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A presente investigação tem como objectivo estudar as diferenças de interacção mãe-filho e pai-filho, em termos de processo e produto ao nível da organização dos processos de vinculação. Tal poderá contribuir para compreender as diferenças nas relações afectivas estabelecidas com as mães e com os pais nos primeiros meses de vida.

No quadro da teoria da vinculação, a generalidade da investigação recorre à mãe como figura materna para avaliar a qualidade da vinculação infantil (e.g., Ainsworth, Blehar, Waters, & Wall, 1978; Ainsworth, Bell, & Stayton, 1971; Main & Solomon, 1990; Crittenden, 1988, 1992; Lyons-Ruth, 1996; Sroufe, 1979). Na esteira dos trabalhos de Mary Ainsworth (1971, 1974, 1978) a qualidade da vinculação mãe-filho tem sido descrita como segura, evitante e ambivalente. As crianças seguras caracterizam-se por procurarem a proximidade com a mãe após breves separações encenadas em laboratório (na célebre Situação Estranha imaginada por Ainsworth) sem, em simultâneo, apresentarem grandes manifestações de evitamento ou resistência. Para estas crianças, a mãe funciona como base segura (Ainsworth, 1965) e os sistemas de vinculação e de exploração combinam-se harmoniosamente para responder às necessidades de procura e protecção e de apresentação do meio (Bowlby, 1969/1982). Todavia alguns trabalhos observaram o vínculo estabelecido com outras figuras de referência na vida das crianças, nomeadamente, os pais (Levandowski & Piccinini, 2002; Kochanska, Aksan, knaack & Rhines, 2004; Volling, McElwain, Notaro & Herrera, 2002; Hudson, Elek & Fleck, 2001; van Ijzendoorn & Wolff, 1997; Steele, Steele & Fonagy, 1996; Cox, Owen, Henderson & Margand, 1992; Lundy, 2003), os avós (Spieker & Bensley, 1994; Ward, Carlson, Plunket, & Kessler, 1991), as educadoras (Raikes, 1993; Howes & Ritchie, 1998) e os pais

adoptivos (Marcus, 1991; Ritchie, 1995). Estes trabalhos reportam diferenças na

incidência de vinculação segura entre as díades mãe-filho e pai-filho. Com efeito, Cox, Henderson e Margand (1992) avaliaram a qualidade da vinculação aos 12

meses de idade, na Situação Estranha, e verificaram que a incidência de vinculação segura é ligeiramente superior nas díades mãe-filho (54%), em oposição às díades pai-filho (47%). Braungart-Ricker, Garwood, Powers e Wang (2001) num estudo feito aos 4 meses com Still-Face e aos 12 meses com a Situação Estranha, observaram que a proporção de crianças classificadas como evitantes e seguras não era significativamente diferente para as díades mãe-filho e pai-filho. No entanto, as crianças classificadas como ambivalentes/resistentes são mais frequentes nas díades pai-filho (24,4%) quando comparadas com as díades mãe-filho (10,6%). O único estudo que não revela diferenças significativas entre a qualidade da vinculação entre díades mães-filhos e pais- filhos foi elaborado por Easterbrooks (1989) com crianças com muito baixo peso à nascença.

Ora, uma vez assumidas as diferenças na qualidade da vinculação estabelecida com as figuras maternas e com as figuras paternas, importa pois compreender a sua génese. Na primeira década, a extensa investigação produzida sobre a vinculação mãe-filho nos últimos 40 anos, foi animada pelo debate sobre o contributo da sensibilidade materna e do temperamento infantil (para revisão ver Kobak, 1999). Ainsworth e colegas (1971, 1978) verificaram num notável trabalho de observação naturalista, uma forte relação entre as respostas maternas ao choro infantil e qualidade da vinculação. Embora, este estudo tenha obtido replicação noutros trabalhos (Belsky & Rovine, 1987; Cohn e tal., 1992; Baron & Kenny, 1986) num trabalho meta-analítico, van Ijzendoorn e de Wolf (1997) verificaram que a resposta materna apresenta uma relação moderada com a qualidade da vinculação. Embora a literatura apresente menor consenso, a reactividade infantil medida tanto por medidas fisiológicas (Schore, 1994; Sapolsky, Romero & Munck, 2000; Godlberg, Levitan, Leung, Masellis, Basile, Nemeroff, & Atkinson, 2003) como por medidas comportamentais (Gusella, Muir & Tronick, 1988; Toda & Fogel, 1993; Weinberg & Tronick, 1996) e a percepção materna dessa reactividade parecem igualmente afectar a qualidade da vinculação (Fuertes, Lopes-dos-Santos, Beeghly & Tronick, 2006).

Actualmente, a generalidade dos autores defende modelos multi-variados para explicar a qualidade da vinculação no seio da ecologia da família. Entre as variáveis (externas ao contributo materno e infantil) mais associadas com a qualidade da vinculação estão a qualidade da relação marital, as condições de suporte social e a situação económica (Anisfield e tal., 1990; Belsky, Gilstrap, & Rovine, 1984; Belsky e tal., 1995; Cowan, & Cowan, Hemming, & Miller, 1991; Diamond, Heinicke, & Mintz, 1996; Kerig, Cowan, & Cowan, 1993). Aqui os pais têm um papel indirecto de suporte às mães e de estabilização familiar. Contudo, que papel directo terão os pais e de que forma difere das mães? Nos estudos com figuras paternas, verifica-se que os pais passam menos tempo com os filhos mas apresentam um elevado envolvimento durante os períodos de interacção (Easterbrooks & Goldberg, 1984). Adicionalmente, os pais frequentemente são referidos como parceiros preferenciais de jogo e as mães como cuidadoras (Bretherton, 1985; Lamb, 1981; Yogman, 1982; Belsky, 1979). Com efeito, em observações feitas a díades pai-filho e mãe-filho foi verificado que os pais ao brincarem com os filhos optavam frequentemente por jogos de movimento e acção (Clarke-Stewart, 1978; Belsky, 1979) enquanto as mães optavam por brincadeiras de jogo simbólico e verbal e pela prestação de cuidados (Belsky, 1979). Do mesmo modo, um estudo desenvolvido por Lindsey e Mise (2001), com recurso às interacções filmadas pai-filho e mãe-filho, com brinquedos que favoreciam brincadeiras físicas (e.g., bolas, um conjunto de raquetes e bolas, fantoches) e simbólicas (e.g., cubos, animais do zoo, um conjunto de cozinha, figuras humanas), observaram que os pais preferiam jogos com mais actividade física quando em interacção com os filhos, em oposição às interacções de jogo com as filhas onde a escolha recaia maioritariamente no jogo simbólico. Outros investigadores tiveram em conta o género não só dos pais como também dos filhos nas interacções de jogo tendo verificado que os pais optavam por jogos mais dinâmicos fisicamente, em especial com os filhos rapazes (Jaklin, DiePietro & Maccoby, 1984; MacDonald & Park, 1986) enquanto as mães interagiam através de jogos simbólicos (Langlois & Dowens, 1980) particularmente com as filhas (Tamis-LeMonda & Bornstein, 1991).

Contudo o envolvimento parental é sensível ao efeito cultural (Power, 2000; Rogoff, 1990). van Ijzendoorn e Sagi (1999) fazem referência a alguns estudos com diferentes culturas referindo a universalidade dos padrões seguros mas diferenças nos inseguros. Por exemplo foram observados índices mais elevados de resistência nas crianças Israelitas (Sagi et al., 1985), nas crianças japoneses (Takahashi, 1986) e nas crianças africanas (Ainsworth, 1967). Em oposição observaram-se índices de evitamento mais elevados nas crianças da Europa Ocidental e dos Estados Unidos (van Ijzendoorn & Kroonenberg, 1988; van Ijzendoorn et al., 1992).

A criança pode estabelecer uma relação de vinculação diferente com o pai e com a mãe, comprovando a labilidade dos processos de vinculação. Todavia, não existe um corpo consistente de conhecimentos sobre a origem dessas diferenças. Tal fez com que levantássemos as seguintes questões:

1. De que forma o contributo materno e paterno podem afectar a organização dos processos de vinculação?

2. Será que existe continuidade nas estratégias de vinculação estabelecidas com a mãe e com o pai?

3. Que factores relacionados com a criança podem afectar as diferenças na vinculação com os dois pais?

4. Como operam as variáveis externas, afectam directamente a qualidade da vinculação ou têm um papel indirecto afectando a vinculação pelo impacto que produzem no contributo parental e/ou infantil?

5. Será que as diferenças na relação entre mãe-filho(a) e pai-filho(a) se devem ao género dos pais ou ao tempo / tarefas realizadas nos cuidados diários com os filhos (desde os cuidados básicos ao jogo)?

Optámos por seleccionar uma amostra de bebés de termo sem debilidade física ou clínica. Nesta amostra também foram excluídas situações de patologia paterna e materna, abuso de substâncias tóxicas ou outras condições passíveis de enviesar os resultados.

Em resumo podemos referir que esta investigação foi conduzida pelos seguintes objectivos principais:

1. Averiguar as diferenças entre a qualidade da interacção mãe-filho e pai- filho, tanto ao nível de processo e de produto da organização de vinculação.

2. Verificar as diferenças da vinculação mãe-filho e pai-filho.

3. Verificar até que ponto a qualidade das interacções mãe-filho e pai-filho observadas em jogo livre aos 9 e 15 meses afectam a qualidade da vinculação aos 12 e 18 meses com a mãe e com o pai.

4. Indagar se existe continuidade do comportamento materno, paterno e infantil dos 9 para os 15 meses.

5. Indagar se existe continuidade do comportamento de vinculação com a mãe e com o pai aos 12 e aos 18 meses.

6. Verificar se existe alguma relação entre tempo/partilha de responsabilidade nos cuidados à criança com o comportamento diádico e a vinculação.