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ENQUADRAMENTO E JUSTIFICAÇÃO DO TEMA

Nas últimas décadas tem-se verificado uma evolução na área da engenharia sísmica, fomentada pela experiência adquirida em sismos passados. As devastadoras consequências sociais e económicas dos sismos, associadas ao desenvolvimento científico em áreas transversais como a sismologia, a geotecnia e a engenharia estrutural, permitiram ao desenvolvimento de novos métodos de análise, procedimentos de dimensionamento e técnicas construtivas frequentemente transcritas para as recomendações e regulamentos em países com alto risco sísmico.

Em Portugal, as primeiras orientações anti-sísmicas surgem na sequência do sismo de 1755 e foram aplicadas na reconstrução de Lisboa. No entanto, ao longo dos tempos, e com o esquecimento das consequências do sismo, verificou-se uma desatenção relativa as exigências relacionadas com a segurança dos edifícios face à acção sísmica, conduzindo à construções com fraca resistência sísmica.

Após o aparecimento de betão armado no século XIX, apenas em 1958, surge o primeiro regulamento que visa a segurança dos edifícios face à acção sísmica, “RSCCS - Regulamento de Segurança das Construções contra os Sismos” [RSCCS (1958)]. Este documento introduziu o zonamento sísmico do território nacional em 3 zonas; o cálculo sísmico baseado em forças horizontais determinadas a partir de um coeficiente sísmico que dependia da zona sísmica; e prescrevia disposições construtivas para melhorar o comportamento sísmico dos edifícios, nomeadamente, a introdução de lintéis de travamento, montantes nos cunhais, ligações de paredes, etc.

Em 1961 é publicado o primeiro regulamento de acções, “RSEP - Regulamento de Solicitações em Edifícios e Pontes” [RSEP (1961)] que definia as acções a considerar no dimensionamento, nomeadamente, sísmicas, sobrecargas, vento, temperatura, etc. Em 1967, este documento seria complementado pela publicação de um novo regulamento referente ao dimensionamento de estruturas de betão armado, “REBA - Regulamento de Estruturas de Betão Armado” [REBA (1967)] que incluía disposições construtivas referentes à segurança à acção sísmica (algumas contempladas no RSCCS de 1958).

Nesta altura, intensificava-se a construção em betão armado, surgindo as primeiras estruturas de edifícios integralmente em betão armado, em geral, em estrutura porticada. Apesar do RSEP introduzir um método de dimensionamento sísmico para a contabilização da acção sísmica e se começar a

introduzir o conceito de exploração do comportamento não-linear [Saraiva e Appleton (2006)], os edifícios de betão armado desta época apresentam algumas das deficiências, nomeadamente:

 Inadequada ou inexistente concepção e dimensionamento sísmico;

 Variações bruscas na geometria da estrutura, inerentes à falta de sensibilidade aos seus efeitos na resposta da estrutura à acção sísmica;

 Taxas de armadura longitudinais reduzidas, podendo conduzir a falta de resistência à acção sísmica;

 Taxas de armadura transversais reduzidas, conduzindo a elementos com falta de cintagem;  Baixa resistência do betão, inerente ao baixo nível de tecnologia e de controlo de qualidade;  Interrupção de armaduras longitudinais em zonas críticas, associadas a esforços elevados,

nomeadamente, descontinuidade nas armaduras longitudinais inferiores das vigas nos nós e a interrupção brusca das armaduras longitudinais superiores, sem ser considerado o correcto comprimento de amarração;

 Utilização de armadura lisa, conferindo baixa aderência;  Insuficiente cintagem dos nós de ligação pilar-viga;

 Amarração insuficiente das armaduras longitudinais, nomeadamente, garantida apenas com ganchos na extremidade;

 Insuficiente ou inadequada amarração das armaduras transversais, não apresentando cotovelos ou ganchos nas extremidades;

 Controlo de qualidade do betão inexistente, conduzindo a uma variabilidade da sua resistência ao longo da estrutura.

Em 1983, face à evolução dos conceitos sobre segurança estrutural e à necessidade de aplicação dos dois regulamentos em consonância, surgem novos regulamentos, “RSA - Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes” [RSA (1983)] e “REBAP - Regulamento de Estruturas de

Betão Armado e Pré-esforçado” [REBAP (1983)], apontando princípios, critérios e disposições construtivas para a verificação da segurança das estruturas à acção sísmica mais próximas das exigências reais. Nestes regulamentos assume-se o conceito de ductilidade como princípio da concepção estrutural anti-sísmica, ou seja, garantir uma resposta eficaz em termos de resistência aos sismos através de deformações plásticas sem perda significativa da sua resistência, permitindo que as suas estruturas dissipem a energia transmitida pelos sismos. É de referir ainda que o REBAP foi

preparado de acordo com as directrizes adoptadas na primeira versão das “Recomendações do CEB - Model Code (1978)” [CEB - Model Code (1978)]. Desta forma, a aplicação desta regulamentação conduz a edifícios com níveis de desempenho mais razoáveis.

Apesar da evolução da regulamentação, muitos edifícios apresentam deficiências no que se refere à segurança à acção sísmica. Este facto pode estar associado uma inadequada aplicação dos regulamentos, a uma natural evolução do estado do conhecimento na matéria, ou mesmo a uma falta de sensibilidade dos vários intervenientes na construção, nomeadamente, no controlo de qualidade dos projectos de estruturas no processo de licenciamento de obras e na falta de fiscalização das mesmas. Podendo salientar-se alguns aspectos que condicionam a vulnerabilidade sísmica das estruturas de betão armado, tais como [LNEC-NESDE]:

 Inadequado dimensionamento e concepção sísmica - Figura 1.1;

 Existência de pisos vazados, conduzindo a uma redução da rigidez em altura - Figura 1.2;

 Não cumprimento de juntas sísmicas adequadas entre edifícios de elevada flexibilidade, não garantindo distâncias adequadas entre edifícios - Figura 1.3;

 Não ponderação da interacção da estrutura com paredes não-estruturais, que pode provocar efeitos não previstos - Figura 1.4;

 Baixa ductilidade dos elementos de betão armado devido ao insuficiente confinamento dos varões da armadura longitudinal - Figura 1.5;

 Ausência ou insuficiência de confinamento dos varões da armadura nos nós viga-pilar - Figura 1.6;  A própria ausência de conservação adequada das estruturas.

Figura 1.1 Colapso devido a inadequado dimensionamento e concepção sísmica (Turquia, Dulzce1999) [UND-CSL]

Figura 1.2 Colapso associado ao piso térreo vazado (Turquia, Kocaeli 1999) [AIR]

Figura 1.3 Juntas sísmicas inadequadas (Turquia, Kocaeli 1999) [IISEE]

Figura 1.4 Interacção da estrutura com paredes não- estruturais [Fly Ash Bricks]

Figura 1.5 Colapso de um pilar em betão armado

eventualmente por cintagem insuficiente (Northridge 1994) [ACE-MRL]

Figura 1.6 Rotura do nó por falta de cintagem (China, Wenchuan 2008) [Foundation, Concrete and

Earthquake Engineering]

Actualmente, face à necessidade de harmonizar a regulamentação técnica ao nível europeu existem os Eurocódigos, em particular, na sua versão portuguesa a NP EN1998-1 (2009): Eurocódigo 8 - Projecto

de estruturas para resistência aos sismos Parte1: Regras gerais, acções sísmicas e regras para edifícios [NP EN1998-1 (2009)] e a NP EN 1992-1-1 (2008): Eurocódigo 2: Projecto de estruturas de betão. Parte 1-1: Regras gerais e regras para edifícios [NP EN1992-1-1 (2008)].

O Eurocódigo 8 preconiza três classes de ductilidade: Classe de Ductilidade Baixa (DCL) para a qual se remete essencialmente para a aplicação das prescrições constantes no Eurocódigo 2; Classe de

Ductilidade Média (DCM) e Classe de Ductilidade Alta (DCH). As classes de ductilidade têm uma

as disposições construtivas prescritas de forma a garantir comportamentos não-lineares dúcteis com capacidade de dissipar energia, associados a plastificação das armaduras por flexão. O Eurocódigo 8 prevê também o dimensionamento com base na capacidade real (“capacity design”) de forma a evitar roturas frágeis, nomeadamente, por corte.

Em estruturas porticadas, seguindo uma filosofia de cálculo pela capacidade real, o Eurocódigo 8 [NP EN1998-1 (2009)] prevê a aplicação de um dos princípios básicos da concepção sísmica que consiste em garantir que as rótulas plásticas, onde se desenvolve o comportamento não-linear, se formem nas vigas e não nos pilares - Principio do pilar forte - viga fraca [NP EN1998-1 (2009)]. A formação de rótulas ao nível dos pilares deve ser evitada pois conduz à formação de um mecanismo com menor dissipação de energia, podendo conduzir a um colapso estrutural localizado e frágil.

Do ponto de vista do comportamento global de estruturas existentes porticadas em betão armado, e com base na experiência obtida em sismos passados, é, em geral, reconhecido que os problemas mais gravosos para a instabilidade global da estrutura surgem mais frequentemente nos elementos verticais conduzindo a mecanismos de rotura indesejados [fib Bulletin 24 (2003)]. Por essa razão, a maior parte dos trabalhos científicos neste domínio incidem sobre o estudo do comportamento cíclico de pilares e do melhoramento do seu comportamento através de aplicação de técnicas de reforço localizadas. Verifica-se uma escassez, ou mesmo uma lacuna, no estudo do comportamento de vigas sujeitas a acções cíclicas.

No entanto, tendo presente o princípio básico da concepção sísmica pilar forte - viga fraca que, em geral, prevê a formação de rótulas plásticas nas vigas, demonstrando-se importante o estudo do comportamento cíclico das rótulas plásticas que se formam nas vigas e da melhoria do seu desempenho como forma de optimizar o comportamento da ligação viga-pilar, nomeadamente, na presença de cargas gravíticas significativas.

Por outro lado, a necessidade de melhorar ou aumentar a segurança da resposta de estruturas existentes em relação às acções sísmicas, para além de poder estar relacionada com um nível de segurança insuficiente, pode também estar relacionada com a necessidade de aumentar o nível de segurança do edifício, por exemplo, para manter edifícios de serviços básicos operacionais após a ocorrência de um sismo, ou devido a alterações na utilização de edifícios, ou para cumprir novas exigências regulamentares.

Nesta perspectiva, interessa também referir a Parte 3 do Eurocódigo 8, EN 1998-3 (2005): Eurocode 8:

Design of structures for earthquake resistance – Part 3: Assessment and retrofitting of buildings [EN 1998-3 (2005)] relativa à avaliação e ao reforço de edifícios. O objectivo subjacente desta norma é

promover a melhoria estrutural dos edifícios existentes, estabelecendo critérios para a avaliação do desempenho sísmico de estruturas de edifícios existentes, metodologias de selecção das medidas correctivas e critérios para o dimensionamento do seu reforço.

Actualmente, a engenharia sísmica destaca-se como uma temática importante dentro do ramo da engenharia estrutural. O desenvolvimento observado nesta área tem sido promovido pela investigação científica realizada neste domínio, fundamentada nas experiências obtidas em sismos. Destaca-se a investigação efectuada, entre outros, pelo Pacific Earthquake Engineering Research Center (PEER) sediado na Universidade da Califórnia em Berkeley nos E.U.A. e na Universidade de Canterbury na Nova Zelândia. A nível Europeu evidenciam-se o Politécnico de Milão, Rose School, European

Laboratory for Structural Assessment (ELSA) em Itália e a Universidade Técnica de Atenas na Grécia.

Em Portugal, destaca-se o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), o Instituto Superior Técnico (IST), a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), a Universidade de Aveiro, a Universidade do Minho e a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL).

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