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Capítulo I – Fundamentos da Teoria da Vinculação

1.3 Vinculação e Sistema Comportamental

Inspirado pela noção de sistema de comportamento que as abordagens etológicas elaboraram, Bowlby (1958) cria o conceito de sistema

comportamental de vinculação que foi clarificando ao longo da sua obra.

A vinculação é, então, definida, como um sistema comportamental de natureza instintiva cujo funcionamento tem como resultado previsível o estabelecimento de situações de proximidade espacial do indivíduo com a figura de vinculação e que apresenta como função biológica a protecção do indivíduo e a sobrevivência da espécie (Bowlby, 1969/1982). Este conjunto de “respostas instintivas” ou conjunto de comportamentos pré-programados e característicos da espécie, inicialmente são independentes uns dos outros mas à medida que a criança se vai desenvolvendo, vão-se organizando e orientando em relação à figura de vinculação. A primeira fase da teoria de Bowlby (1958) considerava que os comportamentos de vinculação eram activados quando a separação da criança à mãe era grande não só em termos espaciais mas também temporais. Quando a criança conseguia aproximar-se da mãe o sistema de vinculação era desligado. Este funcionamento era comparado pelo autor ao de um termóstato. Mais tarde (1982), reformulou esta teoria referindo que os processos de vinculação são regulados por comportamentos em constante comunicação com o exterior (com variações mais ou menos activas) cujo sistema nervoso central funciona como informador dos acontecimentos significativos. Conforme Cassidy (1999) comenta:

(...) the child’s goal is not an object (e.g., the mother), but rather a state – a maintenance of the desired distance from the mother, depending on the circumstances (p. 6).

Bowlby descreveu 5 comportamentos e/ou respostas pré-programadas que contribuem para a vinculação: chupar, agarrar, seguir, chorar e sorrir. Estes comportamentos visam ligar a criança à mãe, chamando a sua atenção de modo a obter resposta e cimentam-se “na figura de vinculação ao longo do primeiro ano de vida, formando assim a base do que designou por comportamentos de

vinculação.” (Soares, 2007, p. 29). Tal como noutras espécies animais, estas

respostas têm estímulos desencadeadores e funções específicas que controlam o comportamento. À medida que a criança vai crescendo e tendo novas experiências, vão-se tornando mais complexos de modo a manter a proximidade com a figura de vinculação (Bowlby, 1969/1982). A criança tem uma disposição inata para explorar coisas novas, mas quando se afasta para explorar e começa a sentir-se em perigo ou com medo, a figura de vinculação é que vai servir de base segura de protecção. Esta “função biológica” foi referida por Bowlby como um comportamento importante usado para evitar ser morto por predadores assegurando a sobrevivência e o sucesso reprodutivo do indivíduo e seus genes (Marvin & Britner, 1999). Este objectivo de desejar a proximidade, tende a manter-se ao longo do tempo conseguindo ser atingido mediante comportamentos específicos. Conforme Marvin & Britner (1999) explicitam:

How children and their caregivers organize protective proximity and contact, and how they continue to use their caregivers as a secure base for exploration, remain as important during later periods of development as during the first year of life (p. 45).

A criança ao ter uma variedade de comportamentos pode optar pela melhor estratégia a usar em cada contexto para alcançar o que deseja. Por outro lado, pode ser capaz de manter o comportamento interno em relação à figura de vinculação, ao longo do tempo, nos diferentes contextos mesmo que estes mudem (Cassidy, 1999) e de conseguir adaptar essa capacidade à mudança de diferentes cuidados e ambientes (Main, 1990). O sistema de vinculação pode ser, portanto, considerado numa óptica contextualizada, à luz da qual a acção da criança “(...) resulta de um contexto que activa ou não o sistema” (Guedeney & Guedeney, 2004). À medida que a criança se vai desenvolvendo e passando por várias experiências, as suas estratégias também vão evoluindo, levando a criança a níveis cognitivos mais complexos (Greenberg & Marvin, 1982) que lhe permitem decifrar os sinais dos outros (e.g., as expressões faciais do pai ou da mãe) e tornar-se mais autónoma.

Recorrendo novamente ao trabalho dos etólogos Bowlby (1969/1982) refere que há variações nos comportamentos e sistemas comportamentais no modo como estes se coordenam e se tornam cada vez mais complexos. Marvin e Britner (2008) sintetizam esta proposta em cinco pontos:

 Os comportamentos simples podem ser coordenados em sequências de cadeias; os factores que levam à cessação de um comportamento podem ser os mesmos que servem de activador ao comportamento seguinte. Este é o contexto das complexas interacções sequenciais que, normalmente, têm lugar entre mãe e filho nos primeiros meses de vida.

 Pode haver cadeias comportamentais com caminhos alternativos. Sendo que, quando uma sequência de comportamentos falha, outra é activada. Os autores socorrem-se de um exemplo descrito por Ainsworth (1967) em como um bebé de 3 meses pode olhar, sorrir e vocalizar para o adulto, e se este comportamento não resultar para chamar a atenção e conseguir contacto poderá recorrer ao choro para obter o que deseja – proximidade.

 Os complexos padrões de vinculação orientados para um objectivo podem ser organizados em conjunto numa sequência de várias cadeias, de tal modo que a interrupção de um padrão pode servir de activador a outro (e.g., quando a criança consegue a proximidade com a figura de vinculação pode sentir-se à vontade para dar inicio ao sistema de exploração).

 A acção de um sistema comportamental alterna com o do outro. Estas sequências complexas, segundo os etologistas, derivam de um ou mais sistemas comportamentais conflituosos que poderão influenciar o modo como são feitas as interacções e a comunicação, por exemplo, a criança pode cessar a exploração para retomar a aproximação com a figura de vinculação.

 Os comportamentos executados parcialmente de um sistema comportamental podem ocorrer em simultâneo com outro. Pais sensíveis, frequentemente, fazem sugestões sobre o estado emocional dos filhos combinando sequências comportamentais nos jogos interactivos com os filhos, características do sistema de exploração e do sistema de vinculação.

O sistema comportamental de vinculação pode ser compreendido em termos de relações complexas entre outros sistemas comportamentais baseados na biologia e característicos da espécie. Ainsworth (1982) refere que o sistema de vinculação não é único, mas sim um entre vários, nomeadamente o exploratório, o do medo, o de procura de alimento, entre outros. Para cada um destes sistemas existe um conjunto de condições básicas que permitem a sua activação. Segundo Guedeney & Guedeney (2004) os elementos activadores do sistema de vinculação são todas as situações consideradas perigosas ou geradoras de stress, acrescentando que:

Dividem-se em dois tipos: os factores internos à criança, por exemplo, a fadiga, a dor, e os factores externos, ligados ao ambiente (qualquer estímulo assustador, por exemplo, a presença de estranhos, a solidão, a ausência da figura de vinculação). Porém, estas condições não se definem unicamente pela sua descrição; elas possuem uma eficácia mais ou menos activadora em função do momento em que surgem, da posição da figura de vinculação em relação à criança e das suas reacções (p. 36).

Bowlby (1969/1982) aos activadores acima referidos acrescenta outro ligado à mãe (e.g., quando a mãe se encontra indisponível física e psicologicamente ou quando se recusa a estabelecer contacto com a criança). Pelo contrário, também podemos identificar os estímulos inibidores do sistema comportamental da vinculação (op. cit.) sendo estes os responsáveis pela diminuição da activação desse sistema. Estes são traduzidos pela forma como a criança monitoriza o local onde a mãe se encontra, bem como a forma como a mãe se mostra disponível em relação à criança (e.g., a maior disponibilidade materna levará à menor activação do sistema).

Tais como outros sistemas básicos, supõe-se que o sistema de vinculação resulta de um processo de selecção natural, uma vez que oferece vantagens em termos de sobrevivência, pelas possibilidades em obter protecção pela proximidade com a figura de vinculação (Ramires & Schneider, 2010).

Bowlby referiu-se a dois destes sistemas relacionados com a vinculação em crianças pequenas: o sistema exploratório e o sistema do medo. A activação destes sistemas leva à activação do sistema de vinculação. Contrariamente o sistema exploratório pode, em determinados momentos, reduzir a activação do sistema de vinculação (e.g., dar a uma criança, que quer ser pegada ao colo, um objecto interessante e barulhento pode distraí-la temporariamente enquanto o sistema de vinculação não for fortemente activado). Nas palavras de Ainsworth (1982):

If a behavioural system is activated at low intensity, it is entirely likely that another system will be activated at higher intensity, and this will determine the actual behaviour to be displayed. This concept is relevant to the phenomenon of a baby using his mother as a secure base from which to explore (Ainsworth, 1967). Novelty, within certain limits, activates his exploratory behavioural system. If his mother is present and if he is rested, healthy and not hungry, his attachment system is likely to be inactive or activated at low intensity. If his environment is a relatively rich one, containing novel objects or complex objects with novel aspects, his exploratory system is likely to be activated at higher intensity than the attachment system, and he will be content to leave his mother in order to explore. (p. 4)

Segundo Bowlby, citado por Cassidy (2008) o sistema exploratório dá vantagens de sobrevivência à criança oferecendo-lhe informações sobre o ambiente que a rodeia desde que essa exploração seja feita sem riscos. Quando, na exploração do meio, a criança se sente ameaçada ou em perigo regressa porque o desejo de obter protecção e conforto da figura materna é mais urgente do que o desejo de explorar (Ainsworth & Witting, 1969; Carr, Dabbs, & Carr, 1975; Rheingold, 1969; Sorce & Emde, 1981).