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ENSAIOS COM SUBSTÂNCIAS GENOTÓXICAS

Ensaios com substâncias de propriedades mutagênicas, e, portanto, potencialmente carcinogênicas, podem ser realizados com microrganismos e extrapolados para organismos superiores. No entanto, muitas vezes esta extrapolação apresenta falhas, oriundas provavelmente da simplicidade estrutural e metabólica destes organismos. Desta maneira, os testes in vivo e in vitro, realizados com plantas e vertebrados, capazes de detectar mutações gênicas, alterações cromossômicas ou danos no ADN são mais relevantes (RABELLO-GAY et al., 1991). Por este motivo, alguns pesquisadores afirmam que a função primária dos testes de toxicologia genética é investigar, usando células ou organismos, o potencial de compostos químicos induzirem mutações nas células somáticas ou que possam ser transmitidas às futuras gerações (DA SILVA et al., 2003).

Entre as plantas ou vertebrados escolhidos, para os ensaios de mutagenicidade ou genotoxicidade, o uso de organismos endêmicos como sentinelas ambientais será sempre preferível ao uso de espécies exóticas. No entanto, para que este objetivo possa ser alcançado de maneira eficiente, o organismo endêmico eleito deve ser submetido a ensaios suficientemente sensíveis, com a finalidade de ser estabelecido um padrão de resposta aos agentes genotóxicos (PANDRANGI et al., 1995). No caso de ensaios com substâncias

mutagênicas presentes na água ou em sedimentos, estes podem ser realizados em condições laboratoriais com o uso de vários tipos de animais como, por exemplo, anfíbios, moluscos, peixes, e mamíferos os quais servirão como bioindicadores da poluição do meio aquático (MINISSI et al., 1996). Para este propósito, os mais adequados são os peixes, assim como os mamíferos, pois sofrem bioacumulação, respondem a agentes mutagênicos em baixas concentrações e são capazes de alterar a expressão gênica do citocromo P450, em resposta a poluentes (GOKSOYR, ANDERSON et al., 1991; GOKSOYR, LARSEN et al., 1991).

2.3.1 Técnicas para análises ecotoxicológicas

A avaliação da exposição a xenobióticos tem proporcionado informações sobre concentrações em constante expansão, bem como de seu potencial tóxico em ambientes selecionados. Os métodos para avaliação da exposição a xenobióticos segue duas categorias (WHO, 1993): a mensuração dos níveis de agentes químicos e seus metabólitos e/ou derivações em células, tecidos, fluidos corporais e excreção; e a mensuração de respostas biológicas como alterações genéticas avaliadas por metodologias citogenéticas e trocas fisiológicas reversíveis em indivíduos expostos.

Métodos citogenéticos estão entre os mais sensitivos e eficientes para detecção de efeitos genotóxicos (BELPAEME et al., 1996).

As técnicas citogenéticas utilizadas para análises de genotoxicidade e mutagenicidade ambiental são: teste de aberrações cromossômicas (AC) (NATARANJAN, 2002; OBE et al., 2002), troca de cromátides irmãs (SCE)(PERRY; WOLFF, 1974),ensaio cometa (GONTIJO; TICE, 2003; SINGH et al., 1988), teste do MN e alterações nucleares (FENECH, 2000; KIRSCH-VOLDERS et al., 2002), e Hibridização in situ Fluorescente(FISH) (SAKAMOTO-HOJO, 2003).

2.3.1.1 Teste do micronúcleo písceo (MN)

Alguns estudiosos propuseram um tipo de ensaio que permitia a avaliação do dano no ADN pela análise e quantificação de uma estrutura citoplasmática conhecida pelos hematologistas como corpúsculo de Howell-Joly, encontrado em populações celulares em divisão. Estas estruturas receberam o nome de micronúcleos (HEDDLE, 1973; SCHMID, 1975).

Originalmente, o teste do micronúcleo foi desenvolvido para estudos in vivo dos efeitos de compostos químicos. Para este fim, eram utilizadas células eritrocitárias policromáticas, obtidas de medula óssea do fêmur de camundongos. Posteriormente, passou-se a utilizar eritrócitos circulantes. Em ambos os casos, os testes eram realizados, normalmente, com animais criados em laboratório e sob condições laboratoriais bem controladas (SCHMID, 1975).

Hooftman e Raat (1982) basearam-se no teste do micronúcleo, originalmente desenvolvido por Schmid (1975), e o introduziram nos estudos de células sanguíneas de peixes mantidos em laboratório. Esta modificação do teste original passou a ser conhecida como Teste do Micronúcleo Písceo (CARRASCO et al., 1990).

O princípio do teste está baseado no fato de que, durante a anáfase, as cromátides e fragmentos cromossômicos acêntricos não são transportados pelas fibras do fuso para pólos opostos, enquanto que os fragmentos com centrômeros são. Após a telófase, os cromossomos sem danos são incluídos no núcleo de cada uma das células filhas. Elementos que não foram transportados pelo fuso também podem ser englobados pelos núcleos recém-formados. No entanto, alguns destes elementos, normalmente muito pequenos, não são incluídos nos núcleos recém- formados e permanecem no citoplasma, constituindo as estruturas caracterizadas como MN (SCHMID, 1975) (Fig. 3).

Pode-se conceituar, portanto, os micronúcleos como sendo corpúsculos extracelulares formados durante o processo da mitose, os quais são resultantes de fragmentos cromossômicos acêntricos ou de cromossomos inteiros que não foram incluídos em nenhum dos núcleos filhos, originados no processo de divisão celular (ALBERTINI et al., 2000) (Fig. 4).

O teste do MN é uma das metodologias mais utilizadas para avaliar danos causados por substâncias xenobióticas nos organismos (SCHMID, 1976; VANZELLA et al., 2007). Para Hose et al. (1987), este teste revelou grandes potencialidades por ser de rápida execução, não dispendioso e um excelente indicador da contaminação por compostos químicos em peixes. Estas potencialidades foram posteriormente confirmadas por outros autores (AYLLON; GARCIA-VAZQUEZ, 2000; , 2001; PACHECO; SANTOS, 1998).

Figura 3 - A) processo normal de divisão celular. B) formação do MN por fragmento cromossômico acêntrico ou de um cromossomo inteiro, por não terem sido incluídos no núcleo recém-formado e permanecerem no citoplasma após a fase da telófase; C) formação do MN por ponte citoplasmática com fragmento cromossômico acêntrico que não foi incluído no núcleo recém-formado, permanecendo no citoplasma após a telófase.

Esse tipo de teste tem sido recomendado para estudos de biomonitoramento ambiental, principalmente por sua capacidade de detectar agentes clastogênicos , e agentes aneugênicos (AYLLON; GARCIA-VAZQUEZ, 2000; , 2001; BOMBAIL et al., 2001; ELHAJOUJI et al., 1995; FENECH, 2000; GUILHERME et al., 2007; RIBEIRO et al., 2003; STOIBER et al., 2004; STRUNJAK-PEROVIC et al., 2008).

Figura 4 - Eritrócitos micronucleados de Poecilia vivipara (seta) (SPONCHIADO, ADAM, TORRES, OLIVEIRA et al., 2005; SPONCHIADO, ADAM, TORRES, VALENTE et al., 2005)

O teste do MN foi utilizado em um estudo para biomonitoramento ecotoxicológico nos Rios Itajaí-Açú e Itajaí-Mirim, no Estado de Santa Catarina-BR. Neste estudo, foi verificado o nível de poluição, utilizando como modelo experimental tilápia (Oreochromis niloticus), testando sua resistência, até 10 dias de exposição às águas dos Rios (BÜCHER et al., 2006; BÜCKER; CONCEIÇÃO, 2004). Na bacia Amazônica, o teste do MN foi utilizado para avaliação mutagênica de altas concentrações de mercúrio, encontrado no Rio Madeira, examinando-se três espécies comercialmente importantes da região: o Curimatã (Prochilodus nigricans); o Pacu branco (Mylossoma duriventris); e Traíra (Hoplias malabaricus). A análise demonstrou a ação genotóxica significativa quando comparada ao controle negativo correspondente a peixes do Rio Solimões (PORTO et al., 2005).

2.3.1.2 Anormalidades nucleares em eritrócitos de peixe

Anormalidades nucleares são frequentemente observadas em eritrócitos de peixes (CARRASCO et al., 1990) apud (AYLLON; GARCIA-VAZQUEZ, 2000; , 2001; BOMBAIL et al., 2001; MATSUMOTO et al., 2006; RAMSDORF, 2007; VENTURA, 2004; VENTURA et al., 2008) como:

a) Lobulado (lobed): núcleos com evaginações mais largas do que as descritas para os blebbed. Sua estrutura não é tão definida como a anterior. Alguns núcleos apresentam várias destas estruturas (Fig. 5 a).

tamanho destas evaginações varia desde pequenas protuberâncias a estruturas completamente circunscritas, semelhantes aos micronúcleos, mas ainda ligadas ao núcleo principal (Fig. 5 b).

c) Vacuolado (vacuolated): núcleos que apresentam uma região que lembra os vacúolos no seu interior. Estes “vacúolos” apresentam-se destituídos de qualquer material visível no seu interior (Fig. 5 c).

d) Lobulado acentuado (notched): núcleos que apresentam um corte bem definido em sua forma. Geralmente, com uma profundidade apreciável no núcleo. Esses cortes parecem não possuir nenhum material nuclear e parecem ser delimitados pela membrana nuclear (Fig. 5 d).

Figura 5 - Anormalidades nucleares em eritrócitos de peixe. a) núcleo lobulado. b) núcleo evaginado. c) núcleo vacuolado. d) núcleo lobulado acentuado.

Essas anormalidades têm sido utilizadas por alguns autores como um indicativo do dano citogenético em espécies de peixes. Porém, Carrasco et al., (1990), que descreveram essas alterações, não observaram uma associação significativa entre variações na morfologia do núcleo (incluindo MN) e os níveis de poluição química em sedimentos ou em tecidos de peixes, indicando uma fragilidade do uso do teste do MN em peixes. Sua possível falta de sensibilidade é devido à baixa e também variável freqüência de micronúcleos em peixes silvestres (CARRASCO, 1990 apud (RAMSDORF, 2007). Outros autores sugerem que as anormalidades nucleares devem ser incluídas nas análises de genotoxicidade em peixes, incluindo contagem de MN, por apresentarem resultados mais confiáveis e mais completos (AYLLON; GARCIA-VAZQUEZ, 2000; , 2001).

Outros estudiosos concordam com Ayllon e Garcia-Vazquez (2000, 2001) e classificam anormalidades nucleares como sendo um dano genotóxico, que serve para avaliar o potencial clastogêncico e/ou aneugênico, da exposição dos peixes a

compostos químicos ou xenobioticos no ambiente (BOMBAIL et al., 2001; GUILHERME et al., 2007; MATSUMOTO et al., 2006; PACHECO; SANTOS, 1998; PACHECO et al., 2005; STRUNJAK-PEROVIC et al., 2008). Estudos realizados para avaliar a genotoxicidade (potencial clastogênico e/ou aneugênico) do mercúrio no ambiente demonstraram que a análise das anormalidades nucleares em eritrócitos de peixe foi um método eficiente para este fim (AYLLON; GARCIA-VAZQUEZ, 2000; , 2001; GUILHERME et al., 2007).

2.3.1.3 Ensaio cometa

O ensaio Cometa é uma técnica capaz de detectar danos no ADN em células individualizadas através da eletroforese em gel (SPEIT; HARTMANN, 1999). Esta metodologia possui ampla utilização para se testar, como estratégia de biomonitoramento de agentes genotóxicos, dejetos industriais, domésticos e agrícolas, a indução de danos e reparo no ADN, assim como em aplicações clínicas (HARTMANN et al., 2003; WHITE; RASMUSSEN, 1998). As vantagens do Ensaio Cometa incluem sua simplicidade, rápido desempenho e alta sensibilidade para vários tipos de danos no ADN (DA SILVA et al., 2003).

O ADN contido em células de organismos eucariotos possui alguns centímetros de comprimento, porém para que seja acomodado no interior do núcleo, que possui entre 5 µm e 10 µm de largura, essa molécula tem que ser fortemente condensada. Danos impostos à molécula de ADN provocam um relaxamento desta condensação e ocasionalmente quebras na estrutura molecular (ROJAS et al., 1999).

Para o desenvolvimento desta técnica as células, nas quais se deseja verificar o dano ocasionado no seu ADN, são suspensas em agarose de baixo ponto de fusão (LMP) e, então, colocadas em lâminas de vidro para microscopia, previamente recobertas com uma camada de agarose normal. As lâminas contendo as células são, então, submetidas a uma corrida de eletroforese e coloração (SPEIT; HARTMANN, 1999). O princípio desta técnica baseia-se no fato de que o ADN da célula que não tiver dano migrará em conjunto formando um círculo. Caso ocorram danos no ADN, serão formados fragmentos de diversos tamanhos. Os fragmentos menores tendem a migrar mais rapidamente do que os maiores. Ocorrendo um dano muito intenso, em uma célula, muitos fragmentos de diversos tamanhos serão

formados e migrarão em velocidades diferentes, formando-se, então, a figura típica de um cometa (OLIVE et al., 1990). A avaliação destes danos é feita pela relação entre o raio do núcleo e a extensão das “caudas” formadas pelo ADN em migração (classificados como: Classe 0 – nenhum dano, Classe 1 – pouco dano, Classe 2 – médio dano, Classe 3 – Médio para máximo dano e Classe 4 – máximo dano) (Fig. 6). Esta análise tanto pode ser feita visualmente como por softwares especiais (COLLINS, 2004).

Figura 6 - Classes de dano no ADN observadas pelo Ensaio Cometa (BIRIMI, 2007).

As quebras detectadas pelo ensaio podem ocorrer em virtude da digestão do ADN no processo de apoptose. As células que se encontram neste processo são distinguíveis das outras, pois não apresentam um nucleóide típico, estando todo seu ADN fragmentado (OLIVE et al., 1990).

Ao contrário de outros tipos de ensaio, como o MN, de AC ou de SCE, que necessitam de células em proliferação para sua viabilidade, o Ensaio Cometa não necessita desta condição e pode ser utilizado em, praticamente, qualquer tipo de célula (COLLINS et al., 1997; PANDRANGI et al., 1995; RIBEIRO et al., 2003; ROJAS et al., 1999). Uma vez que, substâncias genotóxicas, muito freqüentemente, são tecido-específicas, ficam evidentes as vantagens do uso do Ensaio Cometa, pois, o tecido-alvo do agente genotóxico pode ser analisado diretamente, e as células danificadas, podem ser quantificadas individualmente (PANDRANGI et al., 1995).

Apesar de o Ensaio Cometa ter sido originalmente desenvolvido para detectar efeitos genotóxicos em mamíferos, esta se mostrou de grande eficiência na detecção de substâncias genotóxicas em organismos de ambiente aquático, além de encontrar amplo emprego na área clínica em estudos de reparo do ADN, no biomonitoramento ambiental e no monitoramento humano (FERRARO, 2003).

Utilizando-se dos peixes Ameriurus nebulosus (PANDRANGI et al., 1995) e Cyprinus carpio (SILVA et al., 2000), do vegetal superior (Allium cepa), diferentes estudos demonstraram a grande eficiência do referido ensaio para monitoramento ambiental (NAVARRETE et al., 1997).

No caso específico do Ensaio Cometa realizado com peixes, o sangue revela- se um tecido potencialmente útil no biomonitoramento ambiental, em primeiro lugar, por ser um material que pode ser obtido de maneira pouco invasiva (pela veia caudal) e, em segundo lugar, por apresentar em grande quantidade, eritrócitos nucleados (~97%) e aproximadamente 3% de leucócitos, garantindo, desta forma, uma substancial homogeneidade no tecido (MITCHELMORE; CHIPMAN, 1998).

A simplicidade e sensibilidade do Ensaio Cometa fazem dele um sistema adequado de teste para biomonitoramento em níveis crônicos de exposição, podendo ser utilizado em inúmeras análises, nas quais se podem avaliar células viáveis (BELPAEME et al., 1998).

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