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A Bacia Cenozóica do Baixo Tejo ocupa uma vasta área em Portugal e constitui uma bacia simétrica da extensa Bacia do Alto Tejo centrada na região de Madrid (Pais, 2004). A história geológica da Bacia do rio Tejo e do seu estuário é bastante complexa, e resulta da interação

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entre movimentos tectónicos da crusta terrestre, nomeadamente ao longo de uma falha na zona Sul do Tejo, e as oscilações do nível do mar. A região de Lisboa e a Península de Setúbal situavam-se na interface oceano-continente e houve frequentes alterações na linha de costa. Com condições climáticas bastante diversas, foi possível ao longo do tempo encontrar nesta região espécies de animais e plantas também diversas. A alternância de níveis continentais e marinhos, bem como a forte presença de fósseis, permite estabelecer uma cronologia rigorosa dos acontecimentos, como mostra a Figura 3.1.

Cronoestratigrafia MA Principais acontecimentos na parte terminal da

Bacia do Baixo Tejo

C

E

NOZ

ÓI

CO

Plistocénico Deposição dos conglomerados com seixos facetados pelo vento

Neogénico Pliocénico 2 Am b ien tes co n ti n en tais p re d o m in an

tes Continuação da sedimentação fluvial

Pequena transgressão marinha Acumulação de areias trazidas pelo Pré- Tejo 5 Miocénico Superior 11 Altern ân cia d e am b ien tes c o n ti n en tais e m arin h o s

Retirada brusca do mar Nova subida do nível do mar Regressão

A maior transgressão Miocénica Regressão, clima árido com instalação de estepes e floresta galeria

Duas transgressões separadas por regressão Regressão e acumulação de areias e argilas em ambiente deltaico

Grande transgressão

Início da elevação da Arrábida

1ªinvasão marinha com desenvolvimento de recifes de corais Médio 16 Inferior 18 Paleogénico Oligocénico 24 Am b ien tes co n ti n en tais Conglomerados, Calcários Arenitos e argilitos

Conglomerados de elementos siliciosos 33

Eocénico 55

Paleocénico 65

Figura 3.1 - Evolução cronológica dos principais acontecimentos na bacia do Baixo Tejo (Antunes et al., 1998d)

Há cerca de 80 MA, durante o Mesozóico, as intrusões magmáticas deram origem a rochas plutónicas que constituem o maciço eruptivo de Sintra. As movimentações tectónicas empurraram muito lentamente esta massa de granito em direção à superfície e, ao mesmo tempo as camadas de crosta que se encontravam por cima foram sendo erodidas. Alguns milhões de

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anosm há cerca de 30 MA, o granito começou a surgir à superfície dando origem à Serra de Sintra. A partir de então, ao longo de uma extensa falha existente do lado Sul do rio Tejo, deu- se o progressivo afundamento da área da Bacia do Baixo Tejo, responsável pelo atual percurso do rio e por importantes diferenças de relevo entre as suas duas margens. Este afundamento levou à formação de uma bacia de receção de sedimentos vindos de longe, das cadeias montanhosas do interior, como calhaus rolados de granito, xisto e quartzito (Antunes et al., 1998c).

No Paleogénico chuvas torrenciais levaram à acumulação de conglomerados calcários, arenitos e argilitos, e ocorreu a individualização da Bacia Terciária do Tejo.

Durante o Neogénico a sedimentação na bacia continuou e, com a incursão do mar no início do Aquitaniano, iniciou-se a deposição da Série Miocénica na interface dos ambientes marinhos e continentais (Antunes et al., 1998a). A intensa sedimentação na bacia ao longo da sua evolução foi compensada por fenómenos de subsidência22, que se julga manter-se atualmente (Carvalho, 1983).

O Miocénico de Lisboa corresponde assim à sedimentação quase constante durante cerca de 16 MA, na zona vestibular do rio Tejo. A subsidência muito intensa foi compensada por sedimentação ativa de elementos terrígenos, transportados pelos rios, que chegaram em grande quantidade durante as fases orogénicas23 mais ativas (Almeida, 1991). No Aquitaniano, em consequência da subida do nível do mar, ocorreu o afundamento da Península de Setúbal que permitiu a entrada do mar, o desenvolvimento de recifes de corais e, localmente, de áreas pantanosas. O mar entrou na atual região de Lisboa e estendeu-se, sob a forma de um estreito golfo, até perto da região de Almeirim. Surgiram praias, umas no interior do golfo e outras mais expostas à influência direta do mar, e formaram-se os primeiros depósitos da Série, as Argilas e

Calcários dos Prazeres, na base constituídos por conglomerados, areias, margas e siltes

glauconíferos.

22 Subsidência - movimento de uma superfície à medida que ela se desloca para baixo relativamente a um nível de referência, como o nível médio das águas do mar. O oposto de subsidência é o soerguimento, que resulta num aumento da elevação.

23 Orogénese - processo de movimentação horizontal das placas tectónicas e principal agente formador do relevo terrestre.

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A partir de então vários eventos transgressivos24 e regressivos25 tiveram lugar na bacia do Baixo Tejo. Durante os cerca de 16 MA decorreram diferentes alterações climáticas que conduziram à deposição de cerca de 300 m de sedimentos (Almeida, 1991).

A Figura 3.2 ilustra a sequência de depósitos que compõem o Miocénico de Lisboa, referindo a designação das diferentes unidades litoestratigráficas e as variações dos ambientes marinhos e continentais que constituíam as condições de génese dos depósitos durante o Miocénico. Estas variações apresentam-se como o reflexo de oscilações do nível do mar – movimentos transgressivos e regressivos traduzidos, na Figura 3.2, quer pelo aumento ou diminuição da profundidade da água, quer pelo arrefecimento ou aquecimento das águas, ou ainda pelas características dos depósitos que constituem as diferentes unidades – e da taxa de subsidência da bacia, que controla em simultâneo a taxa de deposição e a taxa de subida ou descida do nível do mar.

A Figura 3.3 ilustra as sequências deposicionais apresentadas para a Série Miocénica, as respetivas idades, os paleoambientes que estiveram na origem dos depósitos da série e a associação de fácies característico de cada ambiente sedimentar (Antunes et al., 2000): Fluvial (conglomerados a arenitos mediamente grosseiros e argilas, com restos de plantas e mamíferos); Cordão litoral e canais de Delta-Estuário (arenitos finos a médios, bioclásticos); Planície de maré (siltes, geralmente com abundante matéria orgânica); Litoral a Estuário, infratidal26 (biocalcarenitos e margas, com moluscos); Infralitoral (conglomerados/areias glauconíferas e areias margosas com foraminíferos planctónicos).

Ao primeiro ciclo deposicional A do Aquitaniano é atribuída a formação das Argilas e

Calcários dos Prazeres e, parcialmente, os depósitos argilosos lagunares e de areias finas

micáceas marinhas (Antunes et al., 1987) das Areolas da Estefânia, que se desenvolveram sobretudo no ciclo deposicional posterior, do Burdigaliano inferior – B0.

Seguiu-se um novo ciclo deposicional, B1, do Burdigaliano médio, que se iniciou com a formação dos Calcários de Entre-Campos, em águas quentes e profundas, onde a incursão do mar (evidenciada na transgressão T2) adquiriu um carácter fortemente penetrativo e, no apogeu, avançou até às imediações da Azambuja, quando em Lisboa se formaram as Argilas do Forno

24 Ciclo transgressivo - ciclo de erosão e deposição originado pela subida generalizada do nível das águas do mar, provocando a inundação de regiões costeiras.

25 Ciclo regressivo - ciclo de erosão e deposição originado pela descida generalizada do nível dos oceanos, provocando a exposição e continentalização das regiões oceânicas submersas.

26 Infratidal refere-se a uma zona que está permanentemente coberta de água, ou seja, mais profunda do que a maior maré baixa.

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de Tijolo. Esta sequência deposicional termina com o evento regressivo que, em Lisboa, é

marcado pelos depósitos das Areias da Quinta do Bacalhau.

S é rie M io c é n ic a

U n id a d e s lito e s tra tig rá fic a s

A re o la s d o C a b o R u iv o M V IIb A re o la s d e B r a ç o d e P r a ta M V IIa C a lc á rio s d e M a rv ila M V Ic A re n ito s d e G r ilo s M V Ib A rg ila s d e X a b re g a s M V Ia C a lc á rio s d a Q u in ta d a s C o n c h a s M V c A re ia s d o V a le d e C h e la s M V b C a lc á rio s d a M u s g u e ir a M V a 3 A re ia s c o m P la c u n a m io c é n ic a M v a 2 C a lc á rio s d o C a s a l V is to s o M V a 1 A re ia s d a Q u in ta d o B a c a lh a u M Iv b A rg ila s d o F o r n o d o T ijo lo M Iv a

C a lc á rio s d e E n tre -C a m p o s M III

A re o la s d a E s te fâ n ia M II

A rg ila s e C a lc á r io s d o s P r a z e re s M I

Figura 3.2 - Paleoambientes do Miocénico e unidades litoestratigráficas que compõe a Série Miocénica. Ambientes continentais: variação de temperatura (frio – 20 ºC – quente) e humidade (seco – húmido). Ambientes marinhos: temperatura da água (21/22 ºC a 27 ºC) e profundidade (Antunes et al., 1998b).

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Figura 3.3 - Estratigrafia da Bacia do Baixo Tejo na região de Lisboa e Almada (Antunes et al., 2000). Seguiram-se, em alternância, eventos transgressivos e regressivos (T3 e T4), responsáveis pela deposição na bacia das unidades va1, va2 e va3, que culminaram com a maior regressão do Miocénico inferior e médio e a deposição da unidade vb – Areias do Vale de

Chelas – num clima árido (Figura 3.2).

O mar voltou avançar e, no decurso do Serravaliano, teve lugar a maior transgressão do Miocénico, cuja incursão do mar atingiu a região Santarém (T5) e originou a parcial submersão da Serra de Sintra – Caneças (Antunes & Pais, 1993). Em Lisboa depositaram-se os Calcários

da Quinta das Conchas e as Argilas de Xabregas (sequência S1) num ambiente marinho de

águas profundas e frias (Pais et al., 2006). Esta sequência S1 termina com o evento regressivo responsável pela formação dos Arenitos dos Grilos, que se prolonga pelo ciclo deposicional S2, mal definido nos depósitos de Lisboa (Antunes et al., 1998a).

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No Tortoniano destacam-se, na sequência T1, os depósitos Calcários de Marvila,

Areolas de Braço de Prata e Areolas do Cabo Ruivo, que exibem uma tendência inicial para

uma incursão do mar, mas cujo carácter regressivo aumenta para o topo da sequência.

No final do Miocénico o mar voltou a recuar e, a partir de então, no Pliocénico (há cerca de 5 MA), o Pré-Tejo transportou areias do interior, que se estenderam desde Castelo Branco até ao litoral da Península de Setúbal, enchendo a extensa depressão drenada pelo rio.

Em suma, o substrato da cidade de Lisboa é constituído pelos terrenos cretácicos do Cenomaniano, essencialmente compostos por calcários margosos e calcários cristalinos, sobre os quais, em consequência de uma intensa atividade vulcânica, ocorrida ainda durante o Cretácico, se estendem os mantos basálticos e as intercalações sedimentares, que constituem o

Complexo Vulcânico de Lisboa. Sobre este, assentam os depósitos continentais da Formação de Benfica, constituídos por conglomerados, argilitos, arenitos e calcários, resultantes da intensa

erosão e deposição ocorrida durante 15 MA, no decurso do Eocénico – Oligocénico. A Série Miocénica, por seu turno, assenta sobre os depósitos continentais da Formação de Benfica, nas zonas onde esta formação ocorre, e é coberta localmente por depósitos aluvionares e de aterro do Holocénico.

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