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Enquadramento Legal na União Europeia das Amnistias Fiscais

3. ENQUADRAMENTO LEGAL DAS AMNISTIAS FISCAIS

3.2. Enquadramento Legal na União Europeia das Amnistias Fiscais

«As cartas, convenções e tratados da união europeia regem e orientam o direito da comunidade europeia, composta dos Estados que admitiram os diplomas que vigem nos limites dos aditamentos. […]», (Moscon, 2014: 67). Como tal, todos os regimes de direito nacional devem compreender e atender a tais documentos, tal como, aos princípios e liberdades basilares no direito europeu.

- Princípio da Legalidade; - Princípio da Neutralidade; - Princípio da Progressividade; - Princípio da Equidade;

- Princípio da Capacidade Contributiva; - Princípio do Benefício; - Princípio da Eficiência; - Princípio da Simplicidade; - Princípio da Transparência; - Princípio da Proporcionalidade; - Princípio da Reciprocidade; - Princípio da Não Discriminação; - Princípio da Territorialidade; - Princípio da Residência; - Princípio da Nacionalidade;

Neste âmbito, destaca-se o Princípio da Não Discriminação, devido aos casos surgidos em contexto europeu ligados às amnistias fiscais terem essencialmente suporte neste princípio, tal como se verá adiante. Mais, o relevo e importância da jurisprudência interpretativa do TJUE tem sido crescente no âmbito da aplicação de normas de Direito Fiscal, sendo que tal acontece essencialmente, devido às exigências que o princípio da não discriminação tem trazido, tal como, das quatro liberdades basilares do conceito comunitário europeu.

Assim, ressalvam-se as seguintes liberdades fundamentais que devem ser atendidas aquando da implementação de um regime de amnistia fiscal:

- Livre circulação de mercadorias, art. 34.º e segs., TFUE; - Livre circulação de pessoas, art. 45.º e segs. do TFUE; - Direito de estabelecimento, art. 49.º e segs. do TFUE; - Livre prestação de serviços, art. 56.º e segs. do TFUE; - Livre circulação de capitais, art. 63.º e segs. do TFUE.

Tais liberdades trazem, eventualmente, algumas restrições na hora de aprovação de determinada norma ou regime, contudo, existem excecionalidades a essas restrições, desde que cumpram com certos requisitos. No fundo a norma ou regime não deve ser discriminatório, desproporcional e deve estar bem fundamentado.

Remetendo-nos, novamente, ao Princípio da Não Discriminação, importa enaltecer que é um princípio essencial na UE. Tal princípio tem sido estendido à vertente do direito fiscal por via da não discriminação em razão da nacionalidade, considerações plasmadas no art. 18.º do TFUE. Embora se preveja em termos genéricos a proibição da não discriminação através do artigo mencionado, este princípio aplica-se a mais realidades que não as elencadas especificamente no Tratado, como acontece em muitos casos de âmbito fiscal.

Neste sentido, e recorrendo à jurisprudência do TJUE, existe discriminação sempre que se verifique a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou vice-versa. Tal conclusão foi obtida através de alguns processos julgados em sede de TJUE, a título de exemplo temos os casos: Wielockx, processo C-80/94; Shumacker, processo C-279/93; Asscher, processo C-107/94; Voß, processo C-300/06; Gerritse, processo C-234/01, Association belge des Consommateurs Test-Achats ASBL, processo C-236/09; Pensionsversicherungsanstalt contra Christine Kleist, processo C-356/09; Grant, processo C-249/96.

«Tem sido longo o percurso da Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no tocante à problemática da Discriminação Fiscal. O primeiro acórdão remonta a 1963, e desde então evoluíram os conceitos, mas a acompanhar a evolução dos tempos, evoluíram também os problemas.», (Correia, 2010: 3). «Apesar do impasse político, o trabalho do Tribunal de Justiça Europeu no âmbito do cumprimento e aplicação dos princípios fiscais da EU tem-se tornado importante e pode revelar-se decisivo.», (Teixeira, 2010: 317).

Fundamentalmente, no plano do «[…] direito comunitário, segundo a corte de justiça, ocorre discriminação pela aplicação de critérios diferentes a situações comparáveis entre si; desde que não exista alguma diferença objetiva a justificar o tratamento diferenciado entre as situações consideradas. Os dispositivos comunitários vedam as discriminações ostensivas, mas não só essas proíbem também todas as formas disfarçadas de discriminação, as quais, através da aplicação de outros critérios, resultam no mesmo, ou seja, na discriminação indireta.», (Moscon, 2014: 146).

Assim, os Estados Membros devem atender às obrigações de não discriminação por aplicação do TFUE e das CDT por si celebradas, em âmbito europeu. Os regimes nacionais de direito fiscal devem ter em conta o princípio da não discriminação e suas consequentes obrigações por via da sua integração na UE. Mais, «[o] princípio da não discriminação decorre diretamente do postulado geral da igualdade dos Estados membros e dos cidadãos da Europa, sem admissão de qualquer forma discriminatória intolerável, de acordo com os princípios fundamentais geralmente aceites.», (Catarino, Lopes e Diogo, 2015: 273).

«No plano prático, ensina Catherine Barnard11 que o princípio da não discriminação nos permite preencher o vazio resultante do princípio da igualdade enquanto princípio formal (que nos diz que todos os indivíduos devem ser tratados como iguais, mas não nos fornece critérios que permitam determinar qual o elemento de comparação relevante — em suma, não nos permite determinar a quê é que os indivíduos devem ser tratados como iguais). Neste sentido, o princípio da não discriminação distingue critérios válidos e inválidos de distinção entre pessoas e situações.», (Canotilho, 2011: 102).

«A proibição de discriminação […] é, pois, um princípio constitucional fundamental do Direito Comunitário. Impede um tratamento diferente (primeiro requisito), por parte de um Estado-membro (segundo requisito), de dois sujeitos passivos que se encontrem em circunstâncias similares (terceiro requisito), com base num critério cujo uso afete em particular os não nacionais ou situações transfronteiriças (quarto requisito), em desvantagem destes (quinto requisito).», (Thiel, 2001: 450).

Mais importa deixar claro que, «[a] não discriminação tem sido, desde há muito, uma preocupação presente e patente no direito da União Europeia. Por um lado, a construção da própria União e a necessidade de aprofundar o processo da integração originam uma bem fundamentada [sic] preocupação das instituições comunitárias em relação à discriminação em razão da nacionalidade, procurando-se uma progressiva igualdade de tratamento e de direitos entre os cidadãos europeus, independentemente do Estado- Membro em que se encontrem.», (Canotilho, 2011: 106).

Neste sentido, desde «[a] CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem – aprovada em 1950, […] [que, se] cuida do direito da igualdade e da não discriminação, quando proíbe a discriminação dispondo que os direitos e liberdades prescritos na convenção devem ser assegurados sem distinções de qualquer ordem. […] [Contudo,] a

convenção afirma que o princípio da não discriminação não obsta a que os Estados partes tomem medidas para promover uma igualdade plena e efetiva, desde que tais medidas sejam objetiva e razoavelmente justificadas.», (Moscon, 2014: 71).

É de realçar que apesar de toda a evolução inerente ao regime comunitário, a igualdade e proposta de não discriminação manteve-se ao longo dos tempos e é parte integrante do Tratado de Lisboa que entrou em vigor em 2009.

Como se sabe, «[o] Direito Tributário compreendido no direito comunitário vige através do conjunto de normas decorrentes de tratados e convenções europeias. […] Dentro desse contexto, como não poderia ser diferente, a União Europeia preocupou-se em coibir a […] diferenciação de tratamento tributário entre […] os Estados membros. […] [Assim,] [o] direito internacional tributário e o direito comunitário apoiam-se nos princípios gerais de direito; ocupa lugar relevante o princípio da igualdade entre os Estados.», (Moscon, 2014: 75-77).

Ao longo dos tempos, o TJUE tem assumido um papel muito destacado na densificação e na defesa do princípio, destacando a íntima ligação entre os valores da igualdade e da não discriminação, sendo este, em parte, visto como uma particularização daquele. Todavia, é hoje claro que a não discriminação possui dimensões próprias, autónomas, desde logo porque requer que haja um controlo duplo de comparação, das situações sob apreço e de análise e procedência das causas justificativas das diferenças de tratamento, (Hernu, 2003: 250).

«Por outro lado, são abrangidas quer as discriminações visíveis, diretas ou ostensivas, quer as invisíveis, indiretas ou materiais (Cfr. Ac. Voss, Proc. C-300/06, de 6.12.2007), embora, quanto a estas últimas, poderá existir uma justificação objetiva da conduta. Neste caso, a avaliação terá que ser mais profunda e ser adequada a deixar claros aspetos tais como o de saber se a discriminação corresponde a uma necessidade, se existe uma clara adequação da solução discriminatória aos objetivos a prosseguir, e de ser necessária para alcançar o fim em vista, no quadro e uma ideia transversal que se aproxima do princípio da proporcionalidade.», (Catarino, Lopes e Diogo, 2015: 277). Neste sentido e de acordo com o que tem vindo a ser jurisprudência pelo TJUE, os estados podem, de forma lícita, criar regimes fiscais com normas diferenciadoras, desde que estas se revelem aplicáveis a situações não comparáveis e excecionais, tal como, se a sua aplicação for fundada em razões de imperioso interesse geral. Tal admissibilidade das normas sustenta-se na aplicação ao caso específico do princípio da

proporcionalidade.

No Acórdão C-55/95, Caso Gebhard, o TJUE, veio estabelecer condições para a admissibilidade de tratamentos discriminatórios, suscetíveis de dificultar ou tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo TFUE:

- Justificações que contenham razões imperativas de interesse geral; - Adequação dos meios à realização dos objetivos que prosseguem; - Não seja ultrapassado o necessário para atingir tais objetivos.

Remetendo-nos especificamente aos regimes de amnistia fiscal e sabendo que estes devem respeitar os princípio e liberdades fundamentais do direito fiscal europeu, importa ainda atentar à jurisprudência discorrida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no âmbito concreto de tais regimes.

O TJUE não se pronunciou sobre os moldes que os regimes de amnistia fiscal devem assumir nem se são regimes aceitáveis moralmente, atendendo às fortes possibilidades de derrogação de princípios basilares de direito fiscal que estes regimes acarretam. O TJUE, até agora, foi apenas chamado a intervir quando um regime de amnistias fiscal implementado por um determinado país da UE não respeita de forma clara algum princípio basilar de direito fiscal europeu e se considera não haver justificativa (proporcional) que suporte tal derrogação, normalmente as questões são levantadas pela Comissão Europeia.

A título de exemplo, poderá citar-se o Processo C‑132/06, que colocou a Comissão das Comunidades Europeias contra a República Italiana que havia criado uma amnistia em sede de IVA. Tal regime permitia que os sujeitos passivos que não cumpriram as suas obrigações em matéria de IVA relativas aos exercícios fiscais compreendidos entre os anos de 1998 e 2001 lhes escapassem definitivamente, bem como às sanções incorridas em caso de não cumprimento das mesmas obrigações, mediante o pagamento de uma quantia fixa em vez de um montante proporcional ao volume de negócios realizado. Ora, estas quantias fixas eram desproporcionais relativamente ao montante que o sujeito passivo devia ter pago sobre o volume de negócios resultante das operações que efetuou mas não declarou.

Tal processo culminou com a República Italiana vencida, visto que a amnistia em sede de IVA conferia uma série de disposições que não cumpriam as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 2.° e 22.° da Sexta Diretiva, conjugados com o artigo

10.° CE. Assim, as características do regime de amnistia fiscal mencionado esvaziavam de conteúdo esses artigos da Sexta Diretiva e tais artigos, constituíam a base do sistema comum de IVA, afetando deste modo, a própria estrutura deste imposto a nível comunitário.

Daqui resultava que o regime de amnistia fiscal Italiano perturbava gravemente o bom funcionamento do sistema comum de IVA. As disposições desta falseavam o princípio da neutralidade fiscal ao introduzirem significativas diferenças de tratamento entre os sujeitos passivos no território italiano. No fundo, a não discriminação não estava assegurada nem eram proporcionais os meios aplicados para o fim a que se propunha o regime, como tal, o regime conferido era inconstitucional.

Cumpre ainda uma breve referência ao processo em que Portugal esteve envolvido devido à aplicação de um regime de amnistia fiscal em 2005 (RERT) que continha disposições que se traduziam num tratamento fiscal preferencial: Processo C‑20/09 (Comissão/Portugal). Sinteticamente, o processo C‑20/09, colocava uma questão que se prendia com a admissibilidade de um tratamento fiscal diferenciado entre sujeitos passivos residentes em Portugal e contribuintes residentes noutro estado-membro, através de um regime de amnistia fiscal. Neste caso, o tratamento fiscal preferencial era aplicado aos sujeitos passivos residentes em Portugal, verificando-se uma medida demasiado protecionista e discriminatória. Para melhor perceção, vide o ponto: 5.1.2. Controvérsias do Regime Excecional de Regularização Tributária (RERT I - 2005), presente neste estudo, onde tal caso foi retratado e analisado.

Fundamentalmente, o TJUE pronunciou-se sobre diversos casos de amnistias fiscais aplicadas em vários países da UE, contudo nunca foram tecidas considerações oficiais sobre as características que tais mecanismos devem adotar para que se coadunem com o direito fiscal europeu. No fundo, a ideia que se transmite é que se o regime violar algum principio e/ou liberdade fundamental de forma desproporcional, tal amnistia será sempre, inevitavelmente, ilegal em contexto comunitário, não se sugerindo, contudo, qual o formato mais adequado a ser adotado por regimes de tal tipologia.