na busca por

347 CHAUÍ, Marilena. . São Paulo: Cortez, 2007.

p.15.

348 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. 1 1 < ' 2 . p.

instituir um passado comum, compartilhando memórias e erigindo símbolos de identificação Essas ideologias contribuíram para o ideal de uma identidade , levando à invisibilidade e até mesmo à aniquilação de muitas das práticas sócio! culturais que não se alinhavam a esses ideais. Daí, Néstor García Canclini (1997), em análise da cultura no alvorecer da modernidade brasileira, afirmar que as oligarquias que dominavam o país “fizeram de conta que formavam culturas nacionais e mal construíram culturas de elite deixando de fora enormes populações indígenas e camponesas.”349

Na construção da # a busca por uma forma

unificada de identificação gerou a necessidade de erradicação das diferenças e/ou dos diferentes, levando ao não!reconhecimento da pluralidade cultural presente no país. Nesse sentido, as tentativas de silenciamento das manifestações culturais de variados grupos negros, promovidas a partir do próprio Estado por meio da constituição de seu projeto de $ , refletem a busca pelo apagamento das diferenças dos sujeitos. O # foi conformado como uma ideologia que, por muito tempo, desconsiderou as singularidades dos sujeitos.

Referenciada na obra de Michel Foucault, Joice Pacheco (2007) aponta que o não!enquadramento de determinados sujeitos ou grupos à ideia de $ instituída levou, no contexto moderno, à classificação de muitas de suas práticas sócio!culturais

como . Segundo ela,

Para dar conta de sustentar seus parâmetros de ordem, beleza, limpeza e progresso, a modernidade se serviu de uma lógica binária, de um sistema de classificação e distinção cultural e identitário que visava preservar e garantir a conformidade social com esses parâmetros. A modernidade inventou e multiplicou os seus ‘anormais’ ! para usar uma expressão de Foucault !, os sindrômicos, deficientes, monstros e psicopatas, os surdos, os cegos, os aleijados, os rebeldes, os pouco inteligentes, os estranhos, os homossexuais, os miseráveis, os ‘outros’. Ela criou instituições com a função de normatizar e normalizar os elementos da cultura e criar, reproduzir e legitimar uma cultura, uma identidade e uma consciência nacional, conseqüentemente, essas instituições se tornaram palco da produção,

349CANCLINI, Néstor García. ># estratégias para entrar e sair da modernidade. São

reprodução e do controle da alteridade no contexto da modernidade, a fim de purificar, afastar, limpar toda ‘sujeira social’.350

Na concepção dessa autora, a identidade cultural é política, pois é construída e manipulada a partir da idéia de diferenciação. Essa diferenciação é responsável por (re)construir e (re)produzir a alteridade, definindo quem é o . Ao fazê!lo, torna esse identificável, (in)visível, previsível.

Ao dividir, separar, classificar, normalizar, a diferenciação resulta na hierarquização. Fixar uma determinada identidade como a norma, é uma das formas privilegiadas de hierarquização das identidades e das diferenças, pois normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características positivas possíveis, em relação às quais, as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa. (...) A marcação da diferença constitui então, o componente chave de qualquer sistema de classificação que vise definir quem é a ‘identidade’ e quem é a ‘diferença’.351

A representação ideológica de uma comunidade de iguais, presente na ideologia nacional, expressa e oculta relações de dominação de classe. Contudo, como a identidade, tal como a diferença, é uma relação social, sua definição ! discursiva e lingüística ! está sujeita a vetores de força, a relações de poder. Bhabha (2001) aponta que, de modo geral,

os esforços dos “saberes oficiais” do colonialismo – pseudo!científico, tipológico, legal!administrativo, eugênico – estão imbricados no ponto de sua produção de sentido e poder com a fantasia que dramatiza o desejo impossível de uma origem pura, não!diferenciada. Sem ser ela mesma o objeto do desejo, mas sim seu cenário, sem ser uma atribuição de identidades, e sim sua produção racista, a fantasia colonial exerce um papel crucial naquelas cenas cotidianas de subjetivação em uma sociedade colonial (...) O ato de estereotipar não é o estabelecimento de uma falsa imagem que se torna o bode expiatório das práticas discriminatórias. É um texto muito mais ambivalente de projeção e introjeção, estratégias metafóricas e

metonímicas, deslocamento, sobredeterminação, culpa,

agressividade, o mascaramento e cisão de saberes “oficiais” e fantasmáticos para construir as posicionalidades e oposicionalidades do discurso racista.352

350 PACHECO, Joice Oliveira. Identidade cultural e alteridade: problematizações necessárias. In:

Spartacus – Revista eletrônica dos discentes de História. Universidade de Santa Cruz do Sul, 2007. p.4. Disponível em: http://www.unisc.br/spartacus.

351 1# , p.3.

Esse mesmo autor discute a tensão entre as estratégias presentes na construção da $ no plano discursivo. Segundo ele há uma estratégia pedagógica – onde o povo é tomado como #) dos discursos nacionais que reafirmam a origem

comum e os laços essenciais que os unem como ; e uma ação

performativa – onde se promove uma permanente reinterpretação dos símbolos

nacionais que faz do povo uma reposição viva e permanente do > . Essa

dupla operação discursiva confere realidade à comunidade nacional imaginada, estabelecendo, ao mesmo tempo, em seu ser e em seu porvir, a essência que a ela vincula um povo, uma cultura e um território.353

Ainda discutindo essa questão Bhabha (2001) aponta que a força do discurso colonial e pós!colonial como intervenção teórica e cultural em nosso momento contemporâneo “representa a necessidade urgente de contestar singularidades de diferença e de articular “sujeitos” diversos de diferenciação.”354 Em análise semelhante, a partir do caso moçambicano, que pode ser comparado com o brasileiro, Mia Couto (2011) discute o processo de homogeneização cultural afirmando que somos uma mesma nação “porque esquecemos as mesmas coisas da mesma maneira.”355 Contudo, Paul Zumthor (1997) considera que as culturas só se lembram esquecendo, só mantêm!se rejeitando parte do que elas acumularam de experiência, chamando atenção para a importância tanto do esquecimento quanto da reminiscência na manutenção das memórias e, consequentemente na definição de identidades. Remontando aos mitos antigos onde o esquecimento cumpria a dupla função de representar, ao mesmo tempo, a morte e o retorno à vida, ele descortina a positividade contida no processo de seletividade da memória.

No caso do Brasil, a dominação foi articulada em torno da ideologia de um povo singular numa representação mutilada de uma nação que parecia não possuir

diferenças internas. A ideologia que se conformou a partir do # ressaltou

alguns traços pinçados na História do mesmo, resultando em certa invisibilidade de outras manifestações culturais não legitimadas nesse cenário. Assim, muitas das

353 Cf.: BHABHA, Homi. (1990) Dissemination: time, narrative and the margins of the modern nation.

In: BHABHA, Homi. (org.). . London/ New York, Routledge. p. 297.

354 BHABHA, Homi K. - . Obra citada, p.115.

355 COUTO, Mia. 5 -# Z L São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

práticas sócio!espaciais conferidoras de identidade aos grupos oprimidos e excluídos, tidos como anormais, foram relegadas a um segundo plano pelas elites intelectuais.

A emergência de uma concepção de cultura baseada nas definições dessas elites intelectuais corroborou para ampliar a invisibilidade de variadas práticas das comunidades negras. Tidas como costumes #C # , essas práticas eram vistas como obstáculos que impediam o Brasil de chegar ao esplendor da civilização européia onde se condensava toda a ideia de progresso. “Consideravam!nos assim como uma barreira retardando o encaminhamento do país para a formação de uma verdadeira , que naturalmente embaraçava também um desenvolvimento econômico mais eficiente.”356 Ideologias racistas como a teoria do branqueamento racial, predominante no Brasil no final do século XIX, defendiam o aumento da população branca em detrimento das raças tidas como inferiores, onde se inseriam os mestiços, indígenas e negros, na tentativa de salvar o país da degeneração.

Segundo Queiroz (1989) essa concepção permeava os estudos de muitos intelectuais brasileiros ao longo do século XIX e início do XX, dentre os quais destaca o trabalho do médico baiano Raymundo Nina Rodrigues que atribuía os atrasos e os desequilíbrios da sociedade brasileira às misturas raciais e culturais encontradas no país.

Segundo ele, o fator biológico era o principal responsável pelas anomalias nacionais: reações políticas descomedidas e irrefletidas no momento da transição do Império para a República (1889); conflitos de religiões; doenças variadas e graves problemas de higiene. Todo o desajustamento sócio!econômico se explicaria pela heterogeneidade biológica e cultural do país, levando os habitantes até mesmo à loucura individual e coletiva. 357

Além disso, muitas das concepções racistas gestadas num âmbito mais geral, foram internalizadas pelo próprio negro gerando concepções deformadas acerca de si mesmo e do grupo com o qual se identifica. Segundo Eduardo França Paiva (2009), ainda no contexto da escravidão,

356 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. 1 1 < Obra citada. p.

18.

Escravos e a enorme população de ex!escravos e de seus descendentes diretos nascidos livres também legitimaram o regime escravista, uma vez que tornar!se proprietário de escravos foi alvo primeiro em suas vidas, desde, inclusive, o período de cativeiro. Muitos lograram alcançar o objetivo, até mesmo antes de se libertarem, saliente!se.358

Isso nos remete à discussão realizada por Frantz Fanon (2008) sobre a colonização requerer mais que a subordinação material de um povo. Em sua obra

( C # , ele defende que a colonização forneceu e fornece os

meios pelos quais as pessoas são capazes de se expressarem e se entenderem, alcançando desde a linguagem até os impulsos inconscientes.359 Em análise desse processo nas Antilhas e em países africanos, ele realiza a seguinte discussão:

Todo povo colonizado — isto é, todo povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural — toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura metropolitana. Quanto mais assimilar os valores culturais da metrópole, mais o colonizado escapará da sua selva. Quanto mais ele rejeitar sua negridão, seu mato, mais branco será. No Exército colonial, e especialmente nos regimentos senegaleses de infantaria, os oficiais nativos são, antes de mais nada, intérpretes. Servem para transmitir as ordens do senhor aos seus congêneres, desfrutando por isso de uma certa honorabilidade.360 Muniz Sodré (2005) discute essas diferenciações no contexto da escravidão brasileira, onde os proprietários buscavam enfraquecer politicamente o conjunto de escravos provocando uma individualização de seus membros por meio de marcações que os hierarquizavam. É o caso, por exemplo, da classificação deles em # ,

e .

< era o nome que se dava ao africano não!integrado à vida brasileira (reconhecido por fatores de língua, hábitos etc.). O termo, que se tornaria pejorativo no idioma brasileiro, aplicava!se ao escravo recém!chegado ou àquele que recusava à integração tanto pregando retorno à África como simplesmente rejeitando a submissão à ideologia vigente. 6 era o africano integrado. era tanto o negro quanto o mulato, livre ou escravo, nascido no Brasil. A preferência dos senhores ou dos administradores recaía sobre os

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