2.4 Erodibilidade dos solos: definições e seus métodos de avaliação e estimativa
2.4.3 Ensaios de canais hidráulicos para avaliação da erodibilidade e seus parâmetros
Muitos autores, na busca da compreensão do processo erosivo, iniciaram pesquisas
voltadas à simulação de condições similares às encontradas em campo quando ocorre uma
precipitação e, consequentemente, o fluxo superficial de água. Os métodos que se baseiam
neste tipo de proposta – tentando recriar um processo erosivo artificialmente – são chamados
de diretos, diferentemente dos indiretos que correlacionam diversos parâmetros na tentativa
de estimar a erodibilidade de um solo. Neste sentido, diversas propostas surgiram para suprir
esta lacuna na pesquisa. Entretanto, recriar um processo erosivo em campo trata-se de um
processo muito complexo e dispendioso, necessitando sistemas de grande de escala tanto de
simulação de precipitação e fluxo como de coleta do material erodido. Sem contar na
necessidade de manutenção do conjunto todo.
Diante disso, diversos autores propuseram ensaios simplificados, passíveis de
aplicação em laboratório, com a possibilidade de trabalhar com menores amostras de solo –
facilitando todo o processo de análise. Estes ensaios, denominados de ensaios em canais
hidráulicos, consistem em rampas em que amostras de solo – de tamanhos variados a
depender da proposta de estudo e geralmente indeformadas – são submetidas a um fluxo de
água simulado de condições hidrodinâmicas controladas. Estes ensaios têm como vantagem,
além da facilidade na execução, a capacidade de reproduzir uma condição de fluxo próxima à
real observada na erosão de sulcos e ravinas. Entretanto, os principais problemas
relacionados aos canais hidráulicos são a diferença de rugosidade superficial entre a amostra
de solo e o leito do equipamento, a incerteza na estimativa da tensão cisalhante atuante e
imperfeições e má distribuição da umidade na superfície das amostras (Hollick, 1976).
Com o desenvolvimento das metodologias, o estudo da hidráulica de canais
contribuiu na busca de parâmetros que pudessem ser associados à quão erodível um solo é.
Os projetos de canais em materiais erodíveis eram originalmente baseados na velocidade de
fluxo (Bastos, 1999). Entretanto, tempos depois, os conceitos de tensão cisalhante hidráulica
e taxa de erodibilidade assumiram este posto e tem sido largamente empregados.
A tensão cisalhante hidráulica, de acordo com Bastos (1999) é definida como a tensão
cisalhante exercida pelo fluxo no contorno do canal, sendo a tensão cisalhante crítica a
máxima tensão que o solo pode sofrer sem haver movimento de partículas na superfície. Já a
taxa de erosão representa o gradiente da relação estabelecida entre a tensão cisalhante
aplicada no solo e a perda de solo medida. Trabalhando com estes parâmetros de análise,
diversas pesquisas focaram-se na formatação do aparelho e nas condições de ensaios
corretas. Uma das propostas mais reconhecidas, neste sentido, é o ensaio de Inderbitzen.
2.4.3.1 Método direto de avalição da erodibilidade - ensaio de Inderbitzen
O ensaio de Inderbitzen, também conhecido como erosômetro ou ainda ensaio de
erosão, é o mais utilizado dentre os ensaios em canais hidráulicos no meio geotécnico, sendo
estudado e aplicado por diversos pesquisadores como Fácio (1991), Bastos (1999), Freire
(2001), entre outros. Este ensaio é fundamentado em métodos empíricos e, apesar de não ser
normatizado, apresenta resultados satisfatórios na avaliação da erodibilidade dos solos. Além
disso, consiste em um ensaio de simples execução e baixo custo de implementação quando
comparado a outros ensaios do mesmo tipo, o que o torna alvo de várias pesquisas.
Inderbitzen (1961) apresentou, no seu estudo “An erosion test for soils”, a concepção
original de um método de ensaio para avaliação da erodibilidade do solo através do uso de
um canal hidráulico artificial. Inicialmente, o autor idealizou um equipamento que pudesse
monitorar o volume de perdas dos solos em decorrência dos processos erosivos gerados pela
água. Com isso, projetou um equipamento com a função de simular como uma amostra de
solo comporta-se, frente à erosão, quando é submetida a um fluxo de água superficial, em
condições próximas às encontradas em campo. No ensaio proposto projetou o equipamento,
também, de forma a possibilitar a verificação da influência de diversos fatores
condicionantes dos processos erosivos como a declividade de rampa, a compactação do solo
e vazão e duração do fluxo de água. Entretanto, o aparelho não tem a capacidade de simular o
efeito de desagregação das partículas do solo ocasionado pelo impacto das gotas de chuva em
uma precipitação. Em razão disso, o volume de solo erodido e coletado no ensaio é menor do
que é constatado em uma situação real.
Inicialmente utilizado no exterior, o ensaio foi introduzido pela primeira vez no
Brasil no período de 1975 a 1978, no qual foi adotado como ensaio geotécnico para avaliação
da erodibilidade dos solos na pesquisa “Estabilidade de Taludes”
(IPR/COPPE/TRAFECON). O equipamento utilizado, na época desta pesquisa, consistia em
uma adaptação daquele primeiro projetado por Inderbitzen no trabalho original. Depois desta
experiência com a metodologia, coordenada pelo Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR), o
uso do ensaio somente ressurgiu com força no início da década de 90.
No Brasil, Rego (1978) foi um dos pioneiros na introdução do ensaio de Inderbitzen
no meio geotécnico, ao utilizá-lo no estudo da erosão superficial em taludes de solo residual
de gnaisse, no estado do Rio de Janeiro. É necessário, também, fazer o registro do importante
trabalho de Rodrigues (1982), autor este, que aplicou a metodologia de Inderbitzen na
pesquisa de algumas voçorocas da região Centro-Leste do Estado de São Paulo.
Com o aprofundamento teórico em relação aos estudos voltados para obtenção dos
índices de erodibilidade do solo conseguido via dados do ensaio Inderbitzen, houve a
necessidade de que se fizesse novas adaptações no sentido de melhorar a forma de
representação do fluxo laminar da água na superfície, e com isso possibilitar a representação
quantificada mais adequada da erodibilidade do solo através do ensaio Inderbitzen
(AGUIAR e ROMÃO, 2009). Diante disso, vários pesquisadores tais como Bastos (1999),
Fragassi (2001), Santos (2001), Ramidan (2003), entre outros, propuseram modificações no
ensaio visando obter resultados satisfatórios.
Fácio (1991), ao analisar comparativamente a erodibilidade em um perfil de solo ou
entre solos de comportamentos distintos quanto à erosão, propôs uma forma de padronização
do ensaio de Inderbitzen quanto aos parâmetros de declividade de rampa, vazão e duração
mínima do ensaio. Esta padronização proposta surgiu no seu estudo de solos do Distrito
Federal, no qual, ao adaptar o equipamento original, identificou e fixou como parâmetros
ideais de ensaio: inclinação de rampa de 10°, vazão de ensaio de 50 ml/s e tempo de ensaio de
20 minutos.
Ao estudar a evolução de processos erosivos em Goiânia, Santos (1998) também
apontou algumas alterações no ensaio a fim de melhorar os resultados obtidos. Baseado nas
condições propostas por Fácio (1991), o autor sugeriu a redução da largura de rampa do
equipamento e o aumento no tempo de ensaio que passou de 20 para 30 minutos. Estas
modificações foram efetuadas após o autor concluir que tais condições permitem que a
erosão ocorra gradativamente, facilitando a observação do processo erosivo –
independentemente do tipo de solo estudado.
Em outra região, Bastos (1999) utilizou os ensaios de Inderbitzen no estudo de solos
residuais da região metropolitana de Porto Alegre, obtendo uma boa resposta na estimativa
do fator de erodibilidade (K) em amostras de diferentes condições de umidade. Neste
trabalho, o autor trabalhou com duas condições de vazão e várias inclinações de rampa,
concluindo que o método se mostrava bastante promissor na avaliação da erodibilidade dos
solos. Bastos (1999), então, desenvolveu um novo equipamento para realização do ensaio de
Inderbitzen.
O novo dispositivo consiste em uma rampa hidráulica produzida em chapa metálica e
modificada para as dimensões de 25 centímetros de largura e 60 centímetros de
comprimento. A rampa citada é dotada de um orifício central de 10 centímetros de diâmetro,
projetado para que amostras indeformadas de solos sejam acopladas no mesmo, de maneira a
sofrer a ação do fluxo de água que escoa pela rampa. O autor utilizou-se de amostras
indeformadas - que mantém a estrutura original do solo - de altura 5 centímetros e diâmetro
de 9,76 cm, ensaiando-as em três condições de umidade diferentes: umidade natural, seca ao
ar e pré-umedecida. Além disso, o equipamento elaborado por Bastos (1999) permite a
verificação do comportamento erosivo diante da variação na declividade da rampa. Isto é
conseguido através de ajustagem na base da rampa que possibilita ensaios com inclinações de
10°, 26°, 45° e 54°. Segundo a proposta do autor, também, são utilizadas vazões de
escoamento de 3 l/min e 6 l/min – simulando escoamentos provocados por precipitações de
menor e maior volume, respectivamente - e um tempo total de ensaio de 20 minutos,
considerado suficiente para obtenção de resultados satisfatórios (Figura 2.8).
Já Lima (1999) utilizou as condições propostas por Santos (1997) – inclinação de
rampa de 10°, vazão de 50 ml/s e tempo de ensaio de 30 minutos – em amostras com duas
condições de umidade diferentes: natural e saturada. As amostras saturadas eram obtidas
através do reaproveitamento das que haviam sido ensaiadas na condição natural.
Outro autor a utilizar-se das condições sugeridas por Santos (1997), Motta (2001)
modificou somente os parâmetros referente às vazões e às inclinações utilizadas. O autor
utilizou intervalos de vazão compreendidos entre 25 ml/s e 75 ml/s e declividades de 5° a
40°. Estas mudanças foram propostas visando observar uma variação da velocidade de
escoamento da água no ensaio. Esta particularidade, assim como outras adotas por este autor,
seguiram orientações do trabalho de Fácio (1991).
Alguns outros autores propuseram mudanças ainda mais significativas ao aparelho
Inderbitzen na tentativa de simular o efeito da precipitação sobre as amostras de solo. Freire
(2001) expôs as amostras de solo ao efeito dos fenômenos de desagregação seguido do
escoamento superficial, resultando no novo ensaio “GES” – Grau de Erodibilidade do Solo.
O equipamento utilizado pelo autor consiste em duas linhas de chuveiramento através de
tubos perfurados, dispostos a uma altura de 0,20 m, com sua pressão controlada por
manômetros.
Motta (2001) também fez parte dos pesquisadores que trabalharam na tentativa de
simular o efeito causado pela chuva no processo erosivo ao seguir as orientações de
Inderbitzen (1961). Neste estudo específico, este se utilizou do aparelho de Inderbitzen, no
qual acoplou um chuveiro a uma altura de 38 centímetros acima do local da amostra. Desta
forma, aplicava uma precipitação simulada sobre o solo estudado (Figura 2.9). Além disso,
fixou 20 minutos como tempo de ensaio e 10° como inclinação de rampa utilizadas.
Diferentemente de outros estudos, neste o escoamento superficial característico do ensaio de
Inderbitzen não foi utilizado, somente observando o efeito produzido pela precipitação
artificial. A intensidade da chuva simulada foi controlada através de medidas de volumes
pela unidade de tempo, antes do início dos ensaios. Os resultados oriundos dos ensaios de
precipitação obtidos pelo autor para as amostras de solos estudadas mostraram,
comparativamente, perdas de quatro a sete vezes menores do que as observadas nos ensaios
tradicionais de Inderbitzen para as mesmas amostras. Apesar do efeito de destacamento
produzido pelas gotas de chuva ser menor do que o do escoamento superficial produzido no
ensaio tradicional, é possível perceber que a influência do efeito splash pode ser, também,
significativa.
Diante de todas as modificações propostas e resultados obtidos através do ensaio de
Inderbitzen, Fácio (1991) constatou certas tendências de comportamento gerais:
A perda de solo aumenta com a diminuição do grau de saturação inicial da
amostra;
A perda de solo aumenta com o aumento da vazão;
A perda de solo é maior nos primeiros 5 minutos de ensaio, como pode ser
verificado nos resultados apresentados pelo Instituto de Pesquisas
Rodoviárias - IPR (1979).
Figura 2.9 – Sistema de simulação de chuva acoplado ao aparelho de Inderbitzen.
Fonte: Motta (2001)
Neste capítulo foi apresentado um conjunto de conceitos sobre a temática erosão,
suas diversas formas e condicionantes, visando fomentar a realização desta pesquisa. Diante
disso, foi possível conhecer as fases do desenvolvimento de um processo erosivo, discutir a
dinâmica envolvida na erosão de um solo e elencar alguns dos ensaios mais utilizados no
meio geotécnico para determinação da erodibilidade dos solos, fixando maior atenção ao
ensaio de Inderbitzen – principal alvo deste presente trabalho.
3 METODOLOGIA
Nesta seção é apresentada a metodologia aplicada a este trabalho que divide-se em
três etapas denominadas: etapa de gabinete, etapa de campo e etapa de laboratório.
No documento
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES CURSO DE ENGENHARIA CIVIL
(páginas 30-37)