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Enquadramento Legal Internacional das Amnistias Fiscais

3. ENQUADRAMENTO LEGAL DAS AMNISTIAS FISCAIS

3.3. Enquadramento Legal Internacional das Amnistias Fiscais

Quanto ao direito fiscal internacional que se relaciona com qualquer tipo de regime e/ou lei fiscal, a nível global, aplicada em sede nacional, tem bases de sustentação que devem ser atendidas. Realça-se, contudo, que, as diretrizes internacionais, seja por via da

OCDE ou de outra organização internacional, não apresentam as linhas mestras, guias e enformadoras dos regimes de amnistia fiscal, deixando que os estados livremente decidam se aplicam ou não regimes de tal tipologia e quais as especificidades que lhes associam. No fundo, em quadro internacional não é possível que se retirem grandes ilações sobre os regimes de amnistia fiscal.

Há, porém, a destacar que todos os legisladores nacionais devem atender aos princípios gerais de direito fiscal internacionais, por forma, a fortalecer os seus regimes, tornando- os coesos, justos e equitativos.

Assim, no tocante aos princípios de direito fiscal internacional [DFI], «[…] estes correspondem aos valores essenciais ou regras abstractas que definem as grandes linhas de orientação desta ordem jurídico-tributária, estruturando-a e inspirando as respectivas regras jurídicas, e que gozam de um reconhecimento generalizado por parte dos intervenientes na ordem jurídica em apreço – Estados, instituições internacionais, agentes económicos, cidadãos, etc. […] Com efeito, o que determina a designação de um valor ou de uma regra geral como princípio de DFI é a importância por este efectivamente assumida na definição das traves mestras desta ordem jurídica – dotada de uma natureza e de uma lógica distintas das do direito nacional – associada à existência de um nível suficiente de consenso internacional em torno do princípio em questão.», (Pereira, 2010: 43).

Neste sentido, os princípios estruturais de direito fiscal internacional «[…] correspondem às grandes orientações que definem a estrutura, as características nucleares e os valores fundamentais da ordem jurídico-tributária internacional. São princípios essenciais que constituem a base desta ordem jurídica, assentando em ideias de equidade e eficiência. […] Consideramos os princípios estruturais do DFI os seguintes:

- Princípio da soberania;

A Soberania tributária pode […] ser definida como uma manifestação específica da soberania do Estado que lhe permite criar e implementar a sua própria política fiscal, exercendo os seus poderes tributários relativamente a situações tributárias internas e a situações tributárias internacionais com elementos de conexão relevantes com esse Estado, bem como negociando em matéria tributária com outros Estados.

A equidade está intimamente associada à problemática da justiça material, podendo ainda ser descrita como a ponte que liga o universo moral ao universo jurídico. […] Ela incorpora um conjunto de valores com base nos quais deve ser feita uma apreciação crítica das variadas normas de DFI, no sentido de se aferir a sua justiça e adequação ética. […] A propósito da equidade entre sujeitos passivos, esta deve ainda ser sub-dividida em várias vertentes: a legitimação, a igualdade, e a integridade ou rectidão do sistema fiscal.

- Princípio da Neutralidade.

Embora a neutralidade possa ser vista sob diversas prespectivas, o seu ponto central é a ideia de uma eficiente alocação de recursos, enquanto forma de maximizar a eficiência económica. […] [A] eficiência económica global seria atingida através de impostos que não distorcessem as decisões dos investidores, ou seja, impostos que fossem neutrais.», (Pereira, 2010: 51, 55, 60 e 67).

Para além dos princípios estruturais de DFI, temos ainda os princípios operativos. Estes, «[…] referem-se a aspectos substanciais da repartição entre os Estados do poder de tributar e da eliminação da dupla tributação. Estes princípios têm um grau de abstração inferior ao dos princípios estruturais, sendo maior a sua proximidade relativamente às normas. Por tal motivo, os seus reflexos ao nível das regras jurídicas (tanto do direito interno dos Estados como das CDT por estes celebradas) são mais concretos do que os dos princípios estruturais. Nestes termos, os princípios operativos norteiam as soluções concretas e os regimes consagrados no âmbito do DFI, no que toca ao tratamento fiscal das situações tributárias internacionais. […] Identificamos os seguintes princípios operativos de DFI:

a) Quanto à repartição entre os Estados do poder de tributar - Princípio da Fonte

- Princípio da Residência

- Princípio do estabelecimento estável

b) Quanto à amplitude do poder de tributar dos Estados - Princípio da universalidade

- Princípio da limitação territorial

c) Quanto aos outros aspectos substanciais da tributação

- Princípio da eliminação da dupla tributação no Estado da residência - Princípio da tributação como entidades independentes

- Princípio da tributação distinta e sucessiva de sociedades e sócios - Princípio da não-discriminação tributária.», (Pereira, 2010: 52).

«Existem [ainda] outros princípios […] [que] podem ser considerados como princípios fundamentais de DFI, entre os quais se incluem o princípio do benefício, o principio da capacidade contributiva, o principio do Estado de Direito, o princípio da consideração económica e o princípio da boa fé.», (Pereira, 2010: 76), mas que não cumpre aqui o seu desenvolvimento.

Mais importa realçar que «[é] comum […], encontrarmos em tratados e convenções internacionais, princípios genéricos sobre matéria fiscal. Assim, temos a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Convenção Modelo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Economico (MCOCDE), [e] o Tratado de Maastricht […].», (Abraham, 2007: 47).

Por exemplo, «[o] princípio da não discriminação encontra-se previsto no artigo 24.º do MCOCDE. De acordo com este princípio, as discriminações com base na nacionalidade são proibidas no campo fiscal, não podendo os nacionais de um Estado ser tratados no outro Estado de modo menos favorável do que os respectivos nacionais que se encontrem em situação idêntica.», (Pereira, 2010: 204). Este artigo, que apresenta a cláusula referente à não discriminação, existe no MCOCDE desde a sua versão original que data de 1963. Assim, o Princípio da não discriminação existe em seara jurídica da UE, tal como, de DFI.

Por sua vez, o princípio da igualdade, pilar fundamental do princípio da equidade, apresentou-se desde logo através da Declaração Universal dos Direitos do Homem [DUDH], adotada e proclamada em Assembleia de 10 de dezembro de 1948, aditada por vários Estados nos períodos imediatamente subsequentes. Assim, é «[d]e relevo marcante, a DUDH [que veio] consolida[r] os anseios de liberdade, igualdade e fraternidade. […] [Esta declaração foi] adotada pelas Nações Unidas, [pois] traz […] em

seu preâmbulo a necessidade de reconhecimento de que a “dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. […] [Assim,] [a] garantia da igualdade e da não discriminação integra o primeiro pilar dos direitos contidos na Declaração. […] [Mais,] o reconhecimento e o respeito aos direitos proclamados na DUDH, vincula todos os Estados […].», (Moscon, 2014: 61 e 62).

«Com o espírito definido no preâmbulo, a declaração, no seu artigo 7.º trata do direito ao tratamento igualitário perante a lei, mas não se limita à igualdade formal. A igualdade esta em um conceito de universalidade e de generalidade da lei, algo que […] marca o conceito de igualdade jurídica em toda a Europa. Garante a igual proteção contra qualquer espécie de discriminação violadora dos direitos proclamados.», (Moscon, 2014: 63).

«Calha [também] trazer a lume o disposto no Artigo 29 da DUDH que prescreve os deveres das pessoas para com a comunidade de que fazem parte. Entre os deveres não se pode olvidar o dever de contribuir. Um dever fundamental de toda pessoa com capacidade contributiva.», (Moscon, 2014: 64).

Neste sentido, os regimes de amnistia fiscal devem ser formulados por forma a atender aos ideais definidos nas diversas cartas de direito internacional, tal como, atendendo ao dever superior de pagamento de impostos por todos os elementos da sociedade na medida que lhe couber, ou seja, na medida que lhe seja justo, não devendo excluir ninguém de tal obrigação nem favorecer ninguém sem justa medida. No fundo, o que se procura é que todos os iguais sejam tratados como iguais e os casos diferentes, sejam tratados enquanto tais. Assim, os regimes de amnistia fiscal têm de ser redigidos com algum tato para, eventualmente, seja certificado que não ferem os princípios de direito fiscais internacionais.