• Nenhum resultado encontrado

A cidade de Lisboa é uma das mais antigas cidades da Europa e a segunda mais velha capital europeia, depois de Atenas. A história da cidade desenvolve-se em torno da sua localização estratégica junto à foz do rio Tejo, local privilegiado para o abastecimento dos barcos que faziam as trocas comerciais marítimas entre o Mar do Norte e o Mediterrâneo. A sua posição no extremo da Sul da Europa Ocidental e a proximidade aos continentes Africano e Americano influenciaram também o decurso da sua história.

A fundação da cidade remonta a 1200 a.C., e é atribuída aos Fenícios, que fundaram uma colónia na zona que se estende desde a colina de S. Jorge, onde hoje se situa o Castelo de São Jorge e a Sé Patriarcal, até ao rio Tejo. O estuário natural do Tejo, também designado por Mar da Palha, é um bom porto natural e o rio uma via muito importante para as trocas com as tribos do interior, tendo por isso este povo fundado aqui uma colónia. Para além da proximidade do rio e das excelentes condições de defesa, também a existência de matérias-primas necessárias à construção, como areia, argila e rocha fácil de trabalhar, condicionou esta escolha. A exploração destes materiais foi sendo efetuada em áreas próximas dos locais de construção, envolvendo volumes restritos e as áreas escavadas ocupadas com novas construções (Sousa Pinto, 2005).

CAPÍTULO 3

84

Durante o Império Romano, Lisboa estendia-se já desde a colina de S. Jorge até à Baixa, mas foi no início do século X, com os muçulmanos, que a cidade teve o seu apogeu, sendo nessa altura uma das maiores cidades da Europa. Continuando a ser um importante centro mercantil, a cidade foi sendo renovada e reconstruída de acordo com os padrões do Médio Oriente. Surge ao lado do núcleo urbano original o bairro de Alfama. Já no século XII, após a Reconquista Cristã, o rei dá o foral à cidade e tenta não só recuperar as ligações comerciais da Lisboa Árabe mas também abrir novas vias para os portos do Norte da Europa. No seguimento desta prosperidade, Lisboa passou a ser a Capital do Reino e novas ruas foram desenhadas e construídas. A escolha dos locais para implantação de edifícios principais era já na altura condicionada pelas condições do subsolo, embora os conhecimentos a este respeito fossem puramente empíricos. O Terreiro do Paço foi conquistado ao rio e o Rossio passou a ser o centro da cidade, em detrimento da colina do Castelo. Outras áreas da cidade foram sendo urbanizadas quase sempre condicionadas pelas características morfológicas e geológicas dos terrenos.

A cidade evoluiu expandindo-se, ocupando novas áreas e envolvendo terrenos com diferentes características geológicas. Esta evolução foi acompanhada da adaptação às condições geotécnicas locais, nalguns casos alterando a própria morfologia do terreno por meio de movimentações de terras (Sousa Pinto, 2005).

De acordo com Pereira de Sousa (1904), a evolução histórica da construção de Lisboa pode ser dividida em quatro períodos: os dois primeiros anteriores ao grande sismo de 1755 e os dois seguintes posteriores ao mesmo. Durante os dois primeiros haveria explorações de pedreiras com dimensões reduzidas e seriam mais explorados os materiais Miocénicos (calcários, areias e argilas), sendo também explorados calcários cristalinos nas zonas de Ajuda – Campolide - Alcântara, na época exteriores ao perímetro urbano, para uso no fabrico de cantaria e estatuária.

O terceiro período começa com a reconstrução da cidade após o violento sismo de 1755, quando o Marquês de Pombal ordenou a reconstrução da cidade à luz das novas teorias de organização urbana. O novo palácio para o Rei foi transferido da zona ribeirinha, com fundações nas aluviões do Tejo, para a encosta da Ajuda, na época ainda fora da cidade, onde os efeitos do sismo tinham sido reduzidos, fruto de condições geológico-geotécnicas mais favoráveis. No entanto, o grande volume de obras aconteceu no centro da antiga cidade, por ter sido a zona mais afetada pelo sismo. Foram construídas ruas largas e ortogonais, que permitissem boa iluminação e fácil circulação. Os novos edifícios foram projetados com outras regras de construção estrutural, com vista a serem passíveis de enfrentar melhor outro eventual terramoto. Os condicionamentos geológico-geotécnicos foram tidos em consideração na medida em que os novos edifícios da Baixa, para além da estrutura em madeira com contraventamentos diagonais, foram fundados em estacas de madeira cravadas, o que permitiu melhorar a

AS ARGILAS DO MIOCÉNICO DE LISBOA

85

resistência dos solos arenosos da Baixa e transmitir as cargas a níveis de terreno com maior capacidade de carga. As fachadas dos edifícios, portas, janelas e cantarias foram alvo de uniformização com vista a acelerar o processo de construção, recorrendo à produção em série fora do local da obra. Este processo de expansão da cidade implicou necessariamente a intensificação da exploração de matérias-primas do subsolo, particularmente do “lioz”, explorado nas proximidades do Vale de Alcântara e na Ajuda, e empregue em edifícios como a Igreja da Estrela, o Palácio da Ajuda ou o Teatro de S. Carlos.

O quarto período referenciado (Pereira de Sousa, 1904) decorreu entre o princípio do século XIX, no final da reconstrução da cidade, e o início do século XX. Nessa época os limites do concelho não diferiam muito dos atuais e o ritmo de construção cresceu de forma exponencial (Almeida, 1991). Apesar da pouca capacidade financeira de uma cidade ainda em crise, esta foi crescendo e desenvolveu-se em todas as direções geográficas, ocupando áreas como Estrela, Rato, Alcântara, Ajuda, Sapadores e Amoreiras. A expansão da cidade deu-se com o crescimento dos edifícios não só em altura mas também em profundidade, pelo que o estudo das condições do terreno foi adquirindo mais significativa importância. Até ao final do século XIX, a atividade extrativa na cidade era muito intensa, motivada pela necessidade de matérias-primas tanto para os novos bairros habitacionais como para obras públicas. Os traços mais importantes da geologia da cidade de Lisboa definiram-se no século XIX com as contribuições dos estudos efetuados para grande obras de engenharia da época, como foram o Túnel do Rossio, o alargamento do Porto de Lisboa e a instalação das redes de distribuição de água e gás (Almeida, 1991). A atividade extrativa manteve-se até meados do século XX, altura em que se tornou incompatível com o crescimento da população urbana (Sousa Pinto, 2005). O uso crescente do betão em detrimento da construção em alvenaria de pedra ditou a cada vez menor procura destes materiais naturais e, consequentemente, o abandono da maior parte destas explorações, que entretanto se transformaram em depósitos de entulho ou deram lugar a estruturas de novos edifícios.

A evolução das técnicas construtivas e a crescente complexidade de que se revestem os edifícios obrigou cada obra a ser encarada individualmente exigindo não só o reconhecimento das características geotécnicas mas também as consequências que resultam da construção. A prospeção geotécnica constitui uma boa fonte de informação acerca das condições do subsolo, que compensa a falta de informação superficial resultante da cobertura urbana.

Documentos relacionados